por Ricardo Baesso de Oliveira
Artigo extraído da Revista Eletrônica “O
Consolador”, que poderá ser acessada através do endereço:
http://www.oconsolador.com.br/ano14/672/ca5.html |
Sexo casual: um estudo espírita
A tradição cristã não tem sido complacente com a atividade sexual desvinculada de uma relação afetiva estável. Jesus foi rigoroso nesse particular, apresentando o conceito revolucionário de “pecado pelo pensamento”, contraditoriamente à ética judaica, segundo a qual a infração à Lei de Deus só se dá na concretização material do ato e jamais no desejo não materializado. Segundo Jesus, todo aquele que olhar para uma mulher, cobiçando-a, já no seu coração adulterou com ela. [1]
Paulo, em suas epístolas, valeu-se do
vocábulo fornicação, combatendo veementemente tal prática. [2] Entende-se como tal o ato sexual que não é entre
cônjuges, ou seja, o sexo fora de uma relação afetiva monogâmica
consentida. Agostinho dedicou a obra Dos
bens do matrimônio para tratar dos assuntos relacionados ao
casamento, pois somente através dele seria possível o exercício do “sexo
virtuoso”.
Kardec estabeleceu que as relações
monogâmicas representam um progresso na marcha da humanidade e que na
poligamia, não há afeição real - só existe sensualidade[3].
Isso se explica pela própria dinâmica
do relacionamento monogâmico. Uma das características dessa relação,
obviamente, onde estão presentes o respeito e fidelidade ao outro, é que com
a continuidade da vida a dois, os parceiros vão, naturalmente, modulando seus
impulsos sexuais. As ocorrências do dia a dia, as preocupações com os filhos
e depois com os netos, os processos paulatinos de envelhecimento da
organização física levam a redução da libido e isso faz com os parceiros
aprendam a permutar os valores afetivos através do beijo, do abraço ou do
diálogo afetuoso.
Tudo isso contribui para o
aprimoramento da afetividade, antecipando numa relação corpórea o que deverá
se dar com o Espírito em sua longa marcha para a angelitude. Observa-se, como
regra geral, uma redução progressiva da frequência do número de intercursos
sexuais em uma relação monogâmica, sem que os parceiros se ressintam
demasiadamente desse fato.
Assim, a função sexual vai sendo
paulatinamente burilada e as motivações existenciais serão direcionadas para
outras funções da personalidade, contribuindo no desenvolvimento
intelecto-moral da entidade reencarnada. Tal dinâmica não é observada nas
relações múltiplas entre parceiros não comprometidos afetivamente, onde a
libido, pela variação constante, mantém-se pujante. Perdem, portanto, as
personalidades envolvidas na relação a oportunidade de sublimarem os
sentimentos, deixando de caminhar em direção a uma vida mais identificada com
os valores do Espírito. Lembra Kardec que a sobre-excitação dos instintos
materiais abafa o senso moral. [4]
Os autores desencarnados que se
valeram da mediunidade de Yvonne Pereira, Chico Xavier, Raul Teixeira e
Divaldo Franco assumiram o pressuposto de que a prática sexual ideal seria
aquela que se desse entre pessoas comprometidas por laços duradouros de
afeto.
De acordo com Emmanuel, urge situar o
sexo a serviço do amor, sem que o amor se lhe subordine. Valendo-se da
expressiva metáfora do rio e do dique, o benfeitor propõe que imaginemos o
sexo como o rio e o amor como o dique e coloca: O rio fecunda. O
dique controla. O rio espalha forças. O dique policia-lhes a expansão. No rio,
encontramos a Natureza. No dique, surpreendemos a disciplina. Se a corrente
ameaça a estabilidade de construções dignas, comparece o dique para
canalizá-la proveitosamente, noutro nível. Contudo, se a corrente supera o
dique, aparece a destruição, toda vez que a massa líquida se dilate em
volume. Tanto quanto o dique precisa erguer-se em defensiva constante, no
governo das águas, deve guardar-se o amor em permanente vigilância, na
frenação do impulso emotivo.[5]
Tal natureza de pensamento encontra
argumentação no entendimento das finalidades da prática sexual, conforme
apresentadas por Emmanuel, em momentos distintos do livro Vida e
sexo. O sexo casual não se identifica com essas finalidades, como
passamos a examinar.
A função sexual, segundo Emmanuel,
possui três objetivos fundamentais:
1- Reprodução da espécie.
2- Permuta de vibrações
amorosas entre aqueles que se amam.
3- Estabelecimento e
manutenção dos elos conjugais.
A mais óbvia das finalidades do sexo
é a reprodução da espécie, presente em espécies evolutivamente bem mais
simples que a nossa. Devemos ao sexo a formação do tesouro do lar e as
alegrias restauradoras da família. O sexo casual não atende a essas funções,
pois está relacionado, exclusivamente, ao usufruto do prazer, que não é
problemático em si mesmo, mas que não se identifica com o objetivo citado.
