domingo, 17 de janeiro de 2010

O VAZIO EXISTENCIAL

A alucinação midiática a serviço do mercantilismo de tudo, vem, a pouco e pouco, dessacralizando o ser humano, que perde o sentido existencial, tombando no vazio agônico de si mesmo.

Numa cultura eminentemente utilitarista e imediatista, o tempo-sem-tempo favorece a fuga da autoconsciência do indivíduo para o consumismo tão arbitrário quão perverso, no qual o culto à personalidade tem primazia, desde a utilização dos recursos de implantes e programas de aperfeiçoamento das formas,com tratamentos especializados e de alto custo, até os sacrifícios cirúrgicos modificando a estrutura da organização somática.

O belo, ou aquilo que se convencionou denominar como beleza, é um dos novos deuses do atual Olimpo, ao lado das arbitrariedades morais e emocionais em decantado culto à liberdade, cada vez mais libertina.

A ausência dos sentimentos de nobreza, particularmente do amor, impulsiona o comércio da futilidade e do ilusório, realizando-se a criatura enganosamente nos objetos e utensílios de grife, que lhe faculta o exibicionismo e a provocação da inveja dos menos favorecidos, disputando-se no campeonato da insensatez.

Em dias de utopia, nos quais se vale pelo que se apresenta e não pelo que se é, o etos convencional, os ideais que dignificam e trabalham as forças morais cedem lugar aos prazeres ligeiros e frustrantes que logo abrem espaço a nova mentirosas necessidades.

O cárcere do relógio impedindo que se vivencie cada experiência em sua plenitude e totalidade, sem saltar-se de uma para outra apressadamente, torna os seus prisioneiros cada vez mais ávidos de novidades, por se lhes apresentar o mundo assinalado pela sua fugacidade.

Exige-se que todos se encontrem em intérmino banquete de alegrias, fingindo conforto e bem-estar nas coisas e situações a que se entregam, distantes embora da realidade e dos significados existenciais.

A tristeza, a reflexão, o comedimento já não merecem, respeito, sendo tidos como transtornos de conduta, numa exaltação fantasiosa e sem limite em relação aos júbilos destituídos de fundamentos.

Certamente, não fazemos apologia desses estados naturais, mas eles constituem pausas necessárias para refazimento emocional nas extravagâncias do cotidiano.

Sempre quando são recalcados e não logram conscientização, inevitavelmente se transformam em problemas orgânicos pelo fenômeno da somatização.

Muito melhor á a vivência da tristeza legítima e necessária, em caráter temporário, do que a falsa alegria, a máscara de felicidade sem conteúdos válidos.

Nesse contubérnio infeliz, tudo é muito rápido, e passa quase sem deixar vestígio da sua ocorrência.

O agora, em programação de longo alcance, elaborado ao amanhecer, logo mais, à tarde, transforma-se em passado distante, sem recordações ou como impositivo de esquecimento para novas formulações prazerosas.

Quando não se vivencia o presente em sua profundidade, perdem-se as experiências que ficaram arquivadas no passado. E todo aquele que não possui o passado nos arquivos da memória atual é destituído de futuro, por faltarem-lhe alicerces para a sua edificação.

Nessa volúpia hedonista, o egotismo governa as mentes e condutas, produzindo o isolamento na multidão e a solidão nos escaninhos da alma.

Todo prazer, que representa alegria real, impõe um alto preço pela falta de espontaneidade, pela comercialização dos seus valores e emoções.

***

Não seja de estranhar-se que a juventude desorientada, sempre arrebatada pela música de mensagem rebelde e agressiva, de conteúdo deprimente e aterrorizante, com a INTERNET exibindo as imagens de adolescentes suicidas em demonstração de coragem e desprezo pela vida, ignore as possibilidades de um futuro risonho que lhes parece falacioso.

Os esportes, que os gregos cultivavam, assim como outros povos, como meios de recreação, arte e beleza – exceção feita aos espetáculos grosseiros nos circos de Roma imperial – vemos alguns deles hoje transformados em campos de batalha, nos quais os seus grupos de aficionados armam-se para rudes refregas com os opositores e em que os atletas não têm outro vínculo com os seus clubes senão o interesse pelos altos rendimentos, favorecem a brutalidade e a barbárie com a destruição de imóveis, veículos e vidas, quando um deles perde na disputa nem sempre honorável...

