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sexta-feira, 20 de abril de 2018

O QUE O ESPIRITISMO ENSINA


REVISTA ESPIRITA

JORNAL

 DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS

8º ANO -  Nº. 8   -       AGOSTO 1865

              O QUE O ESPIRITISMO ENSINA  
            
Há pessoas que perguntam quais são as conquistas novas que devemos ao Espiritismo. Do fato de que não dotou o mundo de uma nova indústria produtiva, como o vapor, concluem que nada produziu. A maioria daqueles que fazem esta pergunta não se dando ao trabalho de estudá-lo, não conhece senão o Espiritismo de fantasia, criado pelas necessidades da crítica, e que nada tem de comum com o Espiritismo sério; não é, pois, espantoso que se pergunte o que pode dele ser o lado útil e prático. Teriam-no aprendido se tivessem ido procurá-lo em sua fonte, e não nas caricaturas que dele fizeram aqueles que têm interesse em denegri-lo. 

Numa outra ordem de idéias, alguns acham, ao contrário, a marcha do Espiritismo muito lenta para o gosto de sua impaciência; espantam-se de que não haja ainda sondado todos os mistérios da Natureza, nem abordado todas as questões que parecem ser de sua alçada; gostariam de vê-lo todos os dias ensinar novidade, ou se enriquecer de uma nova descoberta; e, do fato de que ainda não resolveu a questão da origem dos seres, do princípio e do fim de todas as coisas, da essência divina, e algumas outras da mesma importância, concluem que não saiu do alfabeto, e que não entrou no verdadeiro caminho filosófico, e que se arrasta nos lugares comuns, porque prega sem cessar a humildade e a caridade. "Até este dia, dizem eles, não nos ensinou nada de novo, porque a reencarnação, a negação das penas eternas, a imortalidade da alma, a gradação através dos períodos da vitalidade intelectual, o perispírito, não são descobertas espíritas propriamente ditas; é preciso, pois, caminhar para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas."

Cremos dever, a este respeito, apresentar algumas observações, que não serão nada de novo, mas há coisas que é útil repetir sob diversas formas. 

O Espiritismo, é verdade, nada inventou de tudo isto, porque não há de verdades verdadeiras senão aquelas que são eternas, e que, por isto mesmo, deveram germinar em todas as épocas; mas não é nada de tê-las tirado, senão do nada, ao menos do esquecimento; de um germe haver feito uma planta vivaz; de uma idéia individual, perdida na noite dos tempos, ou abafada sob os preconceitos, haver feito uma crença geral; de ter provado o que estava no estado de hipótese; de ter demonstrado a existência de uma lei naquilo que parecia excepcional e fortuito; de uma teoria vaga ter feito uma coisa prática; de uma idéia improdutiva haver tirado aplicações úteis? Nada é mais verdadeiro do que o provérbio: "Não há nada de novo sob o sol," e esta própria verdade não é nova; também não é uma descoberta das quais não se encontrem os vestígios e o princípio em algum lugar. Nessa conta Copérnico não teria o mérito de seu sistema, porque o movimento da Terra havia sido suspeitado antes da era cristã. Se fosse coisa tão simples, seria preciso, pois, encontrá-la. A história do ovo de Colombo será sempre uma eterna verdade.

Além disso, é incontestável que o Espiritismo tem muito a nos ensinar; é o que nunca cessamos de repetir, porque jamais pretendemos que ele tenha dito sua última palavra. Mas do fato de que resta ainda a fazer segue-se que não tenha saído do alfabeto? Seu alfabeto foram as mesas girantes, e desde então deu, isto nos parece, alguns passos; parece-nos mesmo que tem a fazer bastante grandes em alguns anos, se o compararmos às outras ciências que aportaram séculos para chegar ao ponto onde estão. Nenhuma chegou ao seu apogeu do primeiro salto; elas avançam, não pela vontade dos homens, mas à medida que as circunstâncias colocam sob o caminho de novas descobertas; ora, não está no poder de ninguém comandar essas circunstâncias, e a prova disto é que, todas as vezes que uma idéia é prematura, ela aborta, para aparecer mais tarde em tempo oportuno.

