sexta-feira, 1 de junho de 2018

Dias de caos


Dias de caos

Democracia constitui o mais audacioso e nobre estado de liberdade para a governança de um povo. Acostumadas as criaturas aos regimes arbitrários e violentos, acreditam que o direito da força é capaz de substituir a força do direito, e normalmente derrapam no cerceamento das liberdades de pensar, de agir, de contribuir em favor da coletividade.

De igual maneira os regimes totalitários utilizam-se da fragilidade e ignorância do povo para instalar-se, mediante promessas de suborno das consciências e de falsa igualdade de direitos, estimulando as classes menos favorecidas para a fidelidade, oferecendo-lhes migalhas, enquanto se locupletam no abuso do poder e da indignidade, mantendo a miséria moral, social e econômica.

A comodidade, fruto inevitável do desconhecimento dos direitos à cidadania, acredita-se feliz com os parcos recursos que lhe são fornecidos pelo Estado delinquente, e homenageia os seus ditadores como sendo salvadores dos seus problemas.

É muito mais fácil oferecer-se pão e circo às massas do que dignidade aos indivíduos.

A situação lamentável em que se encontra a sociedade brasileira neste momento, resulta, sem dúvida, da negligência dos governantes anteriores que estabeleceram leis injustas e inadequadas para manter-se no poder, pensando somente nos seus e nos interesses dos partidos aos quais pertencem.

Esses administradores infiéis contam com o apoio dos enganados que se fanatizam e somente pensam nas miseráveis compensações que recebem, levando a nação ao caos da desordem e do sofrimento. Nesse clima de instabilidade e desconforto encontram-se os vírus das desoladoras revoluções e desastrosas soluções para pior.

Este é um momento muito grave, talvez dos mais difíceis para a nacionalidade brasileira.

Não é momento para humor, mas para a busca de soluções legais, a fim de que se voltem a instalar a serenidade e o respeito aos códigos que vigem em toda sociedade democrática.

Quando, porém, o desprezo pelas leis e a corrupção se instalam nas altas cortes da administração, que deveriam pautar a sua conduta pelos estatutos da dignidade, o problema faz-se mais grave, exigindo que o povo venha às ruas impor o cumprimento dos deveres por aqueles que devem zelar pela honradez da sociedade.
Não foram outros os motivos que derrubaram a Bastilha em 14 de julho de 1789 e deram início à Revolução Francesa, que também derrapou nos tremendos crimes do denominado período do terror.

O Brasil, que possui tradições cristãs arraigadas e que sempre se caracterizou pelos valores da paz, deve repetir neste momento o gesto corajoso de enfrentar os dislates da corrupção e exigir imediata reforma nacional para restabelecer a paz e o progresso.

Divaldo Pereira Franco.
Artigo publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião, em 31.5.2018.
Em 4.6.2018.

