REVISTA ESPIRITA
JORNAL
DE ESTUDOS
PSICOLÓGICOS
8º ANO - Nº. 8 -
AGOSTO 1865
O QUE O ESPIRITISMO ENSINA
Há
pessoas que perguntam quais são as conquistas novas que devemos ao Espiritismo.
Do fato de que não dotou o mundo de uma nova indústria produtiva, como o vapor,
concluem que nada produziu. A maioria daqueles que fazem esta pergunta não se
dando ao trabalho de estudá-lo, não conhece senão o Espiritismo de fantasia,
criado pelas necessidades da crítica, e que nada tem de comum com o Espiritismo
sério; não é, pois, espantoso que se pergunte o que pode dele ser o lado útil e
prático. Teriam-no aprendido se tivessem ido procurá-lo em sua fonte, e não nas
caricaturas que dele fizeram aqueles que têm interesse em denegri-lo.
Cremos
dever, a este respeito, apresentar algumas observações, que não serão nada de
novo, mas há coisas que é útil repetir sob diversas formas.
Além
disso, é incontestável que o Espiritismo tem muito a nos ensinar; é o que nunca
cessamos de repetir, porque jamais pretendemos que ele tenha dito sua última palavra.
Mas do fato de que resta ainda a fazer segue-se que não tenha saído do
alfabeto? Seu alfabeto foram as mesas girantes, e desde então deu, isto nos
parece, alguns passos; parece-nos mesmo que tem a fazer bastante grandes em
alguns anos, se o compararmos às outras ciências que aportaram séculos para
chegar ao ponto onde estão. Nenhuma chegou ao seu apogeu do primeiro salto;
elas avançam, não pela vontade dos homens, mas à medida que as circunstâncias
colocam sob o caminho de novas descobertas; ora, não está no poder de ninguém
comandar essas circunstâncias, e a prova disto é que, todas as vezes que uma
idéia é prematura, ela aborta, para aparecer mais tarde em tempo oportuno.
Mas,
à falta de novas descobertas, os homens de ciência nada têm a fazer? A química
não é mais a química se ela não descobre todos os dias novos corpos? Os
astrônomos estão condenados a cruzar os braços por falta de encontrar novos
planetas? E assim em todos os outros ramos da ciência e da indústria. Antes de
procurar novamente não é de se fazer a aplicação daquilo que se sabe? É
precisamente para dar aos homens o tempo de assimilar, de aplicar e de
vulgarizar o que sabem, que a Providência põe um tempo de parada na marcha para
a frente. A história aí está para nos mostrar que as ciências não seguem marcha
ascendente contínua, pelo menos ostensivamente; os grandes movimentos que fazem
revolução numa idéia não se operam senão em intervalos mais ou menos afastados.
Não há estagnação por isto, mas elaboração, aplicação, e frutificação daquilo que
se sabe, o que é sempre do progresso. O Espírito humano poderia absorver sem
cessar idéias novas? A própria Terra não tem necessidade de tempo de repouso
antes de reproduzir? Que se diria de um professor que ensinasse todos os dias
novas regras aos seus alunos, sem lhes dar o tempo de se aplicar sobre aquelas
que aprenderam, de se identificar com elas e de aplicá-las? Deus seria, pois,
menos previdente e menos hábil do que um professor? Em todas as idéias novas
devem se encaixar nas idéias adquiridas; se estas não estão suficientemente
elaboradas e consolidadas no cérebro; se o espírito não as assimilou, as que se
quer nele implantar não tomam raiz; semeia-se no vazio.
Ocorre
o mesmo com relação ao Espiritismo. Os adeptos aproveitaram de tal modo o que
ele ensinou até este dia, que nada tenham mais a fazer? São de tal modo
caridosos, desprovidos de orgulho, desinteressados, benevolentes para os seus
semelhantes; de tal modo moderaram suas paixões, abjuraram o ódio, a inveja e o
ciúme; enfim, são de tal modo perfeitos que seja doravante supérfluo
pregar-lhes a caridade, a humildade, a abnegação, em uma palavra, a moral? Só
esta pretensão provaria a ela o quanto têm ainda necessidade dessas lições
elementares, que alguns acham fastidiosas e pueris; no entanto, é somente com
ajuda dessas instruções, se as colocam em proveito, que podem se elevar
bastante alto para serem dignos de receber um ensinamento superior.