Aprendendo com os adultos a negar as qualidades do bem e da paz, na azáfama exclusiva do desfrutar, essa aturdida mocidade entrega-se à drogadição, em busca do êxtase que logo passa trazendo-os à realidade decepcionante. O desencanto que se lhes instala de imediato deve ser diminuído no tempo e no espaço, facultando-lhes buscar novos estimulantes ou entorpecentes para esquecer ou para gozar.

Nesse particular, a comercialização do sexo aviltado com os ingredientes do erotismo tecnicista exaure os seus dependentes, consumindo-os.

É inevitável, nesta cultura pagã e perversa, a presença do vazio existencial nas criaturas humanas, suas grandes vítimas.

Apesar da ocorrência mórbida, bem mais fácil do que parece é a conquista dos objetivos da reencarnação.

Pessoa alguma encontra-se na indumentária carnal por impositivo do acaso ou por injunção de um destino cego e cruel.

Existe uma finalidade impostergável no renascimento do Espírito na organização carnal, que se constitui da oportunidade para o autoburilamento por colisões e atritos, qual ocorre com as gemas preciosas que necessitam da lapidação para libertar a luminosidade adormecida no seu interior.

Uma releitura atenta dos códigos de ética e de justiça de todos os tempos proporciona o reencontro com os reais valores que devem nortear a vida humana.

O tecido social ora esgarçado e tênue ante uma revisão sistêmica dos objetivos de elevação moral em favor da aquisição da alegria real, sem as máscaras da mistificação, adquiriria resistência para os enfrentamentos, abrindo espaço para a justiça social, para o auxílio recíproco.

Esse ser biopsicossocial e, antes de tudo, imortal, criado por Deus para viver em plena harmonia durante a viagem orgânica.

Indispensável, pois, se torna, a elaboração de programas educacionais e labores que propiciem a autoconsciência.

As conquistas tecnológicas e midiáticas são neutras em si mesmas, considerando-se os inestimáveis benefícios oferecidos à sociedade terrestre, que saiu da treva e da ignorância para a luz e o conhecimento.

A ganância e os tormentos interiores de alguns dos seus executivos e multiplicadores de opinião respondem pela fabricação de líderes da alucinação, de exibidores da rebeldia, de fanáticos da agressividade e da promiscuidade.

Usada de maneira adequada, encaminhariam com saudável conduta os milhões de vítimas que arrasta, especialmente na inexperiência da juventude rica de sonhos que se transformam em hórridos pesadelos.

O vazio existencial consome o ser e atira-o na depressão, empurrando-o para o suicídio.

Em uma cultura saudável a alegria não impede a tristeza, nem essa atormenta, por constituir-se um fenômeno psicológico natural do ser profundo em si mesmo.

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Se experimentas esse vazio interior, desmotivado para viver ou para laborar em favor do bem-estar pessoal, abre-te ao amor e deixa-te conduzir pelas suas desconhecias emoções que te plenificarão com legítimas aspirações, oferecendo-te um alto significado psicológico e humano.

Reflexiona, pois, na correria louca para lugar nenhum e considera a vida a oportunidade de sorrir e produzir, descobrindo-te útil a ti mesmo e à comunidade.

Mas, se insistir essa estranha sensação, faze mais e melhor, esquecendo-te de ti mesmo, auxilia outrem a lograr aquilo por que anela, e descobrirás que, ao fazê-lo feliz, preenchido de paz, estarás ditosos também.

JOANNA DE ÂNGELIS
Psicografia de Divaldo Pereira Franco
Obra: Atitudes Renovadas, capitulo 9, 1ª edição, 2009.

sábado, 9 de janeiro de 2010

NA EXALTAÇÃO DO AMOR

A folha ressequida que cai, anônima, do pedúnculo em que nasceu, é bem o símbolo do poder oculto de Deus em a Natureza.

Poder que é força, vida e amor...

Quem recolheu?

O Sol? Não. O Vento? Não. O Homem? Não.