A segunda finalidade do sexo está na
permuta de vibrações amorosas entre aqueles que se amam. Segundo André Luiz,
o amor é o alimento da alma e uma das formas de nos alimentarmos do amor da
pessoa querida é através da relação sexual.[6]
Isso ocorre porque o instinto sexual
não é apenas agente de reprodução entre as formas superiores, mas,
acima de tudo, é o reconstituinte das forças espirituais, pelo qual as
criaturas se alimentam mutuamente, na permuta de raios psíquicos magnéticos
que lhes são necessários ao progresso. [7] Tal como dito anteriormente, o
sexo casual também não atende essa finalidade, pois não está fundamentado
numa relação amorosa, na medida em que busca apenas a satisfação do desejo,
sem compromissos com o sentimento e a afetividade alheia.
E,
finalmente, a terceira finalidade do sexo, por motivos óbvios, não
identificada com o sexo casual: estabelecer e manter os elos conjugais. O
afeto vincula as criaturas, umas às outras, permitindo-se também o
intercâmbio de hormônios psíquicos, realmente responsáveis pela harmonia e
saúde integral de todos os seres humanos.
Está
bem estabelecido, hoje, que a cópula provoca em algumas espécies, inclusiva a
humana, comportamentos sociais chamados afiliativos, através dos
quais o macho e a fêmea formam um par relativamente estável, preparando-se
ambos para receber os filhotes. Os comportamentos afiliativos dessa natureza
são muito importantes biologicamente, pois protegem a fêmea durante a
gravidez, e garantem a sobrevivência da prole após o nascimento, quando os
filhotes não têm ainda maturidade fisiológica necessária para a vida
independente. O hipotálamo é o principal integrador do comportamento sexual,
e dois neuropeptídios foram apontados como os principais moduladores neurais
dos comportamentos sexuais: a oxitocina (ou ocitocina) e a vasopressina.
Esses peptídeos são produzidos por neurônios centrais, participantes
essenciais dos circuitos envolvidos nos comportamentos sexuais. A
vasopressina está envolvida mais fortemente nos comportamentos sexuais
masculinos, enquanto a oxitocina atua predominantemente nas fêmeas. Ambos os
peptídeos são fortemente secretados durante a excitação sexual, atingindo o
nível mais alto durante o orgasmo. O cérebro fica assim preparado para emitir
os comportamentos afiliativos e sexuais adequados para as situações de
acasalamento ou de cuidados com a prole. [8]
Nesse particular, a prática sexual
humana é especialmente curiosa. Nossa atividade sexual ocorre em privacidade.
Chimpanzés e praticamente todas as outras espécies de mamíferos se acasalam
em público. Em praticamente todas as culturas humanas, contudo, fazer sexo em
público é considerado ofensivo, vexatório, sendo usualmente ilegal. Por que
isso? Fazer sexo privadamente estabelece um elo especial entre os parceiros.
Há todos os tipos de emoções intensas rodeando a sexualidade humana e os
parceiros têm que vivenciar essas emoções exclusivamente entre eles, isolados
de todos os demais membros do grupo. Por esse motivo, o orgasmo é acompanhado
de uma descarga maciça de oxitocina, que promove a vinculação, gerando um
sentimento de ternura, de carinho de um pelo outro e o desejo de continuarem
juntos, prezando o relacionamento.[9]
Joanna de Ângelis, em obra de 2007,
se reporta a esses recentes avanços da neurociência, quando comenta que o
amor, na função sexual, é muito importante, mesmo do ponto de vista
fisiológico, porque a liberação da oxitocina proporciona harmonia, já que
esse hormônio é responsável pela sensação de paz que os parceiros
experimentam no clímax da coabitação. A máquina cerebral é tão extraordinária
na sua funcionalidade que, nesse momento, também libera opioides que
respondem pela satisfação e alegria derivadas da comunhão orgânica,
impossibilitando os atritos e as disposições agressivas. Desse modo, a
comunhão sexual contribui poderosamente em favor da harmonia entre os
parceiros, melhorando os grupos sociais, evitando as costumeiras agressões e
crueldades. Nos indivíduos satisfeitos sexualmente e harmonizados, sem os
conflitos angustiantes e perturbadores da insegurança, da timidez, da
inferioridade, predominam a alegria de viver, o bem-estar em relação à
existência, o desejo natural da procriação, da proteção à família, da boa
luta em favor do progresso pessoal e da comunidade.[10]
Habitualmente, são relacionados ao
sexo casual alguns problemas.
As doenças sexualmente transmissíveis
são praticamente inexistentes entre casais que vivenciam uma sexualidade
monogâmica. Aids, sífilis e outras venereopatias são apanágios do sexo
casual. Algumas delas, que já se encontravam em declínio, voltaram a crescer,
como a sífilis, que nos últimos anos teve sua prevalência aumentada em
centenas de vezes. Ginecologistas têm se reportado a casos de sífilis em
adolescentes de 12, 13 e 14 anos.