sábado, 26 de maio de 2018

Anjo misericordioso


Anjo misericordioso


As mais belas palavras entretecidas em forma de uma auréola de gratidão não expressam, realmente, a grandeza de que te revestes, anjo querido.
Sendo uma estrela luminífera, escondes a tua claridade no corpo físico, a fim de não ofuscares os caminhos que percorres, particularmente quando te tornas mãe. 
O brilho, porém, da tua luminosidade exterioriza-se e clareia a noite densa do processo de crescimento daqueles que vêm aos teus braços, na condição de filhos, na ansiosa busca do progresso e da plenitude. 
Os teus silêncios, nos momentos de testemunho, transformam-se em canções de inigualável beleza, dando sentido psicológico e harmonia à vida, porque te sacrificas em benefício daqueles que Deus te concedeu por empréstimo sublime para os conduzires ao Seu coração inefável. 
O teu devotamento contínuo constitui a lição preciosa de perseverança de quem acredita na Vida e no triunfo do Bem Eterno, nunca desistindo de lutar e de doar-se.
A tua paciência gentil e a tua serena abnegação, mesmo nas horas difíceis, são poemas vivos de amor incomum, que terminam por transformar as estruturas morais humanas deficientes em resistência e vigor para os enfrentamentos da reencarnação. 
A tua serenidade, quando tudo parece conspirar contra o êxito daqueles que educas, e a tua certeza de que o amor tudo pode, convertem-se na segurança que se faz indispensável para que a vitória seja alcançada. 
As ingratidões dos filhos não te desanimam, as vicissitudes da existência não te desarmonizam, os embates do cotidiano não te enfraquecem, e prossegues a mesma, sofrida, às vezes, perseverando, porém, nos deveres a que te entregas com doação total. 
Aprendeste a sorrir quando os teus filhos estão alegres e a chorar ante as suas preocupações e fracassos, nunca cedendo espaço ao desespero ou à revolta, quando eles não conseguem superar os impedimentos e tombam em momentâneos fracassos… 
Nesses momentos, renovada em forças e revestida de coragem, ergue-os, dando-lhes as mãos generosas e direcionando-lhes os passos no rumo certo, a fim de que recomecem e se recuperem. 
Estejas na opulência ou na pobreza total, a tua maternidade é sinal do poder de Deus que te consagrou como cocriadora, na condição de anjo do lar, a fim de que o mundo cresça e a vida humana alcance a meta para a qual foi organizada. 
É certo que nem todos os filhos sabem compreender a tua grandeza, os teus sacrifícios e lutas, mas isso não te é importante. 
Consideras antes que o teu é o dever de os amar em quaisquer situações em que se encontrem, educando-os sem cessar, amparando-os continuamente e emulando-os ao avanço com os seus próprios pés, mesmo quando tenham as pernas trôpegas e feridos os sentimentos. 
Sabes que as melhores condecorações para exornarem os heróis são as cicatrizes internas que permanecem no coração e na alma do lutador após as refregas. Por isso mesmo, insistes e perseveras sem descanso, trabalhando com esses diamantes brutos que deves lapidar, a fim de que permitam o brilho da Estrela Polar – Jesus! – no recesso do ser.
 ...E se, por acaso, a desencarnação te arrebatar do corpo, impedindo-te continuar cuidando deles, permanecerás, no Além-túmulo, inspirando-os, acariciando-os e envolvendo-os em vigorosa proteção. 
*
Doce mãezinha! 
Quando as criaturas da Terra dedicam um dia ao teu amor, apenas um entre trezentos e sessenta e quatro outros, sinalizando que já estão despertando para o significado do teu apostolado, apesar das imposições mercadológicas que esperam lucros, nessa oportunidade, quando todos deveriam oferecer-te somente amor, desejamos homenagear-te, envolvendo-te em ternura e em gratidão, pela nobre tarefa que desempenhas e pelas bênçãos que a todos nos concedes. 
Maria, a Mãe Santíssima da Humanidade, coroe-te de paz e de alegria, no teu e em todos os dias da tua existência, anjo misericordioso de todos nós!
Amélia Rodrigues 
  Psicografia de Divaldo Pereira Franco, na manhã de 10 de
 março de 2006,
na residência de George e Akemi Adams,
em Santa Monica, Califórnia, EUA.
Em 23.4.2018.


quinta-feira, 17 de maio de 2018

RESSURREIÇÃO DA CARNE


No final do texto publicado neste Blog em 11.05.2018, com o título: Pluralidade das existênciasAllan Kardec solicita ver o parágrafo “Ressurreição da carne”, questão 1010 de O Livros dos Espíritos, que abaixo inserimos tanto como seu comentário que amplia a compreensão desse tema. Considerando que a resposta da questão 1010 é dada pelo espírito São Luiz.

                                                                             Dorival da Silva

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RESSURREIÇÃO DA CARNE

1010. O dogma da ressurreição da carne será a consagração da reencarnação ensinada pelos Espíritos?
                  
“Como quereríeis que fosse de outro modo? Conforme sucede com tantas outras, estas palavras só parecem despropositadas, no entender de algumas pessoas, porque as tomam ao pé da letra. Levam, por isso, à incredulidade. Dai-lhes uma interpretação lógica e os que chamais livres pensadores as admitirão sem dificuldades, precisamente pela razão de que refletem. Por que, não vos enganeis, esses livres pensadores o que mais pedem e desejam é crer. Têm, como os outros, ou, talvez, mais que os outros, a sede do futuro, mas não podem admitir o que a ciência desmente. A doutrina da pluralidade das existências é consentânea com a justiça de Deus; só ela explica o que, sem ela, é inexplicável. Como havíeis de pretender que o seu princípio não estivesse na própria religião?”

