quinta-feira, 23 de março de 2017

TREINO PARA A MORTE


TREINO   PARA   A   MORTE


Preocupado com a sobrevivência além do túmulo, você pergunta, espantado, como deveria ser levado a efeito o treinamento de um homem para as surpresas da morte.

A indagação é curiosa e realmente dá que pensar.

Creia, contudo, que, por enquanto, não é muito fácil preparar tecnicamente um companheiro à frente da peregrinação infalível.

Os turistas que procedem da Ásia ou da Europa habilitam futuros viajantes com eficiência, por lhes não faltarem os termos analógicos necessários. Mas nós, os desencarnados, esbarramos com obstáculos quase intransponíveis.

A rigor, a Religião deve orientar as realizações do espírito, assim como a Ciência dirige todos os assuntos pertinentes à vida material. Entretanto, a Religião, até certo ponto, permanece jungida ao superficialismo do sacerdócio, sem tocar a profundez da alma.

Importa considerar também que a sua consulta, ao invés de ser encaminhada a grandes teólogos da Terra, hoje domiciliados na Espiritualidade, foi endereçada justamente a mim, pobre noticiarista sem méritos para tratar de semelhante inquirição.

Pode acreditar que não obstante achar-me aqui de novo, há quase vinte anos de contado, sinto-me ainda no assombro de um xavante, repentinamente trazido da selva mato-grossense para alguma de nossas Universidades, com a obrigação de filiar-se, de inopino, aos mais elevados estudos e às mais complicadas disciplinas.

Em razão disso, não posso reportar-me senão ao meu próprio ponto de vista, com as deficiências do selvagem surpreendido junto à coroa de Civilização.

Preliminarmente, admito deva referir-me aos nossos antigos maus hábitos. A cristalização deles, aqui, é uma praga tiranizante.

Comece a renovação de seus costumes pelo prato de cada dia. Diminua gradativamente a volúpia de comer a carne dos animais. O cemitério na barriga é um tormento, depois da grande transição. O lombo de porco ou o bife de vitela, temperados com sal e pimenta, não nos situam muito longe dos nossos antepassados, os tamoios e os caiapós, que se devoravam uns aos outros.

Os excitantes largamente ingeridos constituem outra perigosa obsessão. Tenho visto muitas almas de origem aparentemente primorosa, dispostas a trocar o próprio Céu pelo uísque aristocrático ou pela nossa cachaça brasileira.

Tanto quanto lhe seja possível, evite os abusos do fumo. Infunde pena a angústia dos desencarnados amantes da nicotina.

Não se renda à tentação dos narcóticos. Por mais aflitivas lhe pareçam as crises do estágio no corpo, aguente firme os golpes da luta. As vítimas da cocaína, da morfina e dos barbitúricos demoram-se largo tempo na cela escura da sede e da inércia.

E o sexo? Guarde muito cuidado na preservação do seu equilíbrio emotivo. Temos aqui muita gente boa carregando consigo o inferno rotulado de “amor”.

Se você possui algum dinheiro ou detêm alguma posse terrestre, não adia doações, caso esteja realmente inclinado a fazê-las. Grandes homens, que admirávamos no mundo pela habilidade e poder com que concretizavam importantes negócios, aparecem, junto de nós, em muitas ocasiões, à maneira de crianças desesperadas por não mais conseguirem manobrar os talões de cheque.

Em família, observe cautela com testamentos. As doenças fulminatórias chegam de assalto, e, se a sua papelada não estiver em ordem, você padecerá muitas humilhações, através de tribunais e cartórios.

Sobretudo, não se apegue demasiado aos laços consanguíneos. Ame sua esposa, seus filhos e seus parentes com moderação, na certeza de que, um dia, você estará ausente deles e de que, por isso mesmo, agirão quase sempre em desacordo com a sua vontade, embora lhe respeitem a memória. Não se esqueça de que, no estado presente da educação terrestre, se alguns afeiçoados lhe registrarem a presença extraterrena, depois dos funerais, na certa intimá-lo-ão a descer aos infernos, receando-lhe a volta inoportuna.

Se você já possui o tesouro de uma fé religiosa, viva de acordo com os preceitos que abraça. É horrível a responsabilidade moral de quem já conhece o caminho, sem equilibrar-se dentro dele.

Faça o bem que puder, sem a preocupação de satisfazer a todos. Convença-se de que se você não experimenta simpatia por determinadas criaturas, há muita gente que suporta você com muito esforço.

Por essa razão, em qualquer circunstância, conserve o seu nobre sorriso.

Trabalhe sempre, trabalhe sem cessar.

O serviço é o melhor dissolvente de nossas mágoas.

Ajude-se, através do leal cumprimento de seus deveres.

Quanto ao mais, não se canse nem indague em excesso, porque, com mais tempo ou menos tempo, a morte lhe oferecerá o seu cartão de visita, impondo-lhe ao conhecimento tudo aquilo que, por agora, não lhe posso dizer.

Mensagem extraída da obra: Cartas e Crônicas, Espírito Irmão X, psicografia de Francisco Cândido Xavier, capítulo 4, em 1966.

Irmão X é  o pseudônimo de Humberto de Campos, poeta, cronista, crítico e ficcionista nasceu no Estado do Maranhão em 1886. Em 1919, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Foi Deputado Federal por seu Estado. Morreu em 1934. A partir de 1936, escreveu várias obras através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier:
        1936 - Palavras do Infinito
  • 1937 - Crônicas de Além-Túmulo
  • 1938 - Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho
  • 1940 - Novas Mensagens
  • 1941 - Boa Nova
  • 1943 - Reportagens de Além-Túmulo
  • 1945 - Lázaro Redivivo
  • 1948 - Luz Acima
  • 1951 - Pontos e Contos
  • 1958 - Contos e Apólogos
  • 1964 - Contos Desta e Doutra Vida
  • 1966 - Cartas e Crônicas
  • 1969 - Estante da Vida
  • 1988 - Relatos da Vida
  1989 - Histórias e anotações
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REFLEXÃO:  A página “Treino para a Morte”, transmitida mediunicamente através dos recursos de Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Irmão X -- pseudônimo de Humberto de Campos --, quando foi  indagado, estando na espiritualidade, sobre o treinamento do homem para a morte merece ser estudada por todos os reencarnados que precisarão fazer a viagem de retorno após a morte do corpo.

Faz o Irmão Espiritual um paralelo ao alcance de todos, muito simples para a compreensão, porque anota uma relação prática do que cotidianamente se dá com os viventes no transcorrer de seus dias na vida comum.

Os costumes e os hábitos influenciam na qualidade de vida do Espírito, quando envolvido num corpo de carne, quanto fora dele.   As necessidades adquiridas e reforçadas pelo exercício constante e persistente, que se tornam vícios, são percepções do Espírito, apesar de o organismo físico também demonstrar a sua influência, porque através dele que ocorre a saciedade.

Deixando-se o corpo, em conta a sua morte, o espírito que estava conectado aos órgãos materiais célula a célula, acostumado ao atendimento às necessidades, ressente a sua ausência, permanecendo em grande ansiedade, com o desejo de ser atendido com as sensações dos costumes e hábitos por muito alimentados.

Torna-se, assim, um estado muito perturbador na vida do Espírito desencarnado, que não poupa o iletrado, o literato, o trabalhador, o dotado de alta inteligência, não importa, é um incômodo limitador, por muitas vezes, neutralizador do seu progresso espiritual, em conta a busca desenfreada do atendimento aos vícios.


                                                         Dorival da Silva.