A folha desceu por si mesma, segundo os ditames preestabelecidos pelas leis gerais do Universo, para o seio fecundante da Terra que a transforma em novo elemento no laboratório da incessante renovação.

Assim também se movem as criaturas e os destinos.

A folha cai... Os mundos caminham... O homem evolve...

Brilha o Sol, naturalmente, mantendo a Família Planetária nos domínios da Casa Cósmica.

Avança o Vento, sem esforço, nutrindo a euforia das plantas.

Em princípios de soberana espontaneidade, constrói o Homem a própria existência.

Saber não é tudo.

Só o amor consegue totalizar a glória da vida. Quem vive respira. Quem trabalha progride. Quem sabe percebe.

Quem ama respira, progride, percebe, compreende, serve e sublima, espalhando a felicidade.

Siga, pois, seu roteiro, louvando o bem, esquecendo o mal e edificando sem repouso.

Se o caminho é áspero e sombrio, prossiga com destemor.

Lembre-se de que na vanguarda há mais amplo local para a sua esperança.

Busque ouvir a mensagem do amor, onde passe.

Estude amando.

Responda aos imperativos da evolução, amando onde esteja.

Atenda ao semelhante, amando com alegria.

Satisfará, em tudo, a você mesmo, amando sempre.

Na marcha ascendente para o Reino Divino, o Amor é a Estrada Real. As outras vias chamam-se experiências que a Eterna Sabedoria, ainda por amor, traçou à grande viagem das almas para que o espírito humano não se perca.

Antes de você, o amor já era.

Depois de você, o amor será.

Isso, porque o Amor é Deus em tudo.

Viva, assim, a vida, amando-a para entendê-la.

Viver e amar...

Amar e compreender...

Compreender e viver abundantemente...

Ângulos de uma verdade só – a Vida Eterna.

No entanto, viver sem amar é respirar sem trabalho digno; querer com exclusivismo entontecente é contemplar situações e circunstâncias com aprimorismo que geram a enfermidade e a morte.

Se você sabe, portanto, o que é viver, por que não vive?

Só vive realmente quem ama.

Só ama efetivamente quem age para o bem de todos.

Só age, sem dúvida, para o bem de todos, quem compreende que o amor é a base da própria vida.

Fora dessa verdade, há também movimento e ação, mas movimento e ação de sombra que tornará fatalmente à luz em ciclos determinados de choro, provações e martírio.

Nada novo, sempre a Lei, que funciona compassiva, mas inexorável, restituindo a cada sementeira a colheita certa.

Comande a embarcação de seu destino e não atribua a outrem os erros que as suas mãos venham a cometer.

De você mesmo depende a própria viagem.

Instrua a você, sem procurar encobrir, ante a própria consciência, as faltas que lhe arrojam a alma ao desencanto ou alo agravo das próprias necessidades do espírito.

Ainda que a noite lhe envolva o passo, alente, no imo do ser, o dia eterno da fé.

Não se confie ao sabor da invigilância, para que a invigilância não lhe arraste a existência ao sabor do sofrimento.

Antes de nós, o Universo era o Santuário da Glória Divina.

Lembremo-nos, pois, de que Deus nos criou para acrescentar –Lhe a grandeza

Não Lhe diminuamos o esplendor, cultivando a treva...

Enganaremos a forma.

Jamais enganaremos a vida que palpita, triunfante, em nós mesmos.

Aprenda a buscar aquilo de que você carece no próprio aperfeiçoamento, antes que alguém lho ensine a preço de aflição.

Busque o roteiro exato, antes que outros se lhe ofereçam, no dia de sua perturbação, para guias de sua dor.

Força é poder. Ideia é força.

Mas só o amor condiciona o poder para a vitória da luz.

Ame e caminhe. Caminhe e vença.

Anote hoje os seus movimentos, no ritmo do trabalho e da oração, e o amanhã surgirá com brilho sempre novo.

Sorria para os lances mais difíceis da estrada e os panoramas próximos e remotos descerrar-se-ão sorrindo à sua alma.

Não pare senão para refazer o fôlego atormentado.

Mais além, é a estrada de destino.

Não escute o murmúrio das sombras senão para socorrer as vítimas do mal, a fim de que os gemidos enganadores do nevoeiro não lhe anestesiem o impulso de elevação.