Mas, à falta de novas descobertas, os homens de ciência nada têm a fazer? A química não é mais a química se ela não descobre todos os dias novos corpos? Os astrônomos estão condenados a cruzar os braços por falta de encontrar novos planetas? E assim em todos os outros ramos da ciência e da indústria. Antes de procurar novamente não é de se fazer a aplicação daquilo que se sabe? É precisamente para dar aos homens o tempo de assimilar, de aplicar e de vulgarizar o que sabem, que a Providência põe um tempo de parada na marcha para a frente. A história aí está para nos mostrar que as ciências não seguem marcha ascendente contínua, pelo menos ostensivamente; os grandes movimentos que fazem revolução numa idéia não se operam senão em intervalos mais ou menos afastados. Não há estagnação por isto, mas elaboração, aplicação, e frutificação daquilo que se sabe, o que é sempre do progresso. O Espírito humano poderia absorver sem cessar idéias novas? A própria Terra não tem necessidade de tempo de repouso antes de reproduzir? Que se diria de um professor que ensinasse todos os dias novas regras aos seus alunos, sem lhes dar o tempo de se aplicar sobre aquelas que aprenderam, de se identificar com elas e de aplicá-las? Deus seria, pois, menos previdente e menos hábil do que um professor? Em todas as idéias novas devem se encaixar nas idéias adquiridas; se estas não estão suficientemente elaboradas e consolidadas no cérebro; se o espírito não as assimilou, as que se quer nele implantar não tomam raiz; semeia-se no vazio.

Ocorre o mesmo com relação ao Espiritismo. Os adeptos aproveitaram de tal modo o que ele ensinou até este dia, que nada tenham mais a fazer? São de tal modo caridosos, desprovidos de orgulho, desinteressados, benevolentes para os seus semelhantes; de tal modo moderaram suas paixões, abjuraram o ódio, a inveja e o ciúme; enfim, são de tal modo perfeitos que seja doravante supérfluo pregar-lhes a caridade, a humildade, a abnegação, em uma palavra, a moral? Só esta pretensão provaria a ela o quanto têm ainda necessidade dessas lições elementares, que alguns acham fastidiosas e pueris; no entanto, é somente com ajuda dessas instruções, se as colocam em proveito, que podem se elevar bastante alto para serem dignos de receber um ensinamento superior.

O Espiritismo tende para a regeneração da Humanidade; este é um fato adquirido; ora, esta regeneração não podendo se operar senão pelo progresso moral, disto resulta que seu objetivo essencial, providencial, é a melhoria de cada um; os mistérios que pode nos revelar são o acessório, porque nos abre o santuário de todos os conhecimentos, não seríamos mais avançados para o nosso estado futuro, se não fôssemos melhores. Para admitir ao banquete da suprema felicidade, Deus não pede o que se sabe nem por que se possui, mas o que se vale e o que se terá feito de bem. É, pois, à sua melhoria individual que todo espírita sincero deve trabalhar antes de tudo. Só aquele que domou seus maus pendores, realmente tem aproveitado do Espiritismo e disso reserva a recompensa; é por isto que os bons Espíritos, por ordem de Deus, multiplicam suas instruções e as repetem à saciedade; só um orgulho insensato pode dizer: delas não tenho mais necessidade. Só Deus sabe quando serão inúteis, e só a ele pertence dirigir o ensino de seus mensageiros, e de proporcioná-lo ao nosso adiantamento.

