segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Emancipação da Mulher

A propósito da emancipação da mulher, o que era assunto em efervescência nos meados do século XIX, principalmente nos Estados Unidos da América, nas suas casas legislativas, em virtude das propostas de alteração das leis que excluíam a mulher da participação legal nas atividades políticas e cargos de decisão públicos e privados, notamos registro de Allan Kardec, na revista espírita de junho de 1867, que antecipa em mais de um século os resultados desse movimento iniciante. Os fragmentos que anotaremos adiante mostram o quanto o codificador da Doutrina Espírita era capaz de antever as consequências dos processos evolutivos da sociedade humana, comprovando que estava muito além de seu tempo.
Dorival da Silva
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“ (...).
Mas da igualdade dos direitos seria abusivo concluir pela igualdade de atribuições. Deus dotou cada ser de um organismo apropriado ao papel que deve desempenhar na natureza. O da mulher é traçado por sua organização, e não é o menos importante. Há, pois, atribuições bem caracterizadas, conferidas a cada sexo pela própria Natureza, e essas atribuições implicam deveres especiais que os sexos não poderiam cumprir eficazmente saindo de seu papel. Há uns em cada sexo, como de um sexo a outro; a constituição física determina aptidões especiais; seja qual for sua constituição, todos os homens certamente têm os mesmos direitos, mas é evidente, por exemplo, que aquele que não está organizado para o canto não poderia tornar-se cantor. Ninguém lhe pode tirar o direito de cantar, mas esse direito é incapaz de lhe dar as qualidades que lhe faltam. Se, pois, a Natureza deu à mulher músculos mais fracos do que ao homem, é que ela não foi chamada aos mesmos exercícios; se sua voz tem outro timbre, é que não está destinada a produzir as mesmas impressões.


Ora, é para temer, e é o que ocorrerá, que na febre de emancipação que a atormenta, a mulher se julgue apta a preencher todas as atribuições do homem e que, caindo num excesso contrário, depois de ter tido muito pouco, queira ter em demasia. Tal resultado é inevitável, mas absolutamente não é para assustar. Se as mulheres têm direitos incontestáveis, a Natureza tem os seus, que jamais perde. Em breve elas se cansarão dos papéis que não são os seus. Deixai-as, pois, que reconheçam pela experiência sua insuficiência nas coisas às quais a Providência não as requisitou; ensaios infrutíferos as reconduzirão forçosamente ao caminho que lhes é traçado, caminho que pode e deve ser ampliado, mas que não pode ser desviado sem prejuízo para elas próprias, abalando a influência toda especial que elas devem exercer. Reconhecerão que só terão a perder na troca, porque a mulher de atitudes muito viris jamais terá a graça e o encanto que constituem a força daquela que sabe ficar mulher. Uma mulher que se faz homem abdica de sua verdadeira realeza; olham-na como um fenômeno.”
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Depois de (lido o artigo) acima na Sociedade de Paris, foi proposta aos Espíritos, como assunto de estudo, a seguinte questão: Que influência deve ter o Espiritismo sobre a condução da mulher?"
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Nota: Como todas as comunicações obtidas concluíssem no mesmo sentido, referir-nos-emos (Kardec) à seguinte, por ser a mais desenvolvida:


(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 – Médium: Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo – Dissertação verbal)


“Em todos os tempos os homens têm sido orgulhosos; é um vício constitucional, inerente à sua natureza. O homem – falo do sexo – o homem, forte pelo desenvolvimento de seus músculos, pelas concepções um tanto ousadas de seus pensamentos, não levou em conta a fraqueza a que se faz alusão nas santas Escrituras, fraqueza que fez a desgraça de toda a sua descendência. Julgou-se forte e serviu-se da mulher, não como de uma companheira, de uma família, mas dela se servindo do ponto de vista puramente bestial, transformando-a num animal bastante agradável e acostumando-a a manter respeitosa distância do senhor. Mas como Deus não quis que uma metade da Humanidade fosse dependente da outra, não fez duas criações distintas: uma para estar constantemente a serviço da outra. Quis que todas as suas criaturas pudessem participar do banquete da vida e do infinito na mesma proporção.


Nesses cérebros, por tanto tempo mantidos afastados de toda ciência como impróprios a receber os benefícios da instrução, Deus fez nascer, como contrapeso, astúcias que põem em xeque as forças do homem. A mulher é fraca, o homem é forte, concebe-se; mas a mulher é astuciosa e a ciência contra a astúcia nem sempre triunfa. Se fosse a verdadeira ciência, ela a venceria; mas é uma ciência falsa e incompleta, e a mulher facilmente encontra o seu calcanhar de Aquiles. Provocada pela posição que lhe era dada, a mulher desenvolveu o germe que sentia em si; a necessidade de sair do seu aviltamento lhe deu o desejo de romper suas cadeias. Segui sua marcha; tomai-a desde a era cristã e observai-a: vê-la-eis cada vez mais dominante, mas ela não consumiu toda a sua força; conservou-a para tempos mais oportunos e aproxima-se a época em que chegará a sua vez de a exibir. Aliás, a geração que se ergue traz em seus flancos a mudança que nos é anunciada desde muito tempo, e a mulher atual quer ter, na sociedade, um lugar igual ao do homem.


Observai bem; olhai os interiores e vede quanto a mulher tende a liberar-se do jugo; ela reina como senhora, por vezes como déspota. Vós a tiveste vergada por muito tempo; ela se empertiga como uma mola comprimida que se distende, pois começa a compreender que é chegada a sua hora.


Pobres homens! Se refletísseis que os Espíritos não tem sexo; que aquele que hoje é homem pode ser mulher amanhã; que escolhem indiferentemente, e por vezes de preferência, o sexo feminino, antes deveríeis regozijar-vos que vos afligir com a emancipação da mulher, e admiti-la no banquete da inteligência, abrindo-lhe de par em par todas as portas da Ciência, porque ela tem concepções mais finas, mais suaves, toques mais delicados que os do homem. Por que a mulher não poderia ser médica? Muitas mulheres não têm dado provas de sua aptidão por certas ciências? da finura de seu tato nos negócios? Por que, então, os homens reservariam para si o monopólio, senão por medo de vê-las ganhar em superioridade? Sem falar das profissões especiais, a primeira profissão da mulher não é a de mãe de família? Ora, a mãe instruída é mais apta para dirigir a instrução e a educação de seus filhos; ao mesmo tempo que alimenta o corpo, pode desenvolver o coração e o espírito. Sendo a primeira infância necessariamente confiada aos cuidados da mulher, quando esta for instruída a regeneração social terá dado um passo imenso, e é o que será feito.


