segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Emancipação da Mulher

A propósito da emancipação da mulher, o que era assunto em efervescência nos meados do século XIX, principalmente nos Estados Unidos da América, nas suas casas legislativas, em virtude das propostas de alteração das leis que excluíam a mulher da participação legal nas atividades políticas e cargos de decisão públicos e privados, notamos registro de Allan Kardec, na revista espírita de junho de 1867, que antecipa em mais de um século os resultados desse movimento iniciante. Os fragmentos que anotaremos adiante mostram o quanto o codificador da Doutrina Espírita era capaz de antever as consequências dos processos evolutivos da sociedade humana, comprovando que estava muito além de seu tempo.
Dorival da Silva
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“ (...).
Mas da igualdade dos direitos seria abusivo concluir pela igualdade de atribuições. Deus dotou cada ser de um organismo apropriado ao papel que deve desempenhar na natureza. O da mulher é traçado por sua organização, e não é o menos importante. Há, pois, atribuições bem caracterizadas, conferidas a cada sexo pela própria Natureza, e essas atribuições implicam deveres especiais que os sexos não poderiam cumprir eficazmente saindo de seu papel. Há uns em cada sexo, como de um sexo a outro; a constituição física determina aptidões especiais; seja qual for sua constituição, todos os homens certamente têm os mesmos direitos, mas é evidente, por exemplo, que aquele que não está organizado para o canto não poderia tornar-se cantor. Ninguém lhe pode tirar o direito de cantar, mas esse direito é incapaz de lhe dar as qualidades que lhe faltam. Se, pois, a Natureza deu à mulher músculos mais fracos do que ao homem, é que ela não foi chamada aos mesmos exercícios; se sua voz tem outro timbre, é que não está destinada a produzir as mesmas impressões.


Ora, é para temer, e é o que ocorrerá, que na febre de emancipação que a atormenta, a mulher se julgue apta a preencher todas as atribuições do homem e que, caindo num excesso contrário, depois de ter tido muito pouco, queira ter em demasia. Tal resultado é inevitável, mas absolutamente não é para assustar. Se as mulheres têm direitos incontestáveis, a Natureza tem os seus, que jamais perde. Em breve elas se cansarão dos papéis que não são os seus. Deixai-as, pois, que reconheçam pela experiência sua insuficiência nas coisas às quais a Providência não as requisitou; ensaios infrutíferos as reconduzirão forçosamente ao caminho que lhes é traçado, caminho que pode e deve ser ampliado, mas que não pode ser desviado sem prejuízo para elas próprias, abalando a influência toda especial que elas devem exercer. Reconhecerão que só terão a perder na troca, porque a mulher de atitudes muito viris jamais terá a graça e o encanto que constituem a força daquela que sabe ficar mulher. Uma mulher que se faz homem abdica de sua verdadeira realeza; olham-na como um fenômeno.”
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Depois de (lido o artigo) acima na Sociedade de Paris, foi proposta aos Espíritos, como assunto de estudo, a seguinte questão: Que influência deve ter o Espiritismo sobre a condução da mulher?"
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Nota: Como todas as comunicações obtidas concluíssem no mesmo sentido, referir-nos-emos (Kardec) à seguinte, por ser a mais desenvolvida:


(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 – Médium: Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo – Dissertação verbal)


“Em todos os tempos os homens têm sido orgulhosos; é um vício constitucional, inerente à sua natureza. O homem – falo do sexo – o homem, forte pelo desenvolvimento de seus músculos, pelas concepções um tanto ousadas de seus pensamentos, não levou em conta a fraqueza a que se faz alusão nas santas Escrituras, fraqueza que fez a desgraça de toda a sua descendência. Julgou-se forte e serviu-se da mulher, não como de uma companheira, de uma família, mas dela se servindo do ponto de vista puramente bestial, transformando-a num animal bastante agradável e acostumando-a a manter respeitosa distância do senhor. Mas como Deus não quis que uma metade da Humanidade fosse dependente da outra, não fez duas criações distintas: uma para estar constantemente a serviço da outra. Quis que todas as suas criaturas pudessem participar do banquete da vida e do infinito na mesma proporção.