A fraternidade ser-lhe-á o anjo-sentinela entre os pântanos da amargura.

Cante o poema da caridade, seja onde for, e as criaturas irmãs, ainda mesmo quando algemadas ao crime, responder-lhe-ão com estribilhos de amor.

Guarde compaixão e a paz ser-lhe-á doce prêmio.

Exemplifique a fé que lhe honra a inteligência e o mundo abençoar-lhe-á todas as palavras.

Amanheça cada dia no serviço que lhe compete e o dever retamente cumprido manterá você, invariavelmente, na manhã luminosa da vida.

Antes de amparar a você, ampare aqueles que, desde muito, suspiram pela migalha de seu amparo.

Antes de nossa vontade, a vontade do Senhor.

Antes do bem para nós, o bem necessário aos outros.

Seja para você a justiça que observa e corrige e seja para o irmão de jornada a bondade que ajuda e absolve sempre.

Sobretudo, guarde a certeza de que o maior se emoldura na humildade que nunca fere.

Coloque você em último lugar e a vida encarregar-se-á de sua própria defesa em qualquer parte.

Ainda mesmo com sacrifício, sob chuvas de fel e gritos de calúnia, renda diariamente o seu culto ao amor e o amor na própria vida brilhará em sua alma, convertendo-a em estrela para a Glória Sem-Fim.

André Luiz
Psicografia de Waldo Vieira, da obra:
O Espírito da Verdade, mensagem
nº 78, publicada em 1961.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A FELICIDADE NÃO É DESTE MUNDO

François-Nicolas-Madelaine
Cardeal Morlot, Paris, 1863


Não sou feliz! A felicidade não foi feita pra mim! Exclama geralmente o homem, em todas as posições sociais. Isto prova, meus caros filhos, melhor que todos os raciocínios possíveis, a verdade desta máxima do Eclesiastes: “A felicidade não é deste mundo”. Com efeito, nem a fortuna, nem o poder, nem mesmo a juventude em flor, são condições essenciais da felicidade. Digo mais: nem mesmo a reunião dessas três condições, tão cobiçadas, pois que ouvimos constantemente, no seio das classes privilegiadas, pessoas de todas as idades lamentarem amargamente a sua condição de existência.

Diante disso, é inconcebível que as classes trabalhadoras invejem com tanta cobiça a posição dos favorecidos da fortuna. Neste mundo, seja quem for, cada qual tem a sua parte de trabalho e de miséria, seu quinhão de sofrimento e desengano. Pelo que é fácil chegar-se à conclusão de que a Terra é um lugar de provas e expiações.

Assim, pois, os que pregam que a Terra é a única morada do homem, e que somente nela, e numa única existência, lhe é permitido alcançar o mais elevado grau de felicidade que a sua natureza comporta, iludem-se e enganam aqueles que os ouvem. Basta lembrar que está demonstrando, por uma experiência multissecular, que este globo só excepcionalmente reúne as condições necessárias à felicidade completa do indivíduo.

Num sentido geral, pode afirmar-se que a felicidade é uma utopia, a cuja perseguição se lançam as gerações, sucessivamente, sem jamais a alcançarem. Porque, se o homem sábio é uma raridade neste mundo, o homem realmente feliz não se encontra com maior facilidade.

Aquilo em que consiste a felicidade terrena é de tal maneira efêmera, para quem não se guiar pela sabedoria, que por um ano, um mês, uma semana de completa satisfação, todo o resto da existência se passa numa sequência de amarguras e decepções. E notai, meus caros filhos, que estou falando dos felizes da Terra, desses que são invejados pelas massas populares.

Consequentemente, se a morada terrena se destina a provas e expiações, é forçoso admitir que existem, além, moradas mais favorecidas, em que o Espírito do homem, ainda prisioneiro de um corpo material, desfruta em sua plenitude as alegrias inerentes à vida humana. Foi por isso que Deus semeou, no vosso turbilhão, esses belos planetas superiores para os quais os vossos esforços e as vossas tendências vos farão um dia gravitar, quando estiverdes suficientemente purificados e aperfeiçoados.