A igualdade do homem e da mulher teria ainda outro resultado. Ser senhor, ser forte, é muito bom; mas é, também, assumir grande responsabilidade. Partilhando o fardo dos negócios da família com uma companheira capaz, esclarecida, naturalmente devotada aos interesses comuns, o homem alivia a sua carga e diminui sua responsabilidade, ao passo que a mulher, estando sob tutela e, por isto mesmo, num estado de submissão forçada, não tem voto na matéria senão quando o homem houver por bem condescender em lho dar.


Diz-se que as mulheres são muito tagarelas e muito frívolas; mas de quem a falta, senão dos homens que não lhes permitem a reflexão? Dai-lhes o alimento do espírito, e elas falarão menos; meditarão e refletirão. Acusai-as de frivolidade? Mas o que é que elas têm a fazer? – falo sobretudo da mulher do mundo – nada absolutamente nada. Em que ela pode ocupar-se? Se reflete e transcreve seus pensamentos, tratam-na ironicamente de mulher pedante. Se cultiva a ciência ou as artes, seus trabalhos não são levados em consideração, salvo raríssimas exceções e, contudo, como o homem, ela precisa de emulação. Lisonjear um artista é dar-lhe tom e coragem; mas, para a mulher, isto realmente não vale a pena! Então lhes resta o domínio da frivolidade, no qual elas podem estimular-se entre si.
Que o homem destrua as barreiras que seu amor-próprio opõe à emancipação da mulher e logo a verá alçar o seu voo, com grande vantagem para a sociedade. Ficai sabendo que a mulher, como todos vós, tem a centelha divina, porque a mulher é vós, como vós sois a mulher.”

Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos – Junho de 1867, com o título: Emancipação das Mulheres nos Estados Unidos.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ESPÍRITAS E ESPIROLAS

Por Joana Abranches

Já faz algum tempo, uma antiga vizinha sem papas na língua, me vendo sempre às voltas com atividades na Casa Espírita, um dia não resistiu e em meio a uma conversa acabou "soltando" que eu era "muito carola!" Levando a coisa na farra, tentei argumentar: - "Mas eu sou espírita e não católica..." Ela aí não titubeou: - "Então é espirola."

O pitoresco virou piada, mas trouxe à tona uma séria questão. Até onde nós, espíritas, estaremos descambando para o igrejismo e a superficialidade?

Temos visto Grupos tão obsecados com assiduidade e pontualidade, tão cheios de regras, critérios, exigências e uma intolerância tal, que mais parecem a velha e inquisitorial igreja romana da idade média que oficinas fraternas de estudo e vivência do Evangelho de Jesus.

Onde foi que perdemos o rumo da fraternidade? Que paramentos invisíveis ainda nos fazem oscilar entre a pseudo-superioridade dos sacerdotes e a submissão dos beatos?

Em um dos costumeiros papos fraternos com meu saudoso amigo Palhano Jr., uma vez questionei: - Por que será que os espíritas se digladiam tanto por cargos, até mesmo naqueles grupos minúsculos que ficam lá onde Judas perdeu as botas?... Bem-humorado, como sempre, ele me respondeu com uma risadinha marota: - "A briga é pelo poder sobre as almas, minha cara. Muitos espíritas ainda se alimentam da autoridade clerical que tinham, quando nas fileiras do catolicismo. O poder vicia."

Para esse autoritarismo rançoso, o que não faltam são defesas equivocadas. Afinal, Emmanuel recomendou: "Disciplina, disciplina, disciplina." Foi o bastante para que instruções superiores, aplicadas a um contexto específico, se tornassem o jargão justificador da inflexibilidade fria que campeia em nosso meio e que vêm transformando nossas instituições - destinadas a ser escolas do amor - em verdadeiros quartéis de controle e enquadramento. E quantos exageros em nome da disciplina...

Certa vez, uma palestrante habitualmente pontual, chegou à nossa reunião pública em cima da hora. Estava mortificada. Por mais que tentássemos deixá-la à vontade, repetia sem parar que "a espiritualidade tem horário a cumprir." Naquela noite o seu desempenho, obviamente, não foi dos melhores, porém, é perfeitamente compreensível a reação da companheira. Ocorre que se os dirigentes espirituais levam em conta que estamos na matéria, sujeitos a limitações e imprevistos comuns à vida terrena, os dirigentes encarnados, em grande maioria, não o fazem. Numa afirmação de poder, até mesmo inconsciente, sobretudo com relação aos médiuns, insistem em generalizar, e saem por aí a prodigalizar suspensões ou prescrições de inumeráveis passes e palestras doutrinárias, até que o faltoso ou atrasadinho, supostamente reequilibrado, mas no fundo, punido, possa então reconquistar a permissão de voltar às atividades... Haja penitência!

Façamos o dever de casa. No Livro dos Médiuns, cap.XXIX, top. 333, ao tratar das reuniões espíritas, o codificador é muito claro: "Se bem que os espíritos prefiram a regularidade, os verdadeiramente superiores não são meticulosos a este ponto. A exigência de uma pontualidade rigorosa é um sinal de inferioridade, como tudo o que é pueril."

É preocupante, também, a falta de naturalidade com que as pessoas têm se comportado no ambiente espírita. Observa-se uma despersonalização e um formalismo alarmantes, em lugar da camaradagem espontânea que deveria existir entre irmãos. Não raro, rir e brincar interreuniões parece ser, implícita ou explicitamente, proibido: - "Quebra a vibração." Cada vez mais, os cumprimentos espontâneos e afetivos têm dado lugar a frases feitas, piegas e que soam muito falso. Na fala, como na escrita, temos substituído expressões carinhosas e simples do cotidiano por uma linguagem impessoal, "santificada" e obsoleta, incompatível com os novos tempos. Ah, as palavras ensaiadas... Os gestos contidos... Ladainhas do passado, ainda tão presentes, a nos distrair de nós mesmos...

Nas Casas Espíritas, dirigentes preocupados apenas em dirigir e coordenadores tão somente concentrados em coordenar, esquecem o essencial: AMAR. Casas se agigantam e pessoas viram número, em ambientes tão impecáveis quanto frios. Alguém notou a tristeza daquele companheiro ou a ausência daquele outro? Ocupados em crescer, no quantitativo, ignoramos Kardec a recomendar grupos pequenos e o alerta do próprio Chico, que já dizia: - "Em Casa que muito cresce o amor desaparece."