Vejamos, no entanto, se fora do ensino puramente moral, os resultados do Espiritismo são tão estéreis quanto alguns o pretendem:

1º - Ele dá primeiro, como todos o sabem, a prova patente da existência e da imortalidade da alma. Isto não é uma descoberta, é verdade, mas é por falta de provas sobre este ponto que há tantos incrédulos ou indiferentes quanto ao futuro; é provando o que não era senão uma teoria que ele triunfa do materialismo, e que lhe previne as conseqüências funestas para a sociedade. A dúvida sobre o futuro tendo se transformado em certeza, é toda uma revolução nas idéias, e cujas conseqüências são incalculáveis. Se lá se limitassem exclusivamente os resultados das manifestações: quanto esse resultado seria imenso. 

2º - Pela firme crença que ele desenvolve, exerce uma poderosa ação sobre o moral do homem; leva-o ao bem, consola-o em suas aflições, dá-lhe a força e a coragem nas provas da vida, e o afasta do pensamento do suicídio.

3º - Retifica todas as idéias falsas que se havia feito sobre o futuro da alma, sobre o céu, o inferno, as penas e as recompensas; ele destrói radicalmente, pela irresistível lógica dos fatos, os dogmas das penas eternas e dos demônios; em uma palavra, ele nos descobre a vida futura, e no-la mostra natural e conforme a justiça de Deus. É ainda uma coisa que tem muito seu valor.

4º -  Ele faz conhecer o que se passa no momento da morte; este fenômeno, até este dia insondável, não tem mais mistérios; as menores particularidades dessa passagem tão temida são hoje conhecidas; ora, como todo o mundo morre, este conhecimento interessa a todo o mundo.

5º - Pela lei da pluralidade das existências, abre um novo campo à filosofia; o homem sabe de onde vem, para onde vai, para que fim está sobre a Terra. Ele explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias leis da Natureza por base aos princípios de solidariedade universal, de igualdade e de liberdade, que não estavam assentados senão sobre a teoria. Enfim, lança a luz sobre as questões mais difíceis da metafísica, da psicologia e da moral. 

6º -  Pela teoria dos fluidos perispirituais, faz conhecer o mecanismo das sensações e das percepções da alma; explica os fenômenos da dupla vista, da visão à distância, do sonambulismo, do êxtase, dos sonhos, das visões, das aparições, etc.; abre um novo campo à fisiologia e à patologia.

7º - Provando as relações que existem entre o mundo corpóreo e o mundo espiritual, mostra, neste último, uma das forças ativas da Natureza, uma força inteligente, e dá a razão de uma multidão de efeitos atribuídos à causas sobrenaturais e que alimentaram a maioria das idéias supersticiosas.
8º -  Revelando o fato das obsessões, fez conhecer a causa, desconhecida até aqui, de numerosas afecções sobre as quais a ciência estava equivocada em prejuízo dos doentes, e que dá os meios de curar.

9º -  Em nos fazendo conhecer as verdadeiras condições da prece e seu modo de ação; nos revelando a influência recíproca dos Espíritos encarnados e desencarnados, nos ensina o poder do homem sobre os Espíritos imperfeitos para moralizá-los e arrancá-los aos sofrimento inerentes à sua inferioridade.

10º - Fazendo conhecer a magnetização espiritual, que não se conhecia, abre um novo caminho ao magnetismo, e lhe traz um novo e poderoso elemento de cura. O mérito de uma invenção não está na descoberta de um princípio, quase sempre conhecido anteriormente, mas na aplicação desse princípio. A reencarnação não é uma idéia nova, sem contradita, não mais que o perispírito, descrito por São Paulo sob o nome de corpo espiritual, nem mesmo a comunicação com os Espíritos. O Espiritismo, que não se gaba de ter descoberto a Natureza, procura com cuidado todos os traços que pode encontrar da anterioridade de suas idéias, e, quando os encontra, se apressa em proclamá-lo, como prova ao apoio daquilo que adianta. Aqueles, pois, que invocam essa anterioridade, tendo em vista depreciar o que fez, vão contra o seu objetivo, e agem desastradamente, porque isto poderia fazer supor um preconceito.