Nesses cérebros, por tanto tempo mantidos afastados de toda ciência como impróprios a receber os benefícios da instrução, Deus fez nascer, como contrapeso, astúcias que põem em xeque as forças do homem. A mulher é fraca, o homem é forte, concebe-se; mas a mulher é astuciosa e a ciência contra a astúcia nem sempre triunfa. Se fosse a verdadeira ciência, ela a venceria; mas é uma ciência falsa e incompleta, e a mulher facilmente encontra o seu calcanhar de Aquiles. Provocada pela posição que lhe era dada, a mulher desenvolveu o germe que sentia em si; a necessidade de sair do seu aviltamento lhe deu o desejo de romper suas cadeias. Segui sua marcha; tomai-a desde a era cristã e observai-a: vê-la-eis cada vez mais dominante, mas ela não consumiu toda a sua força; conservou-a para tempos mais oportunos e aproxima-se a época em que chegará a sua vez de a exibir. Aliás, a geração que se ergue traz em seus flancos a mudança que nos é anunciada desde muito tempo, e a mulher atual quer ter, na sociedade, um lugar igual ao do homem.


Observai bem; olhai os interiores e vede quanto a mulher tende a liberar-se do jugo; ela reina como senhora, por vezes como déspota. Vós a tiveste vergada por muito tempo; ela se empertiga como uma mola comprimida que se distende, pois começa a compreender que é chegada a sua hora.


Pobres homens! Se refletísseis que os Espíritos não tem sexo; que aquele que hoje é homem pode ser mulher amanhã; que escolhem indiferentemente, e por vezes de preferência, o sexo feminino, antes deveríeis regozijar-vos que vos afligir com a emancipação da mulher, e admiti-la no banquete da inteligência, abrindo-lhe de par em par todas as portas da Ciência, porque ela tem concepções mais finas, mais suaves, toques mais delicados que os do homem. Por que a mulher não poderia ser médica? Muitas mulheres não têm dado provas de sua aptidão por certas ciências? da finura de seu tato nos negócios? Por que, então, os homens reservariam para si o monopólio, senão por medo de vê-las ganhar em superioridade? Sem falar das profissões especiais, a primeira profissão da mulher não é a de mãe de família? Ora, a mãe instruída é mais apta para dirigir a instrução e a educação de seus filhos; ao mesmo tempo que alimenta o corpo, pode desenvolver o coração e o espírito. Sendo a primeira infância necessariamente confiada aos cuidados da mulher, quando esta for instruída a regeneração social terá dado um passo imenso, e é o que será feito.


A igualdade do homem e da mulher teria ainda outro resultado. Ser senhor, ser forte, é muito bom; mas é, também, assumir grande responsabilidade. Partilhando o fardo dos negócios da família com uma companheira capaz, esclarecida, naturalmente devotada aos interesses comuns, o homem alivia a sua carga e diminui sua responsabilidade, ao passo que a mulher, estando sob tutela e, por isto mesmo, num estado de submissão forçada, não tem voto na matéria senão quando o homem houver por bem condescender em lho dar.


Diz-se que as mulheres são muito tagarelas e muito frívolas; mas de quem a falta, senão dos homens que não lhes permitem a reflexão? Dai-lhes o alimento do espírito, e elas falarão menos; meditarão e refletirão. Acusai-as de frivolidade? Mas o que é que elas têm a fazer? – falo sobretudo da mulher do mundo – nada absolutamente nada. Em que ela pode ocupar-se? Se reflete e transcreve seus pensamentos, tratam-na ironicamente de mulher pedante. Se cultiva a ciência ou as artes, seus trabalhos não são levados em consideração, salvo raríssimas exceções e, contudo, como o homem, ela precisa de emulação. Lisonjear um artista é dar-lhe tom e coragem; mas, para a mulher, isto realmente não vale a pena! Então lhes resta o domínio da frivolidade, no qual elas podem estimular-se entre si.
Que o homem destrua as barreiras que seu amor-próprio opõe à emancipação da mulher e logo a verá alçar o seu voo, com grande vantagem para a sociedade. Ficai sabendo que a mulher, como todos vós, tem a centelha divina, porque a mulher é vós, como vós sois a mulher.”

Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos – Junho de 1867, com o título: Emancipação das Mulheres nos Estados Unidos.