Perdidos numa burocracia sem sentido, senhas e formulários vão aos poucos tomando o lugar do coração e transformando nossos atendimentos fraternos em patética mistura de clínica psicológica e confessionário, onde o indivíduo precisa seguir à risca as etapas cronometradas do tratamento para obter "alta" ou "absolvição." Assim, desorientados orientadores, em tom grave e superior, seguem dando receitas iguais para problemas diferentes. Alguém sofreu uma perda e busca notícias do ente querido desencarnado? Que vá "baixar" noutro Centro, porque nos mais ortodoxos ouvirá rispidamente que o telefone só toca "de lá pra cá" e fim. A alegação é que a mediunidade não está a serviço de problemas "domésticos" e sim de coisas mais sérias. Valei-me Chico Xavier! Quanta saudade da mediunidade a serviço do amor, do consolo aos desesperados de toda a sorte...

Nas reuniões públicas, companheiros carrancudos às portas das cabines de passe chamam com voz cavernosa: - Os próximos! E aquele que está indo pela primeira vez fica a imaginar que ritual terrível deve acontecer naquela salinha escura onde todos entram cabisbaixos, como bois para o matadouro. Diretores severos, após comoventes preces, olham por baixo dos óculos com olhar de censura para a mãe de alguma criança que chora, ou pedem que se retire. Médiuns coreografados sincronizam movimentos como se fossem clones uns dos outros. Qualquer semelhança com farisaísmo, lamentavelmente, não será mera coincidência?

Na Evangelização, criança que chega atrasada volta; Se falta muito é cortada, mesmo aquela que mais precisa da orientação e do pão. A mãe, senhora simplória assistida pelo Grupo e que muitas vezes sequer tem o dinheiro da passagem, ouve um duro sermão de alguém que ignora a sua difícil realidade. Normas são normas. Quem negligenciar a frequência dos filhos não tem direito à cesta básica. O tom é incisivo. Muitos dirão que é necessário usar estratégias para evangelizar "os nossos irmãos que mais precisam". Talvez tenham razão... Parece que só os espíritas já não precisam mais do Evangelho...

Navegantes desatentos às ciladas da superfície, não percebemos o risco de naufrágio iminente. Parecemos surdos à conclamação do Espírito de Verdade: - "Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento" - E indiferentes à terna advertência de José, Espírito Protetor, a nos lembrar que "a indulgência atrai, acalma, reergue, ao passo que o rigor desencoraja, afasta e irrita."Até quando continuaremos atraídos pelo canto da sereia?

Há que se ter humildade para repensar nossas práticas doutrinárias, reconhecer equívocos, resgatar a doutrina simples e libertária de Jesus. Há que se ter coragem para mudar, para substituir a frieza dogmática que tem nos engessado pela convivência fraterna, calorosa e solidária que nos identificará, de fato, como cristãos redivivos.

Espíritas ou "espirolas"... O que temos sido? O que realmente queremos ser? Cada um se perceba e se responda.

Ainda há tempo.

*Joana Abranches é Assistente Social, escritora e Presidente da Sociedade Espírita Amor Fraterno Vitória/ES -

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Benefícios do Conflito

“As reuniões espíritas oferecem grandíssimas vantagens, por permitirem que os que nelas tomam parte se esclareçam, mediante a permuta das ideias, pelas questões e observações que se façam, das quais todos aproveitam. Mas, para que produzam todos os frutos desejáveis, requerem condições especiais, que vamos examinar; porquanto erraria quem as comparasse às reuniões ordinárias.”


O Livro dos Médiuns – cap. XXIX – item 324



Feliz e inspirada recordação do Codificador. Comparar as reuniões espíritas a qualquer ajuntamento seria perder seu caráter educativo, seus frutos desejáveis. Com muita propriedade ele se refere às condições especiais, concitando-nos a pensar sobre os cuidados na condução dos grupos.


Uma situação amiúde conturbadora das reuniões, sejam elas de que natureza for, são os conflitos entre seus componentes. O entrechoque de ideias gera as escaramuças, depositárias de alta dosagem de sentimentos nem sempre ajustados ao bem e ao crescimento grupal. Estabelecem-se elas rotineiramente como expressão tácita das diferenças, conquanto nem sempre sejam os conflitos administrados com objetivos salutares, na arregimentação da concórdia e do proveito possíveis, a que tais atritos podem oferecer.


A análise de semelhante tema será significativa a fim de conduzir-nos a uma outra face dos conflitos, geralmente desprezada, e que deve caracterizar os círculos da convivência espírita. Consideremo-los como sintomas que denunciam os misteres de ajustes entre seus membros, sendo que, quase sempre, surgem em razão da deficiência de comunicação que cria barreiras e bloqueia a criatividade.


A comunicabilidade de uma equipe determina sua fluência e produtividade. Quando tratamos de comunicabilidade intragrupal, não damos ênfase à forma como são expressas as mensagens, mas, acima disso, aos sentidos de apreensão da mensagem, aos sentidos pessoais, individuais, a ela atribuídos. Raramente procura-se ouvir e ensejar participação verbal e operacional nos serviços de equipe, propiciando que se enraíze uma face oculta nos mesmos, desconhecida, subliminar, porém, altamente determinante sobre o processo de consolidação ou desestruturação do todo. O estudo dessa nuança será de grande relevância para a eficácia dos resultados e a superação dos empeços nas realizações levadas a efeito por composições de pessoas, seja para que fins se agrupem.

Condicionamentos milenares no egoísmo sedimentaram o conceito de oposição a tudo que se escape de identificarem harmonia com nossa ótica pessoal de vida. Quantos guardem entendimento diversificado são tomados como onipotentes ou adversários nas relações interpessoais. Dificilmente nutrimos a mesma admiração pelos que contrariem nossos pontos de análise ou pelos que demonstrem insatisfação com nossas ideias, com nossos sentidos empregados ao entendimento dos fatos e dos conhecimentos.


As vivências sociais na religião e na política durante longo tempo estimularam ainda mais o caráter de indisposição declarada para quem não “reza pela nossa cartilha”. Nasce então o sectarismo como forma violenta de “resolver” as contendas, excluindo os contendores.


Conciliado com essa conotação de “ser contra” associou-se o sentimento de “gostar menos”, e os conflitos passaram a ser interpretados como uma “arena” na qual têm que haver vitoriosos e derrotados. Esse enforque faz-nos perder o que mais precioso pode existir nos lances conflituosos: o aprendizado e a dilatação da criatividade na busca de soluções.


Por essa razão será imperativo que os dirigentes e as próprias equipes doutrinárias orientem-se sempre ao treino e ao desenvolvimento da inteligência emocional, em favor das condições especiais de uma vida relacional sadia e enobrecedora, procurando enfocar os embates como sinais e notas. Sinais que indicam rumos a serem seguidos e notas que avaliam nossas reações ante as provas da tribulação.