A descoberta da reencarnação e do perispírito não pertencem, pois, ao Espiritismo, é coisa convencionada; mas, até ele, que proveito a ciência, a moral, a religião tinham retirado desses dois princípios, ignorados das massas, e permanecidos no estado de letras mortas? Não só os clareou, os provou e fez reconhecer como leis da Natureza, mas as desenvolveu e fez frutificar; deles já fez sair inumeráveis e fecundos resultados, sem os quais estariam ainda para se compreender uma infinidade de coisas; cada dia nos fazem compreender coisas novas, e se está longe de ter esgotado essa mina. Uma vez que esses dois princípios eram conhecidos, por que ficaram por tanto tempo improdutivos? Por que, durante tantos séculos, todas as filosofias se chocaram contra tantos problemas insolúveis? É que eram diamantes brutos que seria preciso colocar em obra: foi o que o Espiritismo fez. Ele abriu um novo caminho à filosofia, ou, dizendo melhor, criou uma nova filosofia que toma cada dia seu lugar no mundo. Estão, pois, aí resultados de tal modo nulos que é preciso se apressar em caminhar para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas?

Em resumo, de um certo número de verdades fundamentais, esboçadas por alguns cérebros de elite, e permanecidas na maioria num estado por assim dizer latente, uma vez que elas foram estudadas, elaboradas e provadas, de estéreis que eram, se tornaram uma mina fecunda de onde saiu uma multidão de princípios secundários e aplicações, e abriram um vasto campo à exploração, novos horizontes às ciências, à filosofia, à moral, à religião e à economia social.

Tais são, até este dia, as principais conquistas devidas ao Espiritismo, e não fizemos senão indicar os pontos culminantes. Supondo que devessem se limitar a isso, poder-se-ia já dar-se por satisfeito, e dizer que uma ciência nova que dá tais resultados em menos de dez anos, não pode ser maculada de nulidade, porque toca a todas as questões vitais da Humanidade, e traz aos conhecimentos humanos um contingente que não é de se desdenhar. Até que esses únicos pontos tenham recebido todas as aplicações das quais são suscetíveis, e que os homens deles tenham tirado proveito, se passará ainda por muito tempo, e os espíritas que quiserem pô-los em prática por si mesmos e para o bem de todos, não deixarão de ter ocupação.

Esses pontos são tantos focos de onde se irradiam inumeráveis verdades secundárias que se trata de desenvolver e de aplicar, o que se faz cada dia; porque a cada dia se revelam fatos que levantam um novo canto do véu. O Espiritismo deu sucessivamente e em alguns anos todas as bases fundamentais do novo edifício; aos seus adeptos agora cabe colocar esses materiais em obra, antes de pedir outros novos; Deus saberá bem lhos fornecer quando tiverem rematado sua tarefa.

Os espíritas, diz-se, não sabem senão o alfabeto do Espiritismo; seja; aprendamos, pois, primeiro a soletrar esse alfabeto, o que não é um negócio de um dia, porque, mesmo reduzido às suas únicas proporções, escoará tempo antes de lhe ter esgotado todas as combinações e recolhido todos os frutos. Não restam mais fatos a explicar? Os espíritas não têm, aliás, a ensinar esse alfabeto àqueles que não o sabem? Lançaram a semente por toda a parte onde poderiam fazê-lo? Não resta mais incrédulos a converter, obsidiados a curar, consolações a dar, lágrimas a secar? É fundado dizer-se que não se tem nada mais a fazer quando não se acabou a sua necessidade, quando resta ainda tantas feridas a fechar? Aí estão nobres ocupações que valem muito a vã satisfação de dele saber um pouco mais e um pouco mais cedo que os outros.

Saibamos, pois, soletrar nosso alfabeto antes de querer ler correntemente no grande livro da Natureza; Deus saberá bem nos abri-lo à medida em que avançarmos, mas não depende de nenhum mortal forçar a sua vontade antecipando o tempo para cada coisa. Se a árvore da ciência é muito alta para que não possamos alcançá-la, esperemos para ali voar, que nossas asas estejam crescidas e solidamente presas, de medo de ter a sorte de ícaro.