A gravidez na adolescência é também
problema relacionado ao sexo casual. A
gravidez na adolescência é atualmente um dos mais significantes problemas
sociais em todo o mundo. No Brasil, dados da Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) mostram que a maioria das mães
solteiras é do interior do Nordeste e tem entre 10 e 14 anos. Esses mesmos
dados indicam que 25% das meninas entre 15 e 17 anos que deixam a escola o
fazem por causa da gravidez, que assim vem se tornando a maior causa de
evasão escolar. A gravidez precoce e suas complicações são a principal causa
de mortalidade entre adolescentes do sexo feminino de 15 a 19 anos, sendo a terceira
causa de óbitos entre as mulheres no Brasil, perdendo apenas para homicídios
e acidentes de transportes.[11]
Examinando o tema, Joanna comenta que
na adolescência a realidade e a fantasia confundem-se, proporcionando à
imaginação soluções de fácil ocorrência para qualquer desafio,
particularmente no que diz respeito aos relacionamentos afetivos.[12]
Lembra também que havendo filhos,
como resultado da afetividade desgovernada, mais complexo torna-se o quadro
da convivência que, infelizmente, termina em separação litigiosa, com
acusações pesadas de parte a parte, assinalando profundamente a psique da
prole, quando cada um dos litigantes não se escuda nos filhos para melhor
ferir o outro, a quem atribui a culpa do insucesso.
E coloca, ainda, a autora espiritual,
que a predominância dos impulsos sexuais na fase juvenil do ser humano está a
merecer expressiva contribuição psicológica e educacional, a fim de que se
possam evitar os desastres que decorrem da insensatez e da precipitação.
O uso excessivamente precoce do sexo
acompanha-se, como visto, de consequências muitas vezes lamentáveis: gravidez
prematura, distúrbios emocionais, viciações sexuais, desmotivações para as
diferentes atividades dessa fase da vida, na medida em que erótica
precocemente ativada, por sua natureza altamente prazerosa, acaba centralizando
todos os interesses do adolescente, que perde notáveis oportunidades de viver
de forma saudável essa etapa da vida orgânica.
Necessário acrescentar ainda como
dificuldades relacionadas ao sexo casual as frustrações afetivas, o tormento
íntimo pela busca vulgarizada do prazer e a insatisfação constante decorrente
de uma prática sexual que pode aliviar a tensão, mas que não enriquece a
personalidade.
Segundo Emmanuel, conferir
pretensa legitimidade às relações sexuais irresponsáveis seria tratar
"consciências" qual se fossem "coisas", e se as próprias
coisas, na condição de objetos, reclamam respeito, que se dirá do acatamento
devido à consciência de cada um?[13]
A ausência de sentimento superior no
ato sexual, segundo Joanna, dá surgimento a contatos apressados,
destituídos de significado emocional, que não chegam a produzir a harmonia
interior esperada, nem a saciedade, antes induzindo a novas e variadas
experiências, na busca mágica de intérmino prazer que mais cansa do que
produz bem-estar.[14]
Referindo-se às relações sexuais
fortuitas, oriundas de buscas virtuais, Joanna de Ângelis comenta que os
relacionamentos virtuais através da INTERNET, quando, cada qual oculta os
conflitos e transfere-os para a responsabilidade de outrem, ensejam
encantamentos paradisíacos, despertam paixões vulcânicas, resultantes todos
das insatisfações acumuladas, instalando perigosos transtornos neuróticos de
consequências lamentáveis.[15]
Ressalta, ainda, Joanna que o sexo
deve ser exercido com a valiosa contribuição do amor, que estimula a produção
dos hormônios propiciatórios ao prazer e ao equilíbrio, sem a pressa dos
indivíduos psicologicamente irrealizados, tanto quanto daqueles que,
saturados de experiências bizarras, esperam satisfação apenas orgânica, sem a
contribuição da emoção plenificadora. [16]
André Luiz, por sua vez, comenta que
o instinto sexual a desvairar-se na poligamia, traça para si mesmo largo
roteiro de aprendizagem a que não escapará pela matemática do destino que nós
mesmos criamos. Lembra André que a monogamia é o clima espontâneo do
ser humano, de vez que dentro dela realiza, naturalmente, com a alma
eleita de suas aspirações a união ideal do raciocínio e do sentimento, com a perfeita
associação dos recursos ativos e passivos, na constituição do binário de
forças, capaz de criar não apenas formas físicas, para a encarnação de
outras almas na Terra, mas também as grandes obras do coração e da
inteligência, suscitando a extensão da beleza e do amor, da sabedoria e
da glória espiritual que vertem, constantes, da Criação Divina. [17]
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sábado, 6 de junho de 2020
Sexo casual: um estudo espírita
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