Aqui transcrevemos as instruções dos Espíritos sobre “A Regeneração
da Humanidade”, que é complemento para a argumentação sobre o tema “Os Tempos são
Chegados” – Allan Kardec --, que foi apresentado neste blog em cinco partes. Dada à
extensão da exposição, e por ser muito esclarecedora, não fizemos nenhuma
condensação (resumo), pelo que a apresentamos em dois momentos, visando melhor
possibilidade de leitura.
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A REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE
(...). (...) a seguir
é o resumo de várias conversas que tivemos, através de dois dos nossos médiuns
habituais, em estado de sonambulismo extático, e que, ao despertarem, não
conservam nenhuma lembrança. Coordenamos metodicamente as ideias, a fim de lhes
dar mais sequência, suprimindo todos os detalhes e acessórios supérfluos. Os
pensamentos foram reproduzidos rigorosamente, e as palavras também são
textuais, tanto quanto foi possível recolhê-las pela audição.
ALLAN KARDEC
Revista Espírita, outubro
de 1866.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS SOBRE A REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE
(Paris, abril de 1866 – Médiuns: Srs. M. e T., em
sonambulismo)
Os acontecimentos se precipitam com rapidez, de
modo que não vos dizemos mais, como outrora: “Os tempos estão próximos”; agora
dizemos: “Os tempos são chegados.”
Por estas palavras não entendais um novo dilúvio,
nem um cataclismo, nem uma perturbação geral. Convulsões parciais do globo
ocorreram em todas as épocas e ainda se produzem, porque inerentes à sua
constituição, mas são sinais dos tempos.
Entretanto, tudo quanto está predito no Evangelho
deve realizar-se e se cumpre neste momento, como reconhecereis mais tarde. Mas
não tomeis os sinais anunciados senão como figuras, dos quais é preciso captar
o espírito, e não a letra. Todas as Escrituras encerram grandes verdades sob o
véu da alegoria, e é porque os exegetas se apegaram à letra que se extraviaram.
Faltou-lhes a chave para a compreensão de seu verdadeiro sentido. Esta chave
está nas descobertas da Ciência e nas leis do mundo invisível, que o
Espiritismo vos vem revelar. Doravante, com o auxílio desses novos conhecimentos,
o que era obscuro torna-se claro e inteligível.
Tudo segue a ordem natural das coisas e as leis
imutáveis de Deus não serão alteradas. Assim, não vereis milagres, nem
prodígios, nem nada de sobrenatural, no sentido vulgar ligado a estas palavras.
Não olheis o céu para aí buscar sinais
precursores, pois não os vereis e os que vo-los anunciam vos enganarão; mas
olhai em torno de vós, entre os homens; é ai que os encontrareis.
Não sentis como um vento que sopra na Terra e
agita todos os Espíritos? O mundo está à espera e como tomado por um vago
pressentimento à aproximação da tempestade.
Contudo, não acrediteis no fim do mundo material;
a Terra progrediu desde a sua transformação; deve progredir ainda, e não ser
destruída. Mas a Humanidade chegou a um de seus períodos de transformação e a
Terra vai elevar-se na hierarquia dos mundos.
Não é, pois, o fim do mundo material que se
prepara, mas o fim do mundo moral; é o velho mundo, o mundo dos preconceitos,
do egoísmo, do orgulho e do fanatismo que se desmorona; cada dia leva consigo
os seus destroços. Tudo acabará para ele com a geração que se vai, e a geração
nova erguerá o novo edifício que as gerações seguintes consolidarão e
completarão.
De mundo de expiação, a Terra está fadada a
tornar-se um dia um mundo feliz, e nela habitar será uma recompensa, ao invés
de uma punição. O reinado do bem aí deve suceder o do mal.
Para que os homens sejam felizes na Terra, é
necessário que esta só seja povoada de bons Espíritos, encarnados e
desencarnados, que não quererão senão o bem. Sendo chegado esse tempo, uma
grande emigração se realiza neste momento entre os que a habitam; os que fazem
o mal pelo mal e não são tocados pelo sentimento do bem por não serem
dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque aí trariam novamente
a perturbação e a confusão e seriam um obstáculo ao progresso. Irão expiar seu
endurecimento nos mundos inferiores, para onde levarão os conhecimentos
adquiridos e terão por missão fazê-los progredir. Serão substituídos na Terra
por Espíritos melhores, que farão reinar entre eles a justiça, a paz e a
fraternidade.
Já dissemos que a Terra não deve ser transformada
por um cataclismo, que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual
desaparecerá gradualmente, e a nova a sucederá, sem que nada seja mudado na
ordem natural das coisas. Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito,
com uma única diferença, mas esta diferença é capital: uma parte dos Espíritos
que aí se encarnavam não mais encarnarão. Numa criança que nascer, em vez de um
Espírito atrasado e devotado ao mal que se tivesse encarnado, será um Espírito
mais adiantado e devotado ao bem. Trata-se,
pois, muito menos de uma nova geração corporal que de uma nova geração de
Espíritos. Assim, os que esperavam ver a transformação operar-se por efeito
sobrenaturais e maravilhosos ficarão decepcionados.
A época atual é de transição; os elementos das
duas gerações se confundem. Colocados em ponto intermediário, assistis à
partida de uma e à chegada da outra, e cada um já se assinala no mundo pelos
caracteres que lhes são próprios.