— Assim, pelo dogma da ressurreição da carne, a própria Igreja ensina a doutrina da reencarnação?

“É evidente. Demais, essa doutrina decorre de muitas coisas que têm passado despercebidas e que dentro em pouco se compreenderão neste sentido. Reconhecer-se-á em breve que o Espiritismo ressalta a cada passo do texto mesmo das Escrituras sagradas. Os Espíritos, portanto, não vêm subverter a religião, como alguns o pretendem. Vêm, ao contrário, confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis. Como, porém, são chegados os tempos de não mais empregarem linguagem figurada, eles se exprimem sem alegorias e dão às coisas sentido claro e preciso, que não possa estar sujeito a qualquer interpretação falsa. Eis por que, daqui a algum tempo, muito maior será do que é hoje o número de pessoas sinceramente religiosas e crentes.”
SÃO LUÍS

(Allan Kardec faz argumentação complementar ampliando entendimento)

Efetivamente, a Ciência demonstra a impossibilidade da ressurreição, segundo a ideia vulgar. Se os despojos do corpo humano se conservassem homogêneos, embora dispersos e reduzidos a pó, ainda se conceberia que pudessem reunir-se em dado momento. As coisas, porém, não se passam assim. O corpo é formado de elementos diversos: oxigênio, hidrogênio, azoto, carbono, etc. Pela decomposição, esses elementos se dispersam, mas para servir à formação de novos corpos, de tal sorte que uma mesma molécula, de carbono, por exemplo, terá entrado na composição de muitos milhares de corpos diferentes (falamos unicamente dos corpos humanos, sem ter em conta os dos animais); que um indivíduo tem talvez em seu corpo moléculas que já pertenceram a homens das primitivas idades do mundo; que essas mesmas moléculas orgânicas que absorveis nos alimentos provêm, possivelmente, do corpo de tal outro indivíduo que conhecestes e assim por diante. Existindo em quantidade definida a matéria e sendo indefinidas as suas combinações, como poderia cada um daqueles corpos reconstituir-se com os mesmos elementos? Há aí impossibilidade material. Racionalmente, pois, não se pode admitir a ressurreição da carne, senão como uma figura simbólica do fenômeno da reencarnação. E, então, nada mais há que aberre da razão, que esteja em contradição com os dados da Ciência.

É exato que, segundo o dogma, essa ressurreição só no fim dos tempos se dará, ao passo que, segundo a Doutrina Espírita, ocorre todos os dias. Mas, nesse quadro do julgamento final, não haverá uma grande e bela imagem a ocultar, sob o véu da alegoria, uma dessas verdades imutáveis, em presença das quais deixará de haver cépticos, desde que lhes seja restituída a verdadeira significação? Dignem-se de meditar a teoria espírita sobre o futuro das almas e sobre a sorte que lhes cabe, por efeito das diferentes provas que lhes cumpre sofrer, e verão que, exceção feita da simultaneidade, o juízo que as condena ou absolve não é uma ficção, como pensam os incrédulos. Notemos mais que aquela teoria é a consequência natural da pluralidade dos mundos, hoje perfeitamente admitida, enquanto que, segundo a doutrina do juízo final, a Terra passa por ser o único mundo habitado.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Considerações sobre a pluralidade das existências


Tomamos a liberdade de reproduzir adiante o capítulo V de O Livro dos Espíritos, organizado e publicado por Allan Kardec, em 18 de abril de 1857, onde Ele faz considerações sobre um dos princípios da Doutrina Espírita: A reencarnação, que entendemos ser de clareza solar, proporcionando a quem busca entendimento em verdades incontestáveis para tema de tanta importância na construção de uma vida pessoal e social melhor.

Este escrito está disponível há mais de 160 anos, muitos se beneficiaram desses conhecimentos, no entanto, existe parcela grandiosa da população do Globo que não tem esse conhecimento, nem acesso a ele, além do preconceito ou fanatismo religioso não permitir aos adeptos adentrarem outros conceitos que diferem do tradicionalismo, proibindo o avanço espiritual.