Allan Kardec – tradução: Salvador Gentile – Instituto de Difusão Espírita,1996.
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Observação:  Mantivemos a ortografia na forma do uso da época da publicação.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O QUE ENSINA O ESPIRITISMO


Há criaturas que perguntam quais são as conquistas novas que devemos ao Espiritismo. Em razão de não haver dotado o mundo com uma nova indústria produtiva, como o vapor, concluem que nada produziu. A maior parte dos que fazem tal pergunta, por não se terem dado ao trabalho de o estudar, só conhecem o Espiritismo de fantasia, criado para as necessidades da crítica, e que nada tem de comum com o Espiritismo sério. Não é, pois, de admirar que perguntem qual pode ser o seu lado útil e prático. Tê-lo-iam descoberto se o tivessem ido buscar em sua fonte, e não nas caricaturas que dele fizeram os que têm interesse em denegri-lo.

Numa outra ordem de ideias, ao contrário, alguns impacientes acham a marcha do Espiritismo muito lenta para o seu gosto. Admiram-se de que ainda não tenha sondado todos os mistérios da Natureza, nem abordado todas as questões que parecem ser de sua alçada; gostariam de vê-lo diariamente ensinar coisas novas, ou enriquecer-se com alguma descoberta recente. E, porque ainda não resolveu a questão da origem dos seres, do princípio e do fim de todas as coisas, de essência divina e de algumas outras da mesma importância, concluem que não saiu do á-bê-cê, que não entrou na verdadeira via filosófica e que se arrasta em lugares-comuns, já que prega incessantemente a humildade e a caridade. “Até hoje, dizem, o Espiritismo nada nos ensinou de novo, porque a reencarnação, a negação das penas eternas, a imortalidade da alma, a gradação através de períodos da vitalidade intelectual, o perispírito não são descobertas espíritas propriamente ditas; então é preciso marchar para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas.”

A propósito, julgamos por bem apresentar algumas observações, que também não serão novidades, pois há coisas que é útil repetir sob diversas formas.

É verdade que o Espiritismo nada inventou de tudo isto, porque somente as verdades verdadeiras são eternas e, por isto mesmo, devem ter germinado em todas as épocas. Mas não é alguma coisa havê-las tirado, se não do nada, ao menos do esquecimento? de um germe ter feito uma planta vivaz? de uma ideia individual, perdida na noite dos tempos, ou abafada sob os preconceitos, ter feito uma crença geral? ter provado o que estava no campo das hipóteses? ter demonstrado a existência de uma lei naquilo que parecia excepcional e fortuito? de uma teoria vaga ter feito uma coisa prática? de uma ideia improdutiva ter tirado aplicações úteis? Nada é mais verdadeiro que o provérbio: “Nada existe de novo debaixo do sol.” E até esta verdade não é nova. Assim, não há uma só descoberta cujos vestígios e o princípio não se encontrem nalguma parte. À vista disso, Copérnico não teria o mérito de seu sistema, porque o movimento da Terra tinha sido suspeitado antes da era cristã. Se a coisa era tão simples, dever-se-ia encontrá-la. A história do ovo de Cristóvão Colombo será sempre uma eterna verdade.

Além disso, é incontestável que o Espiritismo ainda tem muito a nos ensinar. É o que não temos cessado de repetir, pois jamais pretendemos que ele tenha dito a última palavra. Mas do que ainda resta a fazer, segue-se que não tenha ainda saído do á-bê-cê? As mesas girantes foram o seu alfabeto; e, depois, ao que nos parece, tem dado alguns passos; parece mesmo que deu passos bem grandes em alguns anos, se o compararmos às outras ciências, que levaram séculos para chegar ao ponto em que estão. Nenhuma chegou ao apogeu de um salto só; elas avançam, não pela vontade dos homens, mas à medida que as circunstâncias apontam novas descobertas. Ora, ninguém tem o poder de comandar essas circunstâncias, e a prova disto é que, todas as vezes que uma ideia é prematura, aborta, para reaparecer mais tarde, em tempo oportuno.