Será de bom alvitre o cultivo das habilidades que envolvem a “negociação” e a busca de soluções, da empatia, da liderança participativa. Quando agimos com disciplina emocional, recorrendo à assertividade, isto é, ao domínio sobre o cosmo emocional, os atritos são educativos e podem levar a profundas reciclagens. Isso porque, quase sempre, os embates da vida em grupo só ocorrem em razão dos processos conflitantes que carregamos conosco mesmos, optando por sentidos nem sempre harmonizados ao bom senso e consenso grupais, vindo a extravasar-se, circunstancialmente, como objetivos personalistas.


Ante semelhantes fatos, a atitude de “neutralidade” emocional e meditação serão indício de maturidade afetiva e reeducação dos sentimentos nas convivências tormentosas.


Os homens estiveram em desatinado conflito com Jesus, com suas ideias, com suas movimentações, embora Ele, pacífico e sereno, conduzia os provocantes a mergulharem em si mesmos e a descobrirem suas insatisfações, frustrações e as raízes de suas emoções perturbadoras, com as quais intentavam afetar o equilíbrio do Mestre.


Nos grupos doutrinários muitos asseveram a necessidade de unanimidade, determinando que amoráveis seriam as equipes sem problemas e que jamais tivessem de conflitar. Entretanto, oficialmente essa será a tônica de grupamentos sérios e autênticos. Paulo, o missionário de Tarso, fala-nos do “bom combate”, aquele que vale a pena ser deflagrado para a introspecção, a autoavaliação, o bom conflito.


Grupos sem conflitos não crescem tanto quanto poderiam e, porque não exista o desentendimento e os desacertos manifestados, nenhuma garantia há de que, intimamente, os componentes não estejam em “litígios”. Eis a importância da sinceridade fraterna, com pleno respeito pelas opiniões alheias, adotando lídima postura de alteridade ante os diferentes e as diferenças, buscando entender as razões subjetivas de cada componente para seu proceder, conhecendo-lhe com mais profundidade os dramas pessoais, sem o que ele será apenas mais um no aglomerado de pessoas. Essa é a tarefa que distingue um grupo que cria elos de afeto de uma reunião de criaturas que se ajuntam sem tecer a rede da fraternidade legítima.


Convenhamos que as tribulações surgem em razão das estruturas íntimas que carreamos para a vida de relações, chamando-nos algumas vezes a muita paciência e tolerância com o outro. Em verdade, a luta é toda nossa, pois ainda não conseguimos decretar a alforria desejada sobre muitas imperfeições, guardando expressivos limites na forma de interpretar as mensagens que compõem o nosso campo de ação doutrinário.


Assumamos em quaisquer circunstâncias de luta a diretriz do perdão, evitando magoar-se com as ações alheias em razão do incômodo que nos causem. Melhor perdoar a ter que carpir o arrependimento.


Ante as tribulações do conflito que não pudemos evitar, recolhamo-nos em atitude elevada, longe dos reflexos costumeiros das emoções conturbadas, e preparemo-nos para extrair suas lições.


Arrimemo-nos na oração nos instantes em que nos situarmos na zona dos conflitos, não perdendo os frutos do teste de abnegação e harmonia. Diluamos a angústia proveniente de semelhantes ocasiões fazendo um autoexame leal com a consciência, procedendo a uma decisão incomum e educativa que venha somar nos destinos das tarefas às quais somos colaboradores, adotando a postura de humildade e desculpa, distante do orgulho dos pontos de vista pessoais, ensejando que a brisa da concórdia possa roçar os nossos corações no entendimento e fraternidade.


Façamos assim e saberemos extrair o grande benefício do conflito que é a sua capacidade de abalar nossas certezas.


Só os invigilantes e autossuficientes têm certeza de tudo e não querem renunciar as suas verdades pessoais em busca de novos horizontes.


Habituando-nos paulatinamente a esse mister aprenderemos a arte sublime de debater com a vida e com todos, sem o exaurir desnecessário de forças interiores nos entrechoques da convivência, convertendo cada ocasião de conflito em convite à promoção pessoal, ainda que o outro não deseje o mesmo.

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Amigos queridos da direção de grupos.


Envidemos esforços pela renovação de conceitos em nossos conjuntos cooperadores.


Discordar com acerto é uma habilidade a ser cultivada na escola do centro espírita que ser-nos-á valoroso preventivo contra o dogmatismo e a perigosa monopolização cultural.


Temos observado que o melindre, essa doença de nossas mentes, tem sido álibi para que se evite dizer o que se pensa, excedendo-se em cuidados e proteção, suprimindo a sinceridade edificante que deveria constituir-se em uma das condições especiais prioritárias citadas pelo codificador em nosso trecho de análise.


Evidentemente, cuidar para verbalizar as críticas ou discordâncias é vigilância operante, contudo, evitar a verdade, a pretexto de prudência, é omissão conivente.


Nossos grupamentos precisam aprender a lidar com os momentos de aspereza ou alteração emocional com equilíbrio e resistência para que não se tornem “flores de estufa”, que ao primeiro golpe murcham em suas metas e desistem de seus ideais, acalentando profundas e doloridas mágoas.


Grupos que se amam verdadeiramente sabem dizer o que pensam, conflitar sem perder o amor uns pelos outros, conquanto isso custe ter que conviver com um “lado” que gostariam de já ter superado no campo das emoções.


Estejamos atentos com a santidade de superfície que tem dominado alguns conjuntos espíritas, que se desestruturam em fases de aferição. Decididamente, e sem receios, saibamos sondar a face oculta dos grupamentos doutrinários e oferecer condições aos demais para essa iniciativa, a fim de que ela não se transforme em sombra agradável para exploração obsessiva.


Os benefícios do conflito superado são muito extensos e fortalecedores, mas só serão possíveis se cuidarmos dessas condições especiais em fazer reinar entre os integrantes os valores do afeto, do estudo, da conversa franca, do tempo para conviver, da amizade respeitosa sem os excessos da intimidade, do trabalho operoso e do estudo libertador, primando pelo cultivo de laços genuinamente cristãos.


Sejam os dirigentes de equipes os primeiros a saberem externar com lucidez e ponderação os seus reclames, seus alertas, suas insatisfações, orientando aos demais como falar das emoções sem ter que extravasá-las em ações que geram mal-estar. Eis a habilidade da parcimônia, da conciliação, da contestação terna, que leva o grupamento a penetrar o sombrio mundo das insatisfações pessoais, escudados pela afabilidade e doçura reinantes, criando assim o bom conflito, doloroso, incômodo, porém, benéfico e promotor.


Ermance Dufaux


(Extraído do livro Laços de Afeto, 1ª ed., editora INEDE, pág. 160/164,
 psicografia do médium: Wanderley Soares de Oliveira)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

MOMENTOS DE TRANSIÇÃO


Vivemos momentos importantes de transição do Planeta Terra. É chegado o tempo de transição para a regeneração dos Espíritos vinculados ao sistema terreno, bem como a regeneração do próprio Planeta.