O conhecimento e o entendimento generalizado entre todos os povos do princípio da Pluralidade das Existências, proporcionaria a paz no Mundo, em conta a responsabilidade que desperta em relação a Vida, o respeito a si mesmo e ao próximo, sabendo que todos os atos correspondem a consequências que serão boas ou ruins, e que o responsável será credor ou devedor, devendo ressarcir o ofendido ou à Natureza, harmonizando a sua consciência com a Lei Divina, que rege todo o Universo.

Boa Leitura.
                                                                                   Dorival da Silva

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Considerações sobre a pluralidade das existências

222. Não é novo, dizem alguns, o dogma da reencarnação; ressuscitaram-no da doutrina de Pitágoras. Nunca dissemos ser de invenção moderna a Doutrina Espírita. Constituindo uma lei da Natureza, o Espiritismo há de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por demonstrar que dele se descobrem sinais na antiguidade mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor do sistema da metempsicose; ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o tinham desde tempos imemoriais. A ideia da transmigração das almas formava, pois, uma crença vulgar, aceita pelos homens mais eminentes. De que modo a adquiriram? Por uma revelação, ou por intuição? Ignoramo-lo. Seja, porém, como for, o que não padece dúvida é que uma ideia não atravessa séculos e séculos, nem consegue impor-se a inteligências de escol, se não contiver algo de sério. Assim, a ancianidade desta doutrina, em vez de ser uma objeção, seria prova a seu favor. Contudo, entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação, há, como também se sabe, profunda diferença, assinalada pelo fato de os Espíritos rejeitarem, de maneira absoluta, a transmigração da alma do homem para os animais e reciprocamente.

Portanto, ensinando o dogma da pluralidade das existências corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que teve origem nas primeiras idades do mundo e que se conservou no íntimo de muitas pessoas, até aos nossos dias. Simplesmente, eles a apresentam de um ponto de vista mais racional, mais acorde com as leis progressivas da Natureza e mais de conformidade com a sabedoria do Criador, despindo-a de todos os acessórios da superstição. Circunstância digna de nota é que não só neste livro os Espíritos a ensinaram no decurso dos últimos tempos: já antes da sua publicação, numerosas comunicações da mesma natureza se obtiveram em vários países, multiplicando-se depois, consideravelmente. Talvez fosse aqui o caso de examinarmos por que os Espíritos não parecem todos de acordo sobre esta questão. Mais tarde, porém, voltaremos a este assunto.

Examinemos de outro ponto de vista a matéria e, abstraindo de qualquer intervenção dos Espíritos, deixemo-los de lado, por enquanto. Suponhamos que esta teoria nada tenha que ver com eles; suponhamos mesmo que jamais se haja cogitado de Espíritos. Coloquemo-nos, momentaneamente, num terreno neutro, admitindo o mesmo grau de probabilidade para ambas as hipóteses, isto é, a da pluralidade e a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos para que lado a razão e o nosso próprio interesse nos farão pender.

Muitos repelem a ideia da reencarnação pelo só motivo de ela não lhes convir. Dizem que uma existência já lhes chega de sobra e que, portanto, não desejariam recomeçar outra semelhante. De alguns sabemos que saltam em fúria só com o pensarem que tenham de voltar à Terra. Perguntar-lhes-emos apenas se imaginam que Deus lhes pediu o parecer, ou consultou os gostos, para regular o Universo. Uma de duas: ou a reencarnação existe, ou não existe; se existe, nada importa que os contrarie; terão que a sofrer, sem que para isso lhes peça Deus permissão. Afiguram-se-nos os que assim falam um doente a dizer: Sofri hoje bastante, não quero sofrer mais amanhã. Qualquer que seja o seu mau humor, não terá por isso que sofrer menos no dia seguinte, nem nos que se sucederem, até que se ache curado. Conseguintemente, se os que de tal maneira se externam tiverem que viver de novo, corporalmente, tornarão a viver, reencarnarão. Nada lhes adiantará rebelarem-se, quais crianças que não querem ir para o colégio, ou condenados, para a prisão. Passarão pelo que têm de passar. São demasiado pueris semelhantes objeções, para merecerem mais seriamente examinadas. Diremos, todavia, aos que as formulam que se tranquilizem, que a Doutrina Espírita, no tocante à reencarnação, não é tão terrível como a julgam; que, se a houvessem estudado a fundo, não se mostrariam tão aterrorizados; saberiam que deles dependem as condições da nova existência, que será feliz ou desgraçada, conforme ao que tiverem feito neste mundo; que desde agora poderão elevar-se tão alto que a recaída no lodaçal não lhes seja mais de temer.