Mas em falta de novas descobertas, os homens de ciência nada terão a fazer? A química não será mais a química se diariamente não descobrir novos corpos? Os astrônomos serão condenados a cruzar os braços por não encontrarem novos planetas? E assim em todos os outros ramos das ciências e da aplicação daquilo que se sabe? É precisamente para dar aos homens tempo de assimilar, de aplicar e de vulgarizar o que sabem, que a Providência põe um freio na marcha para frente. Aí está a História ascendente contínua, ao menos ostensivamente. Os grandes movimentos que revolucionam uma ideia não se operam senão em intervalos mais ou menos distanciados. Assim, não há estagnação, mas elaboração, aplicação e frutificação daquilo que se sabe, o que é sempre progresso. Poderia o Espírito humano absorver incessantemente novas ideias? A própria terra não precisa de um tempo de repouso antes de reproduzir? Que diriam de um professor que diariamente ensinasse novas regras aos seus alunos, sem lhes dar tempo para se exercitarem nas que aprenderam, de com elas se identificarem e de as aplicarem? Então Deus seria menos previdente e menos hábil que um professor? Em todas as coisas as ideias novas devem apoiar-se nas ideias adquiridas; se estas não forem suficientemente elaboradas e consolidadas no cérebro, se o espírito não as assimilou, as que aí se querem implantar não criam raízes: semeia-se no vazio.

Acontece a mesma coisa com o Espiritismo. Os adeptos aproveitaram de tal modo o que ele até hoje ensinou, que nada mais tenham a fazer? São mais caridosos, desprovidos de orgulho, desinteressados e benevolentes para com os seus semelhantes? Terão moderado as paixões, abjurado o ódio, a inveja e o ciúme? Enfim, são tão perfeitos que de agora em diante seja supérfluo pregar-lhes a caridade, a humildade, a abnegação, numa palavra, a moral? Essa pretensão, por si só, provaria quanto ainda necessitam dessas lições elementares, que alguns consideram fastidiosas e pueris. Entretanto, somente com o auxílio dessas instruções, se as aproveitarem, é que poderão elevar-se bastante para se tornarem dignos de receber um ensinamento superior. O Espiritismo contribui para a regeneração da Humanidade: isto é um fato constatado. Ora, não podendo essa regeneração operar-se senão pelo progresso moral, resulta que seu objetivo essencial, providencial, é o melhoramento de cada um; os mistérios que pode nos revelar são a parte acessória, porquanto, ao nos abrir o santuário de todos os conhecimentos só estaremos mais adiantados para o nosso estado futuro se formos melhores. Para nos admitir no banquete da suprema felicidade, Deus não pergunta o que sabemos, nem o que possuímos, mas o que valemos e o bem que fizemos. Portanto, é acima de tudo pelo seu melhoramento individual que todo espírita sincero deve trabalhar. Só aquele que dominou suas más tendências aproveitou realmente o Espiritismo e receberá a sua recompensa. É por isso que os bons Espíritos, por ordem de Deus, multiplicam suas instruções e as repetem até à saciedade; só um orgulho insensato pode dizer: não preciso de mais. Só Deus sabe quando serão inúteis, e só a ele cabe dirigir o ensino de suas mensagens e de proporcionar ao nosso adiantamento. Contudo, vejamos se, fora do ensinamento puramente moral, os resultados do Espiritismo são tão estéreis quanto pretendem alguns.