A situação contemporânea da Terra, que se encontra em intensa convulsão, não é resultado de agora, são as atividades do homem e também necessidades geológicas, vez que o Planeta continua em evolução.

A responsabilidade do homem é a do seu aprimoramento intelectual e moral, conquistando a ampliação do seu estado de consciência, pelos seus esforços, pela observação de suas próprias atitudes em relação a si mesmo, ao próximo e a Natureza, que o envolve, que o mantém, pois faz parte dela.

O desgaste do ambiente natural foi provocado pelo homem desde todos os tempos, sendo que se agravou nos tempos mais modernos, quando a ganância desenfreada acelerou a destruição, com grande desperdício de elementos naturais.

Deus criou a Natureza em favor da Criatura e o Planeta Terreno serve grandemente à evolução dos seus habitantes, visando suas experiências e seus progressos. Através das inúmeras reencarnações os Espíritos ganham um pouco mais de consciência e de responsabilidade diante da vida. Todos sabem que somos seres espirituais indestrutíveis e em crescimento constante.

Nestes dias de tormentas, onde se constatam grandes convulsões terrenas, que na verdade são reações aos grandes e constantes ataques desestabilizantes ao Planeta, que é um organismo composto pelos órgãos aéreo, marítimo, de superfície e subterrâneo, que reclama reequilíbrio, regeneração...

O Espírito evolui, o homem evolui, o Planeta evolui; o Espírito se refaz e se constrói, o homem cresce e se aperfeiçoa; o Planeta amadurece e se estabiliza, atende suas finalidades na ordem Divina. A rebeldia, a ganância, o egoísmo, desequilibram o Planeta, porque são emissões de vibrações deletérias, que sensibilizam e convulsionam as forças telúricas, tanto quanto as energias espirituais.

A responsabilidade cabe a cada um nas atitudes do dia-a-dia, nos seus pequenos afazeres, nas tratativas com as pessoas. A harmonia começa nas nossas menores atividades. O futuro não será construção amanhã, ele já começou há muito tempo, como nós, seres inteligentes, não somos construção de um instante, por vontade alheia, somos construção milenar, vivenciando as mais variadas possibilidades, sofrendo as consequências das nossas iniciativas e restabelecendo o que foi desarmonizado, assim ampliando nossa inteligência, nossa compreensão e a nossa consciência.

As convulsões terreais verificadas ultimamente fazem sucumbir populações inteiras e têm por finalidade estremecer as estruturas espirituais endurecidas, cristalizadas, refratárias dos povos de todos os Continentes. De forma geral, levam à reflexão sobre a necessidade do exercício da humildade, do respeito às pessoas e da suspensão imediata das atitudes egoístas individuais e coletivas. Todos nós estamos inseridos no mesmo organismo, que é o Planeta, e dele dependemos para a construção da nossa paz e  felicidade plenas. Não é possível que um estágio de vida harmonizado -- seja nas questões espirituais ou materiais -- exista sem consciência da responsabilidade socioambiental; todos dependemos de todos.

No futuro seremos nós mesmos que lá estaremos, com a construção que elaboraremos, a princípio na nossa própria intimidade, que se refletirá nas relações humanas, e encontraremos o Planeta e as populações que ajudarmos estabelecer. Tornaremos responsáveis por tudo àquilo que egoisticamente fizermos ou egoisticamente deixarmos de fazer. Pois, somente por deixarmos de fazer o bem já é um mal, como ensina a Doutrina Espírita.

Dorival da Silva

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Temperamento




        Christian Friedrich Samuel Hahnemann, nascido em 10 de abril de 1755, na Saxônia, um Estado alemão, foi o genial idealizador da Homeopatia, hoje reconhecida como especialidade médica em inúmeros países, inclusive no Brasil.

     Suas fórmulas dinamizadas atuam no perispírito, onde se origina a maior parte dos males humanos, conforme nos ensina a Doutrina Espírita.

       Hahnemann desencarnou em 2 de julho de 1843, aos 88 anos, após uma existência profícua, inteiramente devotada ao bem da Humanidade.

         Tão notável foi esse missionário da Medicina, que conquistou a honra de participar da Codificação da Doutrina Espírita, a partir das primeiras experiências de Kardec, em 1855, portanto apenas 12 anos após seu retorno à Espiritualidade.

          Em 1863, Hahnemann transmitiu, em Paris, breve e importante mensagem, inserida no capítulo IX, item 10, de O Evangelho segundo o Espiritismo (Ed. FEB), que transcrevo para apreciação do leitor:

        Segundo a ideia falsíssima de que lhe não é possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa vontade se compraz, ou que exigiriam muita perseverança para serem extirpados.

          É assim, por exemplo, que o indivíduo, propenso a encolerizar-se, quase sempre se desculpa com o seu temperamento. Em vez de se confessar culpado, lança a culpa ao seu organismo, acusando a Deus, dessa forma, de suas próprias faltas. É ainda uma consequência do orgulho que se encontra de permeio a todas as suas imperfeições.

         Indubitavelmente, temperamentos há que se prestam mais que outros a atos violentos, como há músculos mais flexíveis que se prestam melhor aos atos de força. Não acrediteis, porém, que aí resida a causa primordial da cólera e persuadi-vos de que um Espírito pacífico, ainda que num corpo bilioso, será sempre pacífico, e que um Espírito violento, mesmo num corpo linfático, não será brando, somente a violência tomará outro caráter. Não dispondo de um organismo próprio a lhe secundar a violência, a cólera tornar-se-á concentrada, enquanto no outro caso será expansiva. 

          O corpo não dá cólera àquele que não a tem, do mesmo modo que não dá os outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios são inerentes ao Espírito. A não ser assim, onde estariam o mérito e a responsabilidade? O homem deformado não pode tornar-se direito, porque o Espírito nisso não pode atuar; mas, pode modificar o que é do Espírito, quando o quer com vontade firme. Não vos mostra a experiência, a vós espíritas, até onde é capaz de ir o poder da vontade, pelas transformações verdadeiramente miraculosas que se operam sob as vossas vistas? Compenetrai-vos, pois, de que o homem não se conserva vicioso, senão porque quer permanecer vicioso; de que aquele que queira corrigir-se sempre o pode. De outro modo, não existiria para o homem a lei o progresso.

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             Hahnemann aborda uma questão vital: o temperamento, o conjunto dos traços psicológicos e morais que determinam a índole do indivíduo, o seu modo de ser.

            Por não aceitar a existência do Espírito – o ser pensante, que sobrevive à morte do corpo – as ciências médicas e psicológicas tendem a situar o temperamento comum fruto de condições orgânicas.