O
Espiritismo tende para a regeneração da Humanidade; este é um fato adquirido;
ora, esta regeneração não podendo se operar senão pelo progresso moral, disto
resulta que seu objetivo essencial, providencial, é a melhoria de cada um; os
mistérios que pode nos revelar são o acessório, porque nos abre o santuário de
todos os conhecimentos, não seríamos mais avançados para o nosso estado futuro,
se não fôssemos melhores. Para admitir ao banquete da suprema felicidade, Deus
não pede o que se sabe nem por que se possui, mas o que se vale e o que se terá
feito de bem. É, pois, à sua melhoria individual que todo espírita sincero deve
trabalhar antes de tudo. Só aquele que domou seus maus pendores, realmente tem
aproveitado do Espiritismo e disso reserva a recompensa; é por isto que os bons
Espíritos, por ordem de Deus, multiplicam suas instruções e as repetem à saciedade;
só um orgulho insensato pode dizer: delas não tenho mais necessidade. Só Deus
sabe quando serão inúteis, e só a ele pertence dirigir o ensino de seus
mensageiros, e de proporcioná-lo ao nosso adiantamento.
Vejamos,
no entanto, se fora do ensino puramente moral, os resultados do Espiritismo são
tão estéreis quanto alguns o pretendem:
1º
- Ele dá primeiro, como todos o sabem, a prova patente da existência e da
imortalidade da alma. Isto não é uma descoberta, é verdade, mas é por falta de
provas sobre este ponto que há tantos incrédulos ou indiferentes quanto ao
futuro; é provando o que não era senão uma teoria que ele triunfa do
materialismo, e que lhe previne as conseqüências funestas para a sociedade. A
dúvida sobre o futuro tendo se transformado em certeza, é toda uma revolução
nas idéias, e cujas conseqüências são incalculáveis. Se lá se limitassem
exclusivamente os resultados das manifestações: quanto esse resultado seria
imenso.
3º
- Retifica todas as idéias falsas que se havia feito sobre o futuro da alma,
sobre o céu, o inferno, as penas e as recompensas; ele destrói radicalmente,
pela irresistível lógica dos fatos, os dogmas das penas eternas e dos demônios;
em uma palavra, ele nos descobre a vida futura, e no-la mostra natural e
conforme a justiça de Deus. É ainda uma coisa que tem muito seu valor.
5º
- Pela lei da pluralidade das existências, abre um novo campo à filosofia; o
homem sabe de onde vem, para onde vai, para que fim está sobre a Terra. Ele
explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades
sociais; dá as próprias leis da Natureza por base aos princípios de
solidariedade universal, de igualdade e de liberdade, que não estavam
assentados senão sobre a teoria. Enfim, lança a luz sobre as questões mais
difíceis da metafísica, da psicologia e da moral.
7º
- Provando as relações que existem entre o mundo corpóreo e o mundo espiritual,
mostra, neste último, uma das forças ativas da Natureza, uma força inteligente,
e dá a razão de uma multidão de efeitos atribuídos à causas sobrenaturais e que
alimentaram a maioria das idéias supersticiosas.
8º
- Revelando o fato das obsessões, fez
conhecer a causa, desconhecida até aqui, de numerosas afecções sobre as quais a
ciência estava equivocada em prejuízo dos doentes, e que dá os meios de curar.
9º
- Em nos fazendo conhecer as verdadeiras
condições da prece e seu modo de ação; nos revelando a influência recíproca dos
Espíritos encarnados e desencarnados, nos ensina o poder do homem sobre os
Espíritos imperfeitos para moralizá-los e arrancá-los aos sofrimento inerentes
à sua inferioridade.
10º
- Fazendo conhecer a magnetização espiritual, que não se conhecia, abre um novo
caminho ao magnetismo, e lhe traz um novo e poderoso elemento de cura. O mérito
de uma invenção não está na descoberta de um princípio, quase sempre conhecido
anteriormente, mas na aplicação desse princípio. A reencarnação não é uma idéia
nova, sem contradita, não mais que o perispírito, descrito por São Paulo sob o
nome de corpo espiritual, nem mesmo a comunicação com os Espíritos. O
Espiritismo, que não se gaba de ter descoberto a Natureza, procura com cuidado
todos os traços que pode encontrar da anterioridade de suas idéias, e, quando
os encontra, se apressa em proclamá-lo, como prova ao apoio daquilo que
adianta. Aqueles, pois, que invocam essa anterioridade, tendo em vista
depreciar o que fez, vão contra o seu objetivo, e agem desastradamente, porque
isto poderia fazer supor um preconceito.