1º - Antes de mais nada ele dá, como todos sabem, a prova patente da existência e da imortalidade da alma. Não é uma descoberta, é verdade, mas é por falta de provas sobre este ponto que há tantos incrédulos ou indiferentes quanto ao futuro; é provado o que não passava de teoria que ele triunfa sobre o materialismo e previne suas funestas consequências para a sociedade. Tendo mudado em certeza a dúvida quanto ao futuro, o Espiritismo opera toda uma revolução nas ideias, cujos resultados são incalculáveis. Se aí se limitasse exclusivamente o resultado das manifestações, quão imensos seriam esses resultados!

2º - Pela firme crença que desenvolve, exerce poderosa ação sobre o moral do homem; impele-o ao bem, consola-o nas aflições, dá-lhe força e coragem nas provações da vida e lhe desvia do pensamento o suicídio.

3º - Retifica todas as ideias falsas que se tivessem sobre o futuro da alma, sobre o céu, o inferno, as penas e recompensas; destrói radicalmente, pela irresistível lógica dos fatos, os dogmas das penas eternas e dos demônios; numa palavra, descobre-nos a vida futura e no-la mostra racional e conforme à justiça de Deus. É ainda uma coisa que tem muito valor.

4º - Dá a conhecer o que se passa no momento da morte; este fenômeno, até hoje insondável, não mais tem mistérios; as menores particularidades dessa passagem tão temível são hoje conhecidas. Ora, como todos morrem, este conhecimento interessa a todo o mundo.

5º - Pela lei da pluralidade das existências, abre um novo campo à filosofia; o homem sabe de onde vem, para onde vai e com que objetivo está na Terra. Explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias leis da Natureza como base dos princípios de solidariedade universal, de fraternidade, de igualdade e de liberdade, que só se assentavam na teoria. Enfim, projeta luz sobre as mais árduas questões da metafísica, da psicologia e da moral.

6º - Pela teoria dos fluidos perispirituais, torna conhecido o mecanismo das sensações e das percepções da alma; explica os fenômenos da dupla vista, da vista a distância, do sonambulismo, do êxtase, dos sonhos, das visões, das aparições, etc.; abre novo campo à fisiologia e à patologia.

7º - Provando as relações existentes entre o mundo corporal e o mundo espiritual, mostra neste último uma das forças ativas da Natureza, um poder inteligente e dá a razão de uma porção de efeitos atribuídos a causas sobrenaturais, e que alimentaram a maior parte das ideias supersticiosas.

8º - Revendo o fato das obsessões, faz conhecer a causa, até aqui desconhecida, das numerosas afecções, sobre as quais a Ciência se havia enganado em prejuízo dos doentes, e dá os meios de os curar.

9º - Dando-nos a conhecer as verdadeiras condições da prece e seu modo de ação; revelando-nos a influência recíproca dos Espíritos encarnados e desencarnados, ensina-nos o poder do homem sobre os Espíritos imperfeitos para os moralizar e os arrancar aos sofrimentos inerentes à sua inferioridade.

10º - Tornando conhecida a magnetização espiritual, que era desconhecida, abre novo caminho ao magnetismo e lhe traz um novo e poderoso elemento de cura.

O mérito de uma invenção não está na descoberta de um princípio, quase sempre conhecido anteriormente, mas na aplicação desse princípio. Sem dúvida a reencarnação não é uma ideia nova, como o perispírito descrito por São Paulo sob o nome de corpo espiritual também não o é, e nem mesmo a comunicação com os Espíritos. O Espiritismo, que não se gaba de ter descoberto a Natureza, procura cuidadosamente todos os traços que pode encontrar da anterioridade de suas ideias e, quando os encontra, apressa-se em os proclamar, como prova em apoio ao que avança. Aqueles, pois, que invocam essa anterioridade visando depreciar o que ele faz, vão contra o seu objetivo e agem desastradamente, porque isto levaria à suspeição de uma ideia preconcebida.