           A agressividade, a depressão, o suicídio, os transtornos mentais, os vícios, estariam relacionados com disposições neurocerebrais, como uma programação biológica a fluir nas iniciativas individuais.

            Até os deslizes extraconjugais entrariam nesse rol de calamidades atribuídas à Biologia. Segundo alguns cientistas, visando à perpetuação da espécie, nossos genes controlariam nossas ações, induzindo-nos ao adultério, visto que, quanto maior a promiscuidade, maior a possibilidade de gerar prole numerosa.

           Imagine, leitor amigo, a defesa para o adultério processado pela mulher que deseja o divórcio: -- Senhor juiz, não tenho culpa! São os genes que me atormentam! Induzem-me a prevaricar!

        No fundo tudo estaria relacionado com a genética, explicando até comportamentos anti-sociais, como roubo, assalto, assassinato, suicídio...

             Diante do delegado:

            -- Ah! Doutor, eu não queria ser assaltante, mas é incontrolável, está na minha natureza. Das profundezas de meu cérebro os neurônios repetem: Roubar! Roubar! Roubar!

             Algo semelhante ocorre com o comportamento vicioso.

           Pretendem alguns cientistas que o bebum tem na estrutura cerebral determinada área ativada, a estimular a tendência para o vício.

           Reclama o alcoólatra:

           -- Meu cérebro é uma esponja etílica! Se não o encharco de água que passarinho não bebe, não me dá sossego!

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         Hahnemann adverte que tais raciocínios são equivocados.

            O temperamento é um atributo do Espírito.

          E ainda que haja no corpo determinado arranjo genético que possa exercer certa influência, essa condição orgânica é efeito, não causa.

           O corpo não determina; apenas exprime.

          O mesmo acontece com relação às doenças que, geralmente, refletem problemas espirituais.

         No Espírito estão as causas mais frequentes de nossos desajustes físicos e psíquicos.

             A depressão, por exemplo, pode ter um componente genético, mas a origem do mal está no Espírito que, ao reencarnar, imprime na estrutura física algo de sua maneira de ser, resultante das experiências do pretérito, combinando no automatismo reencarnatório elementos hereditários compatíveis.

             Devemos, sim, tratar dos efeitos no corpo, buscando a Medicina da Terra.

            Mas é preciso, sobretudo, tratar das causas no Espírito, buscando a Medicina do Céu. Esta relaciona-se com a atividade religiosa, a partir de conceitos de ordem moral que trabalham em favor de nossa renovação.

          Nesse particular, o Evangelho é o grande compêndio médico da Alma, com prescrições perfeitas para mudar nossa maneira de agir, nosso temperamento, nossas tendências.

             Por falar nisso, leitor amigo, diante de problemas envolvendo ânimo exaltado e agressivo, desavenças e ressentimentos, doenças e limitações, pessimismo e desânimo, e tudo o mais que nos cause transtornos, você tem consultado o Evangelho?

            Talvez não haja nada disso com você.

           Se assim for, parabéns! Certamente houve engano das potestades celestes em localizá-lo neste vale de lágrimas.

            Mesmo assim, seria bom não dispensar uma reflexãozinha diária em torno das lições de Jesus, ainda que por mero exercício de discernimento.

          É o estímulo de que carecemos em favor de um comportamento capaz de sustentar a saúde da alma.

Richard Simonetti
(Transcrito da revista Reformador, FEB, ano 126, nº 2154, setembro de 2008)





quinta-feira, 24 de setembro de 2009

APOMETRIA, CORRENTE MAGNÉTICA E CROMOTERAPIA

O médico carioca residente em Porto Alegre desde os anos 50, Dr. José Lacerda, espírita que era então, começou a realizar atividades mediúnicas normais numa pequena sala de Hospital Espírita de Porto Alegre e ali realizou investigações pessoais que desaguaram no movimento denominado Apometria.

Não irei entrar no mérito nem no estudo da apometria, porque eu não sou apômetra; eu sou espírita, mas o que posso dizer é que a Apometria, segundo os seus próprios seguidores, não é Espiritismo. Suas práticas estão em total desacordo com as recomendações de “O Livro dos Médiuns”.

A presunção de alguns chegou a afirmar que a Apometria é um passo avançado ao Movimento Espírita e que Allan Kardec encontra-se totalmente ultrapassado, já que sua proposta era para o século XIX e parte do século XX, e que a apometria é o degrau mais evoluído. A prática e os métodos violentos de libertação dos obsessores que este e outros métodos correlatos apresentam, a mim me parecem tão chocantes que me fazem recordar da lei de Talião, que já foi suavizada por Moisés, com o código legal, e que Jesus sublimou através do amor.

De acordo com aqueles métodos, quando as entidades são rebeldes os doutrinadores, depois de realizarem uma contagem cabalística ou um gestual muito específico, as expulsam com violência para o magma da Terra, substância ainda em ebulição do nosso planeta, ou as colocam em cápsulas espaciais que são disparadas para o mundo da erraticidade.

Não iremos examinar a questão esdrúxula desse comportamento, mas se eu, na condição de espírito imperfeito que sou, chegasse desesperado num lugar pedindo misericórdia e apoio à minha loucura, e outrem, o meu próximo, me exilasse para o magma da Terra, para eu experimentar a dureza de um inferno mitológico, ou ser desintegrado, ou se me mandassem expulso da Terra numa cápsula espacial, renegaria aquele Deus que inspirou esse adversário da compaixão.

A Doutrina Espírita, baseada no ensino de Jesus, centraliza-se no amor e todas essas práticas novas, das mentalizações, das correntes mento-magnéticas, psico-telérgicas, que para nós, espíritas, merecem todo respeito, mas não atêm nada a ver com Espiritismo.

O mesmo se dá com as práticas da Terapia de Existências Passadas, realizadas dentro da Casa Espírita ou cromoterapia, que foge, totalmente, da finalidade do Espiritismo.

A Casa Espírita não é uma clínica alternativa. Não é lugar onde toda experiência nova deve ser colocada em execução. Tenho certeza de que aqueles que adotam esses métodos novos não conhecem as bases kardequianas e, ao conhecerem-nas, nunca as vivenciaram.

Temos todo o material revelado pelo mundo espiritual nestes tantos anos de codificação, no Brasil e no mundo, pela mediunidade incomparável de Chico Xavier; as informações que vieram pela notável Yvonne do Amaral Pereira; por Zilda Gama e por tantos médiuns nobres conhecidos e desconhecidos.