Não obstante, não se deduza das minhas palavras que a Terra esteja sempre destinada a servir de penitenciária. Não, por certo! Porque, do progresso realizado podeis facilmente deduzir o que será o progresso futuro, e das melhoras sociais já conquistadas, as novas e mais fecundas melhoras que virão. Essa é a tarefa imensa que deve ser realizada pela nova doutrina que os Espíritos vos revelaram.

Assim, pois, meus queridos filhos, que uma santa emulação vos anime, e que cada um dentre vós se despoje energicamente do homem velho. Entregai-vos inteiramente à vulgarização desse Espiritismo, que já deu início à vossa própria regeneração. É um dever fazer vossos irmãos participarem dos raios dessa luz sagrada. À obra, portanto, meus caros filhos! Que nesta reunião solene, todos os vossos corações se voltem para esse alvo grandioso, de preparar para as futuras gerações um mundo em que felicidade não seja mais uma palavra vã.


(Mensagem extraída da obra: O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, item 20, tradução de J. Herculano Pires, 43ª edição, LAKE)

domingo, 3 de janeiro de 2010

NECESSÁRIO ACORDAR

“Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e o Cristo te esclarecerá.” -- Paulo. (Efésios, 5:14)

Grande número de adventícios ou não aos círculos do Cristianismo acusa fortes dificuldades na compreensão e aplicação dos ensinamentos de Jesus. Alguns encontram obscuridades nos textos, outros perseveram nas questiúnculas literárias. Inquietam-se, protestam e rejeitam o pão divino pelo envoltório humano de que necessitou para preservar-se na Terra.

Esses amigos, entretanto, não percebem que isto ocorre, porque permanecem dormindo, vítimas de paralisia das faculdades superiores.

Na maioria das ocasiões, os convites divinos passam por eles, sugestivos e santificantes; todavia, os companheiros distraídos interpretam-nos por cenas sagradas, dignas de louvor, mas depressa relegadas ao esquecimento. O coração não adere, dormitando amortecido, incapaz de analisar e compreender.

A criatura necessita indagar de si mesma o que faz, o que deseja, a que propósitos atende e a que finalidades se destina. Faz-se indispensável examinar-se, emergir da animalidade e erguer-se para senhorear o próprio caminho.

Grandes massas, supostamente religiosas, vão sendo conduzidas, através das circunstâncias de cada dia, quais fileiras de sonâmbulos inconscientes. Fala-se em Deus, em fé e em espiritualidade, qual se respirassem na estranha atmosfera de escuro pesadelo. Sacudidas pela corrente incessante do rio da vida, rolam no turbilhão dos acontecimentos, enceguecidas, dormentes e semimortas até que despertem e se levantem, através do esforço pessoal, a fim de que o Cristo as esclareça.

Pelo Espírito EMMANUEL, psicografia de
Francisco Cândido Xavier, da obra:
Pão Nosso, capítulo 68,
publicada em 1950.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Emancipação da Mulher

A propósito da emancipação da mulher, o que era assunto em efervescência nos meados do século XIX, principalmente nos Estados Unidos da América, nas suas casas legislativas, em virtude das propostas de alteração das leis que excluíam a mulher da participação legal nas atividades políticas e cargos de decisão públicos e privados, notamos registro de Allan Kardec, na revista espírita de junho de 1867, que antecipa em mais de um século os resultados desse movimento iniciante. Os fragmentos que anotaremos adiante mostram o quanto o codificador da Doutrina Espírita era capaz de antever as consequências dos processos evolutivos da sociedade humana, comprovando que estava muito além de seu tempo.
Dorival da Silva
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“ (...).
Mas da igualdade dos direitos seria abusivo concluir pela igualdade de atribuições. Deus dotou cada ser de um organismo apropriado ao papel que deve desempenhar na natureza. O da mulher é traçado por sua organização, e não é o menos importante. Há, pois, atribuições bem caracterizadas, conferidas a cada sexo pela própria Natureza, e essas atribuições implicam deveres especiais que os sexos não poderiam cumprir eficazmente saindo de seu papel. Há uns em cada sexo, como de um sexo a outro; a constituição física determina aptidões especiais; seja qual for sua constituição, todos os homens certamente têm os mesmos direitos, mas é evidente, por exemplo, que aquele que não está organizado para o canto não poderia tornar-se cantor. Ninguém lhe pode tirar o direito de cantar, mas esse direito é incapaz de lhe dar as qualidades que lhe faltam. Se, pois, a Natureza deu à mulher músculos mais fracos do que ao homem, é que ela não foi chamada aos mesmos exercícios; se sua voz tem outro timbre, é que não está destinada a produzir as mesmas impressões.