Supomos dirigir-nos a pessoas que acreditam num futuro depois da morte e não aos que criam para si a perspectiva do nada, ou pretendem que suas almas se vão afogar num todo universal, onde perdem a individualidade, como os pingos da chuva no oceano, o que vem a dar quase no mesmo. Ora, pois: se credes num futuro qualquer, certo não admitis que ele seja idêntico para todos, porquanto, de outro modo, qual a utilidade do bem? Por que haveria o homem de constranger-se? Por que deixaria de satisfazer a todas as suas paixões, a todos os seus desejos, embora à custa de outrem, uma vez que por isso não ficaria sendo melhor, nem pior? Credes, ao contrário, que esse futuro será mais ou menos ditoso ou inditoso, conforme ao que houverdes feito durante a vida e então desejais que seja tão afortunado quanto possível, visto que há de durar pela eternidade, não? Mas, porventura, teríeis a pretensão de ser dos homens mais perfeitos que hajam existido na Terra e, pois, com direito a alcançardes de um salto a suprema felicidade dos eleitos? Não. Admitis então que há homens de valor maior do que o vosso e com direito a um lugar melhor, sem daí resultar que vos conteis entre os réprobos. Pois bem! Colocai-vos mentalmente, por um instante, nessa situação intermédia, que será a vossa, como acabastes de reconhecer, e imaginar que alguém vos venha dizer: Sofreis; não sois tão felizes quanto poderíeis ser, ao passo que diante de vós estão seres que gozam de completa ventura. Quereis mudar na deles a vossa posição? — Certamente, respondereis; que devemos fazer? — Quase nada: recomeçar o trabalho mal executado e executá-lo melhor. — Hesitaríeis em aceitar, ainda que a poder de muitas existências de provações? Façamos outra comparação mais prosaica. Figuremos que a um homem que, sem ter chegado à miséria extrema, sofre, no entanto, privações, por escassez de recursos, viessem dizer: Aqui está uma riqueza imensa de que podes gozar; para isto só é necessário que trabalhes arduamente durante um minuto. Fosse ele o mais preguiçoso da Terra, que sem hesitar diria: Trabalhemos um minuto, dois minutos, uma hora, um dia, se for preciso. Que importa isso, desde que me leve a acabar os meus dias na fartura? Ora, que é a duração da vida corpórea, em confronto com a eternidade? Menos que um minuto, menos que um segundo.

Temos visto algumas pessoas raciocinarem deste modo: Não é possível que Deus, soberanamente bom como é, imponha ao homem a obrigação de recomeçar uma série de misérias e tribulações. Acharão, porventura, essas pessoas que há mais bondade em condenar Deus o homem a sofrer perpetuamente, por motivo de alguns momentos de erro, do que em lhe facultar meios de reparar suas faltas? “Dois industriais contrataram dois operários, cada um dos quais podia aspirar a se tornar sócio do respectivo patrão. Aconteceu que esses dois operários certa vez empregaram muito mal o seu dia, merecendo ambos ser despedidos. Um dos industriais, não obstante as súplicas do seu, o mandou embora e o pobre operário, não tendo achado mais trabalho, acabou por morrer na miséria. O outro disse ao seu: Perdeste um dia; deves-me por isso uma compensação. Executaste mal o teu trabalho; ficaste a me dever uma reparação. Consinto que o recomeces. Trata de executá-lo bem, que te conservarei ao meu serviço e poderás continuar aspirando à posição superior que te prometi.” Será preciso perguntemos qual dos industriais foi mais humano? Dar-se-á que Deus, que é a clemência mesma, seja mais inexorável do que um homem?