As duas gerações que sucedem uma à outra têm
ideias e pontos de vista opostos. Pela natureza das disposições morais, mas,
sobretudo, das disposições intuitivas e inatas, é
fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.
Devendo fundar a era do progresso moral, a nova
geração se distingue por uma inteligência e uma razão geralmente precoces,
aliadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas,
o que é sinal indubitável de certo grau de progresso anterior. Não será
composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles
que, tendo já progredido, estão predispostos a assimilar todas as ideias
progressivas, e aptos a secundar o movimento regenerador.
Ao contrário, o que distingue os Espíritos
atrasados é, primeiro, a revolta contra Deus pela negação da Previdência e de
todo poder superior à Humanidade; depois propensão instintiva às paixões degradantes, aos
sentimentos antifraternos do egoísmo, do orgulho, do ódio, do ciúme, da
cupidez, enfim, a predominância do apego a tudo o que é material.
Tais os vícios de que a Terra deve ser expurgada
pelo afastamento dos que se recusam a emendar-se, porque são incompatíveis com
o reinado da fraternidade e porque os homens de bem sempre sofrerão com o seu
contato. A Terra ficará livre deles e os homens marcharão sem entraves para o
futuro melhor, que lhes está reservado aqui, como prêmio por seus esforços e
por sua perseverança, esperando que uma depuração ainda mais completa lhes abra
a entrada dos mundos superiores.
Por está emigração de Espíritos não se deve
entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra e
relegados a mundos inferiores. Muitos, ao contrário, a ela voltarão, porque
muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; neles a casca
era pior que a essência. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos
preconceitos do mundo corporal, a maioria verá as coisas de maneira
completamente diferente do que quando vivos, do que tendes numerosos exemplos.
Nisto são ajudados pelos Espíritos benevolentes, que por eles se interessam e
que se desvelam em os esclarecer e em lhes mostrar o falso caminho que
seguiram. Por vossas preces e exortações, vós mesmos podeis contribuir para sua
melhoria, porque há solidariedade perpétua entre os mortos e os vivos.
Aqueles, pois, poderão voltar, com o que serão
felizes, pois isto será uma recompensa. Que importa o que tiverem sido ou
feito, se forem animados de melhores sentimentos! Longe de serem hostis à
sociedade e ao progresso, serão auxiliares úteis, porque pertencerão à nova
geração.
Assim, só haverá uma exclusão definitiva para os
Espíritos rebeldes por natureza, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais que a
ignorância, tornam-se surdos à voz do bem e da razão. Mas, mesmo estes não
estão votados a uma inferioridade perpétua, e dia virá em que repudiarão o seu
passado e abrirão os olhos à luz.
Orai, pois, por esses endurecidos, a fim de que
se emendem enquanto é tempo, pois o dia da expiação está próximo.
Infelizmente, por desconhecer a voz de Deus, a
maioria persistirá em sua cegueira e sua resistência marcará o fim de seu reino
por lutas terríveis. Em seu desvario, eles próprios cavarão a sua ruína;
impelirão à destruição, que engendrará uma porção de flagelos e calamidades, de
sorte que, sem o querer, apressarão o advento da era da renovação.
E como se a destruição não marchasse bastante
depressa, ver-se-ão os suicídios multiplicando-se em proporção nunca vista, até
entre as crianças. A loucura jamais terá ferido maior número de homens que,
mesmo antes da morte, serão riscados do número dos vivos. São estes os
verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isto se realizará pelo encadeamento das
circunstâncias, assim como dissemos, sem que em nada sejam derrogadas as leis
da Natureza.
Todavia, através da nuvem sombria que vos
envolve, e em cujo seio brame a tempestade, já vedes surgirem, os primeiros
raios da era nova! A fraternidade assenta os seus fundamentos em todos os
pontos do globo e os povos se estendem as mãos; a barbárie se familiariza ao
contado da civilização; os preconceitos de raças e de seitas, que derramaram
rios de sangue, se extinguem; o fanatismo e a intolerância perdem terreno,
enquanto a liberdade de consciência introduz-se nos costumes e se torna um
direito. Por toda parte fermentam as ideias; vê-se o mal e experimentam-se os
remédios, mas muitos marcham sem bússola e se perdem nas utopias. O mundo está
num imenso processo de gestão, que durará um século. Nesse trabalho, ainda
confuso, vê-se, no entanto, dominar uma tendência para um objetivo: o da
unidade e da uniformidade que predispõem à fraternização.
São ainda sinais do tempo. Mas, enquanto os
outros são os da agonia do passado, estes últimos são os primeiros vagidos da
criança que nasce, os precursores da aurora que o próximo século verá
levantar-se, porque, então, a nova geração estará em toda a sua força. Tanto a
fisionomia do século dezenove difere da do século dezoito, sob certos pontos de
vista, quanto a do século vinte será diferente da do dezenove, sob outros
pontos de vista.
Um dos caracteres distintivos da nova geração será a fé
inata; não a fé exclusiva e cega, que divide os homens, mas a fé raciocinada,
que esclarece e fortifica, que os une e os confunde num comum sentimento de
amor a Deus e ao próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os
últimos vestígios da incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao
progresso moral e social.
ALLAN KARDEC
Revista Espírita, outubro de 1866.
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