Ora, é para temer, e é o que ocorrerá, que na febre de emancipação que a atormenta, a mulher se julgue apta a preencher todas as atribuições do homem e que, caindo num excesso contrário, depois de ter tido muito pouco, queira ter em demasia. Tal resultado é inevitável, mas absolutamente não é para assustar. Se as mulheres têm direitos incontestáveis, a Natureza tem os seus, que jamais perde. Em breve elas se cansarão dos papéis que não são os seus. Deixai-as, pois, que reconheçam pela experiência sua insuficiência nas coisas às quais a Providência não as requisitou; ensaios infrutíferos as reconduzirão forçosamente ao caminho que lhes é traçado, caminho que pode e deve ser ampliado, mas que não pode ser desviado sem prejuízo para elas próprias, abalando a influência toda especial que elas devem exercer. Reconhecerão que só terão a perder na troca, porque a mulher de atitudes muito viris jamais terá a graça e o encanto que constituem a força daquela que sabe ficar mulher. Uma mulher que se faz homem abdica de sua verdadeira realeza; olham-na como um fenômeno.”
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Depois de (lido o artigo) acima na Sociedade de Paris, foi proposta aos Espíritos, como assunto de estudo, a seguinte questão: Que influência deve ter o Espiritismo sobre a condução da mulher?"
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Nota: Como todas as comunicações obtidas concluíssem no mesmo sentido, referir-nos-emos (Kardec) à seguinte, por ser a mais desenvolvida:


(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 – Médium: Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo – Dissertação verbal)


“Em todos os tempos os homens têm sido orgulhosos; é um vício constitucional, inerente à sua natureza. O homem – falo do sexo – o homem, forte pelo desenvolvimento de seus músculos, pelas concepções um tanto ousadas de seus pensamentos, não levou em conta a fraqueza a que se faz alusão nas santas Escrituras, fraqueza que fez a desgraça de toda a sua descendência. Julgou-se forte e serviu-se da mulher, não como de uma companheira, de uma família, mas dela se servindo do ponto de vista puramente bestial, transformando-a num animal bastante agradável e acostumando-a a manter respeitosa distância do senhor. Mas como Deus não quis que uma metade da Humanidade fosse dependente da outra, não fez duas criações distintas: uma para estar constantemente a serviço da outra. Quis que todas as suas criaturas pudessem participar do banquete da vida e do infinito na mesma proporção.


Nesses cérebros, por tanto tempo mantidos afastados de toda ciência como impróprios a receber os benefícios da instrução, Deus fez nascer, como contrapeso, astúcias que põem em xeque as forças do homem. A mulher é fraca, o homem é forte, concebe-se; mas a mulher é astuciosa e a ciência contra a astúcia nem sempre triunfa. Se fosse a verdadeira ciência, ela a venceria; mas é uma ciência falsa e incompleta, e a mulher facilmente encontra o seu calcanhar de Aquiles. Provocada pela posição que lhe era dada, a mulher desenvolveu o germe que sentia em si; a necessidade de sair do seu aviltamento lhe deu o desejo de romper suas cadeias. Segui sua marcha; tomai-a desde a era cristã e observai-a: vê-la-eis cada vez mais dominante, mas ela não consumiu toda a sua força; conservou-a para tempos mais oportunos e aproxima-se a época em que chegará a sua vez de a exibir. Aliás, a geração que se ergue traz em seus flancos a mudança que nos é anunciada desde muito tempo, e a mulher atual quer ter, na sociedade, um lugar igual ao do homem.


Observai bem; olhai os interiores e vede quanto a mulher tende a liberar-se do jugo; ela reina como senhora, por vezes como déspota. Vós a tiveste vergada por muito tempo; ela se empertiga como uma mola comprimida que se distende, pois começa a compreender que é chegada a sua hora.