Então, se alguém prefere a Apometria, divorcie-se do Espiritismo. É um direito! Mas não misture para não confundir. A nossa tarefa é de iluminar, não é de eliminar. O espírito mau, perverso, cruel é nosso irmão na ignorância. Poderia haver alguém mais cruel do que o jovem Saulo de Tarso? Ele havia assassinado Estevão a pedradas, havia assassinado outros, e foi a Damasco para assassinar Ananias. Jesus não o colocou numa cápsula espacial e disparou para o infinito. Apareceu a ele! Conquistou-o pelo amor. “Saulo, Saulo, por que me persegues?” pode haver maior ternura nisso? E ele tomado de espanto perguntou: “Que é isso?” “Eu sou Jesus, aquele aquém persegues”. E ele, então, caiu em si. Emmanuel ensina que o termo “caindo em si” significa que a capa do ego cedeu lugar ao encontro com o ser profundo. Ele despertou e, graças a ele, nós conhecemos Jesus pela sua palavra, pelas suas lutas, pelo alto preço que pagou, apedrejado várias vezes, jogando por detrás dos muros nos lugares do lixo, foi resgatado pelos amigos e continuou pregando.

Então, os espíritos perversos merecem nossa compaixão e não nosso repúdio. Coloquemo-nos no lugar deles.

Não temos nada contra a Apometria, as correntes mento-magnéticas, aquelas outras de nomes muito esdrúxulos e pseudocientíficos. Mas, como espírita, nós deveremos cuidar da proposta Espírita.

Na minha condição de Espírita, exercendo a mediunidade por mais de 60 anos, os resultados têm sido todos colhidos na árvore do amor e da caridade e a nossa mentalidade espírita não admite ritual, gestual, gritaria, nem determinados comportamentos.


                                                                                    Divaldo Pereira Franco



(Transcrito do programa Presença Espírita da Rádio Boa Nova a partir de palestra de Divaldo Pereira Franco e re-transcrito do Jornal Mundo Espírita, da Federação Espírita do Paraná, setembro de 2009, número 1502, ano 77)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Calabouço dos Sentimentos

“Nos agregados pouco numerosos, todos se conhecem melhor e há mais segurança quanto à eficácia dos elementos que para eles entram. O silêncio e o recolhimento são mais fáceis e tudo se passa como em família.” O Livro dos Médiuns – cap. XXIX – item 335.


Contava-se na idade Média, em determinada região européia, que um suserano odiento tinha por vício separar homens apaixonados de suas mulheres amorosas, e deixá-los morrer em um calabouço, à míngua de água, pão e luz, para que pudesse amparar suas pobres viúvas solitárias e torná-las suas vassalas preferidas. Dizia-se que ele fez centenas de prisões, destruiu várias famílias e vivia refestelando-se na sexualidade e cortesias insaciáveis de suas companhias femininas.

Certo dia, no entanto, quando foi descoberta a trama, as mulheres revoltadas, informadas de que o suserano era o criminoso de seus esposos, em inteligente armadilha, trancafiaram também o senhor no calabouço. Entretanto, a partir daí passaram a viver de insatisfações e tristeza até a morte, porque sentiram-se presas de um passado infeliz que jamais lhes saía da memória, vivendo por entre o ódio, a insegurança e a saudade.

Conquanto dramática, é bem essa a história de quase todos nós em assuntos da vida sentimental: o narcisismo, a volúpia sexual, o egoísmo e o prazer gerando medo e frustração, culpa e mágoas, dilacerando corações e arruinando lares e sonhos.

Por completa insanidade da razão, em crises de paixões e libidinagem, bastas vezes espezinhamos o amor alheio em impiedosas atitudes de desrespeito, separando homens honrados de mulheres fiéis, em tramas passionais, desleais e injustas, para depois, bem depois, caindo em si no despertamento consciencial, verificamos os registros desditosos que instalamos no imo de nós próprios, em lances de sede de domínio e satisfação pessoal.

O suserano íntimo, no papel do egoísmo destruidor, é o condutor inconsciente e mantenedor dos calabouços de sofrimento, com o qual ferimos centenas ou milhares de almas nos desdobramentos das vidas sucessivas.

Por isso hoje muitos de nós purgamos a solidão reeducativa nos temas do amor, ainda que enleados em uniões esponsalícias ou afetivas.

Temos um “calabouço de sentimento” como aquisição consciencial de nossas decisões malsinadas em forma de graves lesões afetivas.

Sedentos por novas experiências nas vivências da afeição, renascemos presos aos calabouços provacionais da emoção, sem liberdade novamente para fazer o papel do suserano enlouquecido, conquanto ele ainda esteja, de alguma forma, mesmo aprisionado nas provas da inibição afetiva, querendo espezinhar e ferir, com extrema rebeldia aos novos quadros do hoje. A sua principal manifestação nesses casos é a doentia inveja e o profundo sentimento de abandono, inutilidade e insatisfação por que passam os que se encontram em tal teste corretivo, debandando para a depressão, a suscetibilidade. As neuroses de vários matizes, adiando ainda mais a edificação da felicidade pessoal pela fuga da autoeducação.

Eis bem o retrato dessa expiação dolorosa: a prisão subterrânea do medo e da insegurança encarcerando os sentimentos de amor e esperança, penalizando a criatura com a sede de afeto não correspondido e com a tristeza de viver sempre à espera de alguém que não sabe se existe ou dormita em algum lugar, à sua espera também, assim como ocorreu aos homens trancafiados pelo suserano. Doutras vezes são as vivências da sexualidade embaladas pela luxúria, dissociada da satisfação que, geralmente, termina em revolta, golpes de revide e autodesvalorização.

Os sonhos amorosos, as fantasias da união afetiva, o desejo do lar feliz estão por trás das grades limitadoras da paixão que não se consegue expressar, tornando-se “estranho amor emudecido”. Nessa prova as criaturas permanecem acorrentadas à inibição, baixa autoestima, insatisfação com a vida, afiveladas a profundos e dolorosos sentimentos, tais como medo de amar, dúvidas e receios sobre suas emoções, descrença na felicidade, desmerecimento a seus ideais de amor e no sucesso afetivo. Pelos “odores psíquicos” que emanam, atraem assim outras criaturas perturbadas ou perturbadoras, em ambos os planos de vida, com as quais tecem elos de frustração e mágoas, dilatando sua solidão e exaurindo-se energeticamente em obsessões “cumulativas” ou mesmo abrindo portas mentais para “vinganças cruentas” de credores de outras épocas.

A origem de semelhante aferição reeducativa, portanto, está no menosprezo e indiferença de outrora recheados dos requintes de falsas promessas aos corações que permitiram confiar em nossos votos de fidelidade e carinho, que foram completamente desonrados.