Alguma coisa de pungente há na ideia de que a nossa sorte fique para sempre decidida, por efeito de alguns anos de provações, ainda quando de nós não tenha dependido o atingirmos a perfeição, ao passo que eminentemente consoladora é a ideia oposta, que nos permite a esperança. Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra a pluralidade das existências, sem preferirmos uma hipótese a outra, declaramos que, se aos homens fosse dado escolher, ninguém quereria o julgamento sem apelação. Disse um filósofo que, se Deus não existisse, fora mister inventá-lo, para felicidade do gênero humano. Outro tanto se poderia dizer da pluralidade das existências. Mas, conforme atrás ponderamos, Deus não nos pede permissão, nem consulta os nossos gostos. Ou isto é, ou não é. Vejamos de que lado estão as probabilidades e encaremos de outro ponto de vista o assunto, unicamente como estudo filosófico, sempre abstraindo do ensino dos Espíritos. Se não há reencarnação, só há, evidentemente, uma existência corporal. Se a nossa atual existência corpórea é única, a alma de cada homem foi criada por ocasião do seu nascimento, a menos que se admita a anterioridade da alma, caso em que caberia perguntar o que era ela antes do nascimento e se o estado em que se achava não constituía uma existência sob forma qualquer. Não há meio termo: ou a alma existia, ou não existia antes do corpo. Se existia, qual a sua situação? Tinha, ou não, consciência de si mesma? Se não tinha, é quase como se não existisse. Se tinha individualidade, era progressiva, ou estacionária? Num e noutro caso, a que grau chegara ao tomar o corpo? Admitindo, de acordo com a crença vulgar, que a alma nasce com o corpo, ou, o que vem a ser o mesmo, que, antes de encarnar, só dispõe de faculdades negativas, perguntamos:

1º Por que mostra a alma aptidões tão diversas e independentes das ideias que a educação lhe fez adquirir?

2º Donde vem a aptidão extranormal que muitas crianças em tenra idade revelam, para esta ou aquela arte, para esta ou aquela ciência, enquanto outras se conservam inferiores ou medíocres durante a vida toda?

3º Donde, em uns, as ideias inatas ou intuitivas, que noutros não existem?

4º Donde, em certas crianças, o instinto precoce que revelam para os vícios ou para as virtudes, os sentimentos inatos de dignidade ou de baixeza, contrastando com o meio em que elas nasceram?

5º Por que, abstraindo-se da educação, uns homens são mais adiantados do que outros?

6º Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomardes de um menino hotentote recém-nascido e o educardes nos nossos melhores liceus, fareis dele algum dia um Laplace ou um Newton?

Qual a filosofia ou a teosofia capaz de resolver estes problemas? É fora de dúvida que, ou as almas são iguais ao nascerem, ou são desiguais. Se são iguais, por que, entre elas, tão grande diversidade de aptidões? Dir-se-á que isso depende do organismo. Mas, então, achamo-nos em presença da mais monstruosa e imoral das doutrinas. O homem seria simples máquina, joguete da matéria; deixaria de ter a responsabilidade de seus atos, pois que poderia atribuir tudo às suas imperfeições físicas. Se as almas são desiguais, é que Deus as criou assim. Nesse caso, porém, por que a inata superioridade concedida a algumas? Corresponderá essa parcialidade à justiça de Deus e ao amor que Ele consagra igualmente a todas as suas criaturas?

Admitamos, ao contrário, uma série de progressivas existências anteriores para cada alma e tudo se explica. Ao nascerem, trazem os homens a intuição do que aprenderam antes: São mais ou menos adiantados, conforme o número de existências que contem, conforme já estejam mais ou menos afastados do ponto de partida. Dá-se aí exatamente o que se observa numa reunião de indivíduos de todas as idades, onde cada um terá desenvolvimento proporcionado ao número de anos que tenha vivido. As existências sucessivas serão, para a vida da alma, o que os anos são para a do corpo. Reuni, em certo dia, um milheiro de indivíduos de um a oitenta anos; suponde que um véu encubra todos os dias precedentes ao em que os reunistes e que, em consequência, acreditais que todos nasceram na mesma ocasião. Perguntareis naturalmente como é que uns são grandes e outros pequenos, uns velhos e jovens outros, instruídos uns, outros ainda ignorantes. Se, porém, dissipando-se a nuvem que lhes oculta o passado, vierdes a saber que todos hão vivido mais ou menos tempo, tudo se vos tornará explicado. Deus, em sua justiça, não pode ter criado almas desigualmente perfeitas. Com a pluralidade das existências, a desigualdade que notamos nada mais apresenta em oposição à mais rigorosa equidade: é que apenas vemos o presente e não o passado. A este raciocínio serve de base algum sistema, alguma suposição gratuita? Não.

