sexta-feira, 10 de abril de 2020

"EU" CONTRA "EU"


"EU" CONTRA "EU"

       Quando o Homem, ainda jovem, desejou cometer o primeiro desatino, aproximou-se o Bom Senso e observou-lhe.
 -- Detém-te! Por que te confias assim ao mal?
 O interpelado, porém, respondeu, orgulhoso:
 -- Eu quero.
 Passando, mais tarde, à condição de perdulário e adotando a extravagância e a loucura por normas de viver, apareceu a Ponderação e aconselhou-o:
       -- Para! Por que te consagras, desse modo, ao gasto inconsequente?
 Ele, contudo, esclareceu jactancioso:
       -- Eu posso.
 Mais tarde, mobilizando os outros a serviço da própria insensatez, recebeu a visita da Humildade, que lhe rogou, piedosa:
       -- Reflete! Por que te não compadeces dos mais fracos e dos mais ignorantes?
       O infeliz, todavia, redarguiu colérico.
       -- Eu mando.
       Absorvendo imensos recursos, inutilmente, quando poderia beneficiar a coletividade, abeirou-se dele o Amor e pediu:
-- Modifica-te! Sê caridoso! Como podes reter o rio das oportunidades sem socorrer o campo das necessidades alheias?
 E o mísero informou:
       -- Eu ordeno.
 Praticando atos condenáveis, que o levaram ao pelourinho da desaprovação pública, a Justiça acercou-se dele e recomendou?
       -- Não prossigas! Não te dói ferir tanta gente?
 O infortunado, entretanto, acentuou implacável:
 -- Eu exijo.
       E assim viveu o Homem, acreditando-se o centro do Universo, reclamando, oprimindo e dominando, sem ouvir as sugestões das virtudes que iluminam a Terra, até que, um dia, a Morte o procurou e lhe impôs a entrega do corpo físico.
       O desditoso entendeu a gravidade do acontecimento, prosternou-se diante dela e considerou:
       -- Morte, por que me buscas?
       -- Eu quero -- disse ela.
       -- Por que me constranges a aceitar-te?  -- gemeu, triste.
-- Eu posso  -- retrucou a visitante.
       -- Como podes atacar-me deste modo?
       -- Eu mando.
       -- Que poderes te movem?
       -- Eu ordeno.
       -- Defender-me-ei contra ti -- clamou o Homem, desesperado --, duelarei e receberás a minha maldição!...
       Mas a Morte sorriu, imperturbável, e afirmou:
 --Eu exijo.
       E, na luta do "eu", contra "eu", conduziu-o à casa da Verdade para maiores lições.
                                                         Irmão X

Página extraída da obra: Contos e Apólogos, capítulo 5, psicografada pelo Espírito Irmão X, através de Francisco Cândido Xavier, 1957.