O afeto não correspondido e o receio de amar no hoje são amargas doses de medicação preventiva ante as feridas emocionais acrisoladas no “centro de força” cardíaco do corpo espiritual, junto às sensíveis “engrenagens” da vida afetiva – verdadeira cirurgia de extirpação nos domínios da vida sentimental em razão das matrizes pré-existênciais e reminiscências de outras reencanações.

Enclausurado em tal quadro, a criatura passa a viver por entre a desmotivação e a instabilidade nos deveres da rotina, carpindo uma “revolta muda” contra tudo e todos, estabelecendo constantes complicações nos relacionamentos e nas amizades, e, em chegando aos píncaros da resistência, se não se armou da profilaxia adequada, tomba nas neuroses fóbicas, nas alterações cíclicas de humor ou em psicoses graves.

Para a psiquiatria humana são esquizofrênicos irreversíveis, para a medicina do Espírito são doentes que precisam sair de si mesmos e aprender a dar sem ter, amar mesmo sem serem amados. Não logrando, poderão estar iniciando um ciclo provacional de longa duração.

Alma constrangida a sanções, será sempre muito suscetível de rancor com pequenas falhas alheias e com grade dificuldade ao perdão e ao autoperdão, necessitando de muito apoio e carinho para suportar o peso de seu próprio narcisismo e da dor que carregará até reeducar-se nos temas do Amor e do sexo.

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Amigos nas privações cármicas da afetividade:

O calabouço provacional de hoje quando bafejado pela luz do Espiritismo faculta ao “prisioneiro” o pão da misericórdia e a água da restauração, com os quais poderão as penas serem amenizadas e terem novas dimensões.

Se hoje encontras nas lutas da solidão reeducativa, não fujas de tua oportunidade.

Ainda que entre dores e problemas, assume tua prova e liquida teu débito.

Aceita o amargo remédio da solidão e da abstinência no aprendizado da “saturação emocional”.

Não obtendo apoio familiar e social ante as imposições de tuas “penas reencarnatórias”, procura no grupo doutrinário a integração com a família espiritual que te será arrimo e suporte para os instantes mais difíceis.

Aprende as lições do respeito e do dever nos assuntos do Amor, porque também na casa das orações e estudos espirituais depararás inúmeras vezes com corações que ser-te-ão “príncipes de encanto” aos teus sonhos de afeto, podendo converter-se em “suseranos da ilusão”, mas cuida-te para não decepcionares a outros e a ti mesmo.

Confidencia a quem tenha condições de amparar-te, isso trará alívio e será o embrião de uma relação valorosa no teu recomeço; estarás assim confiando em alguém, e confiar em alguém é refazer os caminhos da libertação de ti próprio.

Não esqueça nunca da prece na qual buscarás o acréscimo de forças que te falte.

Apoia-te nessa família pelos laços do coração e vai “compensando” teus afetos com o esforço de amar, independentemente de ser amado. Muitas vezes terás tendência a exigir essa correspondência, contudo, vigia teu suserano que ainda teima em reinar e dilapidar, tenha siso e lucidez, e analisa o mal que te faz essa postura.

Caminha, chora, desabafa e prossegue sem desistires nunca. Se hoje está difícil, amanhã, se decidires por enfrentar corajosamente, poderá ser menos penoso intimamente, mesmo que não tenha teus anseios atendidos como gostarias. Talvez nada fique como queiras, entretanto, nem sempre terá que ser sofrido, ou infeliz a tua experiência renovadora. Deus espera-nos para a alegria e o Amor e pode promover infinitas formas de conduzir-nos a isso pelas sendas de Sua Inesgotável Misericórdia.

Misericórdia, porém, não é dispensada apenas por pura bondade Paternal, porque a Justiça Divina conta com as conquistas de seus filhos nos rumos do autoaperfeiçoamento.

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Condutores e integrantes dos grupamentos espíritas:

Estejamos todos atentos a semelhantes gêneros provacionais como os que assinalamos.

Mesmo com a dramaticidade das palavras por nós escolhidas, ansiamos, sobretudo, em alertar sobre que tipos de assistência estamos sendo chamados no que tange à vida íntima de quantos têm batido às portas do centro espírita, compondo, muita vez, o quadro dos trabalhadores de nossos conjuntos de labor.

Em várias ocasiões temos ao nosso lado na faina doutrinária tais corações em semelhante sofrimento “purgatorial”, e carecemos de concepções mais intuitivas e de instrução mais lapidada para amealhar condições de orientação e apoio.

Jamais descuremos do amparo especializado da medicina humana, quando se fizer necessário.

Os avanços da psicoterapia com foco transpessoal, tomando por base o Espírito, é indicação para muitos deles.

Os serviços de promoção social e solidariedade são exercícios inevitáveis a esses “andarilhos emocionais” em busca de afeto e gratificação.

Providencia a desobsessão como medida extensiva de amparo aos vitimados na expiação além túmulo, jamais esquecendo que são eles os prisioneiros de outra época, trancafiados nos calabouços da decepção pelo doente encarnado que hoje pede socorro em tuas reuniões, amando-os muito como vítimas, e não verdugos inconsequentes.

Chama sempre a atenção do reeducando quanto à vivência das lições evangélicas, das virtudes, e agrega-o aos esclarecimentos libertadores da Boa Nova.

Acima de tudo construa essa relação de confiança e respeitabilidade com teu assistido de agora, concedendo-lhe, como maior bênção nesse tipo de testes, a crença de que alguém o ama e o quer bem, a despeito de sua autodesvaloriação.

Essa relação promissora é a revitalização da esperança e o estímulo para a continuidade que carece o prisioneiro dos calabouços afetivos.

Dá-lhe tudo que tens, assim como fez a viúva pobre do Evangelho, depositando nesse coração que esmola carinho e piedade a honra das atitudes nobres, ensejando-lhe uma mensagem, pelo exemplo, de que se pode amar sem possuir e gostar sem dominar, conclamando-o a comportamentos novos, íntegros moralmente.

Sê-lhes íntimo, mas ensina-lhes o limite. Sê-lhes afetuoso, mas ensina-lhes o amor fraternal.

Na condição de condutor de grupo ou integrante do mesmo, fazer-te um irmão muito disposto a aceitar, compreender e incentivar.

É tudo que eles precisam para continuar sua prova redentora em busca da quitação consciencial e de um pouco de paz e crença em um futuro menos sóbrio ante suas perspectivas, quase sempre, comprometidas pelas tenazes da amargura e do descrédito.

Ama-os, ama-os sempre e ensina-lhes a amar como devem, e permita-lhes sentir novamente, depois de séculos de secura no coração a importância de uma família espiritual e dos laços de confiança.

Médium: Wanderley S. de Oliveira, pelo espírito: ERMANCE DUFAUX, livro: Laços de Afeto, capítulo 23.