A descoberta da reencarnação e do perispírito não pertence, pois, ao Espiritismo; é coisa resolvida. Mas, até ele, que proveito a Ciência, a moral, a religião haviam tirado desses dois princípios, ignorados pelas massas e ficados em estado de letra morta? Ele não só os expôs à luz, os provou e faz reconhecer como leis da Natureza, mas os desenvolveu e faz frutificar; deles já fez saírem numerosos e fecundos resultados, sem os quais não se faz compreender outras novas e estamos longe de haver esgotado esta mina. Considerando-se que esses dois princípios eram conhecidos, por que ficaram improdutivos por tanto tempo? Por que, durante tantos séculos, todas as filosofias se chocaram contra tantos problemas insolúveis? É que eram diamantes brutos, que deviam ser lapidados. É o que fez o Espiritismo. Ele abriu uma nova via à filosofia ou, melhor dizendo, criou uma nova filosofia, que diariamente ocupa seu lugar no mundo. Então estes resultados são de tal modo nulos que devemos apressar a marcha para descobertas mais verdadeiras e mais sólidas?

Em resumo, de um certo número de verdades fundamentais, esboçadas por alguns cérebros de escol e conservadas, em sua maioria, como que em estado latente, uma vez que foram estudadas, elaboradas e provadas, de estéreis que eram tornaram-se uma mina fecunda, de onde saíram uma multidão de princípios secundários e aplicações, e abriram um vasto campo à exploração, novos horizontes à Ciência, à filosofia, à moral, à religião e à economia social.

Tais são, até hoje(1865), as principais conquistas devidas ao Espiritismo, e não temos feito mais do que indicar os pontos culminantes. Supondo que devessem limitar-se a isto, já nos poderíamos dar por satisfeitos, e dizer que uma ciência nova, que dá tais resultados em menos de dez anos, não pode ser acusada de nulidade, porque toca em todas as questões vitais da Humanidade e traz aos conhecimentos humanos um contingente que não é para desdenhar. Até que esses únicos pontos tenham recebido todas as aplicações de que são susceptíveis, e que os homens os tenham aproveitado, ainda se passará muito tempo, e os espíritas que os quiserem pôr em prática para si próprios e para o bem de todos, não ficarão desocupados.

Esses pontos são outros tantos focos de onde irradiarão inumeráveis verdades secundárias, que se trata de desenvolver e aplicar, o que se faz todos os dias, porque diariamente se revelam fatos que levantam uma nova ponta do véu. O Espiritismo deu sucessivamente e em alguns anos todas as bases fundamentais do novo edifício. Cabe agora aos seus adeptos pôr em obra esses materiais, antes de pedir outros novos. Deus saberá bem lhos fornecer, quando tiverem acabado sua tarefa.

Dizem que os espíritas só sabem o á-bê-cê do Espiritismo. Seja. Que aprendamos, então, a silabar esse alfabeto, o que não será o caso de um dia, porque, mesmo reduzido a estas proporções, passará muito tempo antes de haver esgotado todas as cominações e colhido todos os frutos. Não restam mais fatos a explicar? Aliás, os espíritas não devem ensinar esse alfabeto aos que o ignoram? Já lançaram a semente em toda parte onde poderiam fazê-lo? Não resta mais incrédulos a convencer, obsedados a curar, consolações a dar, lágrimas a enxugar? Há fundamento em dizer que nada mais se deve fazer quando não se terminou a tarefa, quando ainda restam tantas chagas a fechar? São nobres ocupações que valem bem a vã satisfação de as saber um tanto mais e um pouco mais cedo que os outros.

Saibamos, pois, soletrar o nosso alfabeto antes de querer ler fluentemente no grande livro da Natureza. Deus saberá bem no-lo abrir, à medida que avançarmos, mas não depende de nenhum mortal forçar sua vontade, antecipando o tempo para cada coisa. Se a árvore da Ciência é muito alta para que possamos atingi-la, esperemos, para sobrevoá-la, que as nossas asas estejam crescidas e solidamente pregadas, para não virmos a ter a sorte de Ícaro.

Allan Kardec
(Revista Espírita, agosto, de 1865)