Pobres homens! Se refletísseis que os Espíritos não tem sexo; que aquele que hoje é homem pode ser mulher amanhã; que escolhem indiferentemente, e por vezes de preferência, o sexo feminino, antes deveríeis regozijar-vos que vos afligir com a emancipação da mulher, e admiti-la no banquete da inteligência, abrindo-lhe de par em par todas as portas da Ciência, porque ela tem concepções mais finas, mais suaves, toques mais delicados que os do homem. Por que a mulher não poderia ser médica? Muitas mulheres não têm dado provas de sua aptidão por certas ciências? da finura de seu tato nos negócios? Por que, então, os homens reservariam para si o monopólio, senão por medo de vê-las ganhar em superioridade? Sem falar das profissões especiais, a primeira profissão da mulher não é a de mãe de família? Ora, a mãe instruída é mais apta para dirigir a instrução e a educação de seus filhos; ao mesmo tempo que alimenta o corpo, pode desenvolver o coração e o espírito. Sendo a primeira infância necessariamente confiada aos cuidados da mulher, quando esta for instruída a regeneração social terá dado um passo imenso, e é o que será feito.


A igualdade do homem e da mulher teria ainda outro resultado. Ser senhor, ser forte, é muito bom; mas é, também, assumir grande responsabilidade. Partilhando o fardo dos negócios da família com uma companheira capaz, esclarecida, naturalmente devotada aos interesses comuns, o homem alivia a sua carga e diminui sua responsabilidade, ao passo que a mulher, estando sob tutela e, por isto mesmo, num estado de submissão forçada, não tem voto na matéria senão quando o homem houver por bem condescender em lho dar.


Diz-se que as mulheres são muito tagarelas e muito frívolas; mas de quem a falta, senão dos homens que não lhes permitem a reflexão? Dai-lhes o alimento do espírito, e elas falarão menos; meditarão e refletirão. Acusai-as de frivolidade? Mas o que é que elas têm a fazer? – falo sobretudo da mulher do mundo – nada absolutamente nada. Em que ela pode ocupar-se? Se reflete e transcreve seus pensamentos, tratam-na ironicamente de mulher pedante. Se cultiva a ciência ou as artes, seus trabalhos não são levados em consideração, salvo raríssimas exceções e, contudo, como o homem, ela precisa de emulação. Lisonjear um artista é dar-lhe tom e coragem; mas, para a mulher, isto realmente não vale a pena! Então lhes resta o domínio da frivolidade, no qual elas podem estimular-se entre si.
Que o homem destrua as barreiras que seu amor-próprio opõe à emancipação da mulher e logo a verá alçar o seu voo, com grande vantagem para a sociedade. Ficai sabendo que a mulher, como todos vós, tem a centelha divina, porque a mulher é vós, como vós sois a mulher.”

Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos – Junho de 1867, com o título: Emancipação das Mulheres nos Estados Unidos.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ESPÍRITAS E ESPIROLAS

Por Joana Abranches

Já faz algum tempo, uma antiga vizinha sem papas na língua, me vendo sempre às voltas com atividades na Casa Espírita, um dia não resistiu e em meio a uma conversa acabou "soltando" que eu era "muito carola!" Levando a coisa na farra, tentei argumentar: - "Mas eu sou espírita e não católica..." Ela aí não titubeou: - "Então é espirola."

O pitoresco virou piada, mas trouxe à tona uma séria questão. Até onde nós, espíritas, estaremos descambando para o igrejismo e a superficialidade?

Temos visto Grupos tão obsecados com assiduidade e pontualidade, tão cheios de regras, critérios, exigências e uma intolerância tal, que mais parecem a velha e inquisitorial igreja romana da idade média que oficinas fraternas de estudo e vivência do Evangelho de Jesus.

Onde foi que perdemos o rumo da fraternidade? Que paramentos invisíveis ainda nos fazem oscilar entre a pseudo-superioridade dos sacerdotes e a submissão dos beatos?