A
descoberta da reencarnação e do perispírito não pertencem, pois, ao
Espiritismo, é coisa convencionada; mas, até ele, que proveito a ciência, a
moral, a religião tinham retirado desses dois princípios, ignorados das massas,
e permanecidos no estado de letras mortas? Não só os clareou, os provou e fez
reconhecer como leis da Natureza, mas as desenvolveu e fez frutificar; deles já
fez sair inumeráveis e fecundos resultados, sem os quais estariam ainda para se
compreender uma infinidade de coisas; cada dia nos fazem compreender coisas
novas, e se está longe de ter esgotado essa mina. Uma vez que esses dois
princípios eram conhecidos, por que ficaram por tanto tempo improdutivos? Por
que, durante tantos séculos, todas as filosofias se chocaram contra tantos
problemas insolúveis? É que eram diamantes brutos que seria preciso colocar em
obra: foi o que o Espiritismo fez. Ele abriu um novo caminho à filosofia, ou,
dizendo melhor, criou uma nova filosofia que toma cada dia seu lugar no mundo.
Estão, pois, aí resultados de tal modo nulos que é preciso se apressar em
caminhar para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas?
Em
resumo, de um certo número de verdades fundamentais, esboçadas por alguns
cérebros de elite, e permanecidas na maioria num estado por assim dizer
latente, uma vez que elas foram estudadas, elaboradas e provadas, de estéreis
que eram, se tornaram uma mina fecunda de onde saiu uma multidão de princípios
secundários e aplicações, e abriram um vasto campo à exploração, novos
horizontes às ciências, à filosofia, à moral, à religião e à economia social.
Tais
são, até este dia, as principais conquistas devidas ao Espiritismo, e não fizemos
senão indicar os pontos culminantes. Supondo que devessem se limitar a isso,
poder-se-ia já dar-se por satisfeito, e dizer que uma ciência nova que dá tais
resultados em menos de dez anos, não pode ser maculada de nulidade, porque toca
a todas as questões vitais da Humanidade, e traz aos conhecimentos humanos um
contingente que não é de se desdenhar. Até que esses únicos pontos tenham
recebido todas as aplicações das quais são suscetíveis, e que os homens deles
tenham tirado proveito, se passará ainda por muito tempo, e os espíritas que
quiserem pô-los em prática por si mesmos e para o bem de todos, não deixarão de
ter ocupação.
Esses
pontos são tantos focos de onde se irradiam inumeráveis verdades secundárias
que se trata de desenvolver e de aplicar, o que se faz cada dia; porque a cada
dia se revelam fatos que levantam um novo canto do véu. O Espiritismo deu
sucessivamente e em alguns anos todas as bases fundamentais do novo edifício;
aos seus adeptos agora cabe colocar esses materiais em obra, antes de pedir
outros novos; Deus saberá bem lhos fornecer quando tiverem rematado sua tarefa.
Os
espíritas, diz-se, não sabem senão o alfabeto do Espiritismo; seja; aprendamos,
pois, primeiro a soletrar esse alfabeto, o que não é um negócio de um dia,
porque, mesmo reduzido às suas únicas proporções, escoará tempo antes de lhe
ter esgotado todas as combinações e recolhido todos os frutos. Não restam mais
fatos a explicar? Os espíritas não têm, aliás, a ensinar esse alfabeto àqueles
que não o sabem? Lançaram a semente por toda a parte onde poderiam fazê-lo? Não
resta mais incrédulos a converter, obsidiados a curar, consolações a dar,
lágrimas a secar? É fundado dizer-se que não se tem nada mais a fazer quando
não se acabou a sua necessidade, quando resta ainda tantas feridas a fechar? Aí
estão nobres ocupações que valem muito a vã satisfação de dele saber um pouco
mais e um pouco mais cedo que os outros.
Saibamos,
pois, soletrar nosso alfabeto antes de querer ler correntemente no grande livro
da Natureza; Deus saberá bem nos abri-lo à medida em que avançarmos, mas não
depende de nenhum mortal forçar a sua vontade antecipando o tempo para cada
coisa. Se a árvore da ciência é muito alta para que não possamos alcançá-la,
esperemos para ali voar, que nossas asas estejam crescidas e solidamente
presas, de medo de ter a sorte de ícaro.
Allan
Kardec – tradução: Salvador Gentile – Instituto de Difusão Espírita,1996.
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