quinta-feira, 11 de abril de 2013

Os tempos são chegados - 4/5

Os tempos são chegados (parte 4)


A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas não haverá fraternidade real, sólida e efetiva se não for apoiada em base inabalável; esta base inabalável; esta base é a fé; não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e se atiram pedras, porque, anatematizando-se, entretêm o antagonismo; mas a fé nos princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convictos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não Dele, olhar-se-ão como filhos de um mesmo pai e se darão as mãos. É esta fé que dá o Espiritismo e que, de agora em diante, será o pivô sobre o qual se moverá o gênero humano, sejam, quais forem sua maneira de adotar e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas das quais não deve se ocupar. Somente desta fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres; sem ela, o direto é o que é dado pela força; o dever, um código humano imposto pela violência. Sem ela que é o homem? um pouco de matéria que se dissolve, um ser efêmero que apenas passa; o próprio gênio não é senão uma centelha que brilha um instante, para extinguir-se para sempre; por certo não há nisto muito para o erguer aos seus próprios olhos. Com tal pensamento, onde estão, realmente, os direitos e os deveres? Qual o objetivo do progresso? Somente esta fé faz o homem sentir sua dignidade pela perpetuidade e pela progressão de seu ser, não num futuro mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandioso e esplêndido; seu pensamento o eleva acima da Terra; sente-se crescer, pensando que tem seu papel no Universo, e que esse Universo é o seu domínio, que um dia poderá percorrer, e que a morte não fará dele uma nulidade, ou um ser inútil a si mesmo e aos outros. 


O progresso intelectual realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas, apenas ele, é importante para regenerar. Enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em benefício de suas paixões e de seus interesses pessoais, razão por que os aplica no aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e de se destruírem mutuamente. Só o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens na Terra, pondo um freio nas más paixões; somente ele pode fazer reinarem a concórdia, a paz, a fraternidade. É ele que derrubará a barreira dos povos, que fará caírem os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas, ensinando os homens a se olharem como irmãos, chamados a se ajudarem mutuamente, e não a viverem uns à custa dos outros. É ainda o progresso moral, aqui secundado pelo progresso da Inteligência, que confundirá os homens numa mesma crença, estabelecida sobre verdades eternas, não sujeita à discussão e, por isto mesmo, por todos aceitas. A unidade de crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, em todos os tempos quebrada pelos antagonismos religiosos, que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo inimigos que é preciso fugir, combater, exterminar, em vez de irmãos que devem ser amados.


Tal estado de coisas supõe uma mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que não poderia realizar-se senão saindo do círculo das ideias estreitas e terra-a-terra, que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade nessa via; mas, ainda muito jovem, a Humanidade ficou surda, e seus ensinamentos foram como a boa semente caída sobre a pedra. Hoje ela está madura para lançar suas vistas mais alto do que o fez, a fim de assimilar ideias mais largas e compreender o que não havia compreendido. A geração que desaparece levará consigo os seus preconceitos e os seus erros; a geração que surge, temperada numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais justas, imprimirá ao mundo o movimento ascensional, no sentido do progresso moral, que deve marcar a nova fase da Humanidade. Esta fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, pelas ideias grandes e generosas que vêm à tona e que começam a encontrar eco. É assim que se vê fundar-se uma porção de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e pela iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais diariamente se impregnam de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se enfraquecem, os povos começam a olhar-se como membros de uma grande família; pela uniformidade e facilidade dos meios de transação, suprimem as barreiras que os dividem de todas as partes do mundo, reúnem-se em comícios universais para os torneios pacíficos da inteligência. Mas faltam a essas reformas uma base para se desenvolverem, para se completarem e se consolidarem, uma predisposição moral mais geral para frutificarem e se fazerem aceitas pelas massas. Isto não é menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que se realizará em mais vasta escala, à medida que o terreno se tornar mais propício.


Um sinal não menos característico do período em que entramos, é a reação evidente que se opera o sentido das ideias espiritualistas, uma repulsa instintiva contra as ideias materialistas. Cujos representantes se tornam menos numerosos ou menos absolutos. O espírito de incredulidade que se havia apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas, e as tinha feito repelir, com a forma, o próprio fundo de toda crença, parece ter sido um sono, ao sair do qual se experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde se fez o vazio procurar-se algo, um ponto de apoio, uma esperança.

Allan Kardec - Revista Espírita - outubro de 1866