Partimos de um fato patente, incontestável: a desigualdade das aptidões e do desenvolvimento intelectual e moral e verificamos que nenhuma das teorias correntes o explica, ao passo que uma outra teoria lhe dá explicação simples, natural e lógica. Será racional preferir-se as que não explicam àquela que explica?

À vista da sexta interrogação acima, dirão naturalmente que o hotentote é de raça inferior. Perguntaremos, então, se o hotentote é ou não um homem. Se é, por que a ele e à sua raça privou Deus dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se não é, por que tentar fazê-lo cristão? A Doutrina Espírita tem mais amplitude do que tudo isto. Segundo ela, não há muitas espécies de homens, há tão-somente homens cujos espíritos estão mais ou menos atrasados, porém todos suscetíveis de progredir. Não é este princípio mais conforme à justiça de Deus?

Vimos de apreciar a alma com relação ao seu passado e ao seu presente. Se a considerarmos, tendo em vista o seu futuro, esbarraremos nas mesmas dificuldades.

1ª Se a nossa existência atual é que, só ela, decidirá da nossa sorte vindoura, quais, na vida futura, as posições respectivas do selvagem e do homem civilizado? Estarão no mesmo nível, ou se acharão distanciados um do outro, no tocante à soma de felicidade eterna que lhes caiba?

2ª O homem que trabalhou toda a sua vida por melhorar-se, virá a ocupar a mesma categoria de outro que se conservou em grau inferior de adiantamento, não por culpa sua, mas porque não teve tempo, nem possibilidade de se tornar melhor?

3ª O que praticou o mal, por não ter podido instruir--se, será culpado de um estado de coisas cuja existência em nada dependeu dele?

4ª Trabalha-se continuamente por esclarecer, moralizar, civilizar os homens. Mas, em contraposição a um que fica esclarecido, milhões de outros morrem todos os dias antes que a luz lhes tenha chegado. Qual a sorte destes últimos? Serão tratados como réprobos? No caso contrário, que fizeram para ocupar categoria idêntica à dos outros?

5ª Que sorte aguarda os que morrem na infância, quando ainda não puderam fazer nem o bem, nem o mal? Se vão para o meio dos eleitos, por que esse favor, sem que coisa alguma hajam feito para merecê-lo? Em virtude de que privilégio eles se veem isentos das tribulações da vida?

Haverá alguma doutrina capaz de resolver esses problemas? Admitam-se as existências consecutivas e tudo se explicará conformemente à justiça de Deus. O que se não pôde fazer numa existência faz-se em outra. Assim é que ninguém escapa à lei do progresso, que cada um será recompensado segundo o seu merecimento real e que ninguém fica excluído da felicidade suprema, a que todos podem aspirar, quaisquer que sejam os obstáculos com que topem no caminho.

Essas questões facilmente se multiplicariam ao infinito, porquanto inúmeros são os problemas psicológicos e morais que só na pluralidade das existências encontram solução. Limitamo-nos a formular as de ordem mais geral. Como quer que seja, alegar-se-á talvez que a Igreja não admite a doutrina da reencarnação; que ela subverteria a religião. Não temos o intuito de tratar dessa questão neste momento. Basta-nos o havermos demonstrado que aquela doutrina é eminentemente moral e racional. Ora, o que é moral e racional não pode estar em oposição a uma religião que proclama ser Deus a bondade e a razão por excelência. Que teria sido da religião, se, contra a opinião universal e o testemunho da ciência, se houvesse obstinadamente recusado a render-se à evidência e expulsado de seu seio todos os que não acreditassem no movimento do Sol ou nos seis dias da criação? Que crédito houvera merecido e que autoridade teria tido, entre povos cultos, uma religião fundada em erros manifestos e que os impusesse como artigos de fé? Logo que a evidência se patenteou, a Igreja, criteriosamente, se colocou do lado da evidência. Uma vez provado que certas coisas existentes seriam impossíveis sem a reencarnação, que, a não ser por esse meio, não se consegue explicar alguns pontos do dogma, cumpre admiti-lo e reconhecer meramente aparente o antagonismo entre esta doutrina e a dogmática. Mais adiante mostraremos que talvez seja muito menor do que se pensa a distância que, da doutrina das vidas sucessivas, separa a religião e que a esta não faria aquela doutrina maior mal do que lhe fizeram as descobertas do movimento da Terra e dos períodos geológicos, as quais, à primeira vista, pareceram desmentir os textos sagrados. Demais, o princípio da reencarnação ressalta de muitas passagens das Escrituras, achando-se especialmente formulado, de modo explícito, no Evangelho:

“Quando desciam da montanha (depois da transfiguração), Jesus lhes fez esta recomendação: Não faleis a ninguém do que acabastes de ver, até que o Filho do homem tenha ressuscitado, dentre os mortos. Perguntaram-lhe então seus discípulos: Por que dizem os escribas ser preciso que primeiro venha Elias? Respondeu-lhes Jesus: É certo que Elias há de vir e que restabelecerá todas as coisas. Mas, eu vos declaro que Elias já veio, e eles não o conheceram e o fizeram sofrer como entenderam. Do mesmo modo darão a morte ao Filho do homem. Compreenderam então seus discípulos que era de João Batista que ele lhes falava.” (São Mateus, cap. 17)

Pois que João Batista fora Elias, houve reencarnação do Espírito ou da alma de Elias no corpo de João Batista.

Em suma, como quer que opinemos acerca da reencarnação, quer a aceitemos, quer não, isso não constituirá motivo para que deixemos de sofrê-la, desde que ela exista, malgrado a todas as crenças em contrário. O essencial está em que o ensino dos Espíritos é eminentemente cristão; apoia-se na imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, na justiça de Deus, no livre-arbítrio do homem, na moral do Cristo. Logo, não é antirreligioso.

Temos raciocinado, abstraindo, como dissemos, de qualquer ensinamento espírita que, para certas pessoas, carece de autoridade. Não é somente porque veio dos Espíritos que nós e tantos outros nos fizemos adeptos da pluralidade das existências. É porque essa doutrina nos pareceu a mais lógica e porque só ela resolve questões até então insolúveis.

Ainda quando fosse da autoria de um simples mortal, tê-la-íamos igualmente adotado e não houvéramos hesitado um segundo mais em renunciar às ideias que esposávamos.

Em sendo demonstrado o erro, muito mais que perder do que ganhar tem o amor-próprio, com o se obstinar na sustentação de uma ideia falsa. Assim também, tê-la-íamos repelido, mesmo que provindo dos Espíritos, se nos parecera contrária à razão, como repelimos muitas outras, pois sabemos, por experiência, que não se deve aceitar cegamente tudo o que venha deles, da mesma forma que se não deve adotar às cegas tudo o que proceda dos homens. O melhor título que, ao nosso ver, recomenda a ideia da reencarnação é o de ser, antes de tudo, lógica. Outro, no entanto, ela apresenta: o de a confirmarem os fatos, fatos positivos e por bem dizer, materiais, que um estudo atento e criterioso revela a quem se dê ao trabalho de observar com paciência e perseverança e diante dos quais não há mais lugar para a dúvida. Quando esses fatos se houverem vulgarizado, como os da formação e do movimento da Terra, forçoso será que todos se rendam à evidência e os que se lhes colocaram em oposição ver-se-ão constrangidos a desdizer-se. Reconheçamos, portanto, em resumo, que só a doutrina da pluralidade das existências explica o que, sem ela, se mantém inexplicável; que é altamente consoladora e conforme à mais rigorosa justiça; que constitui para o homem a âncora de salvação que Deus, por misericórdia, lhe concedeu. As próprias palavras de Jesus não permitem dúvida a tal respeito. Eis o que se lê no Evangelho de São João, capítulo 3:

3. Respondendo a Nicodemos, disse Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se um homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus.

4. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer já estando velho? Pode tornar ao ventre de sua mãe para nascer segunda vez?

5. Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se um homem não renascer da água e do Espírito, não poderá entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te admires de que eu te tenha dito: é necessário que torneis a nascer. (Ver, adiante, o parágrafo “Ressurreição da carne”, nº 1010.)

Tradução: Dr. Guillon Ribeiro - Publicação: FEB-Federação Espírita Brasileira