Em um dos costumeiros papos fraternos com meu saudoso amigo Palhano Jr., uma vez questionei: - Por que será que os espíritas se digladiam tanto por cargos, até mesmo naqueles grupos minúsculos que ficam lá onde Judas perdeu as botas?... Bem-humorado, como sempre, ele me respondeu com uma risadinha marota: - "A briga é pelo poder sobre as almas, minha cara. Muitos espíritas ainda se alimentam da autoridade clerical que tinham, quando nas fileiras do catolicismo. O poder vicia."

Para esse autoritarismo rançoso, o que não faltam são defesas equivocadas. Afinal, Emmanuel recomendou: "Disciplina, disciplina, disciplina." Foi o bastante para que instruções superiores, aplicadas a um contexto específico, se tornassem o jargão justificador da inflexibilidade fria que campeia em nosso meio e que vêm transformando nossas instituições - destinadas a ser escolas do amor - em verdadeiros quartéis de controle e enquadramento. E quantos exageros em nome da disciplina...

Certa vez, uma palestrante habitualmente pontual, chegou à nossa reunião pública em cima da hora. Estava mortificada. Por mais que tentássemos deixá-la à vontade, repetia sem parar que "a espiritualidade tem horário a cumprir." Naquela noite o seu desempenho, obviamente, não foi dos melhores, porém, é perfeitamente compreensível a reação da companheira. Ocorre que se os dirigentes espirituais levam em conta que estamos na matéria, sujeitos a limitações e imprevistos comuns à vida terrena, os dirigentes encarnados, em grande maioria, não o fazem. Numa afirmação de poder, até mesmo inconsciente, sobretudo com relação aos médiuns, insistem em generalizar, e saem por aí a prodigalizar suspensões ou prescrições de inumeráveis passes e palestras doutrinárias, até que o faltoso ou atrasadinho, supostamente reequilibrado, mas no fundo, punido, possa então reconquistar a permissão de voltar às atividades... Haja penitência!

Façamos o dever de casa. No Livro dos Médiuns, cap.XXIX, top. 333, ao tratar das reuniões espíritas, o codificador é muito claro: "Se bem que os espíritos prefiram a regularidade, os verdadeiramente superiores não são meticulosos a este ponto. A exigência de uma pontualidade rigorosa é um sinal de inferioridade, como tudo o que é pueril."

É preocupante, também, a falta de naturalidade com que as pessoas têm se comportado no ambiente espírita. Observa-se uma despersonalização e um formalismo alarmantes, em lugar da camaradagem espontânea que deveria existir entre irmãos. Não raro, rir e brincar interreuniões parece ser, implícita ou explicitamente, proibido: - "Quebra a vibração." Cada vez mais, os cumprimentos espontâneos e afetivos têm dado lugar a frases feitas, piegas e que soam muito falso. Na fala, como na escrita, temos substituído expressões carinhosas e simples do cotidiano por uma linguagem impessoal, "santificada" e obsoleta, incompatível com os novos tempos. Ah, as palavras ensaiadas... Os gestos contidos... Ladainhas do passado, ainda tão presentes, a nos distrair de nós mesmos...

Nas Casas Espíritas, dirigentes preocupados apenas em dirigir e coordenadores tão somente concentrados em coordenar, esquecem o essencial: AMAR. Casas se agigantam e pessoas viram número, em ambientes tão impecáveis quanto frios. Alguém notou a tristeza daquele companheiro ou a ausência daquele outro? Ocupados em crescer, no quantitativo, ignoramos Kardec a recomendar grupos pequenos e o alerta do próprio Chico, que já dizia: - "Em Casa que muito cresce o amor desaparece."

Perdidos numa burocracia sem sentido, senhas e formulários vão aos poucos tomando o lugar do coração e transformando nossos atendimentos fraternos em patética mistura de clínica psicológica e confessionário, onde o indivíduo precisa seguir à risca as etapas cronometradas do tratamento para obter "alta" ou "absolvição." Assim, desorientados orientadores, em tom grave e superior, seguem dando receitas iguais para problemas diferentes. Alguém sofreu uma perda e busca notícias do ente querido desencarnado? Que vá "baixar" noutro Centro, porque nos mais ortodoxos ouvirá rispidamente que o telefone só toca "de lá pra cá" e fim. A alegação é que a mediunidade não está a serviço de problemas "domésticos" e sim de coisas mais sérias. Valei-me Chico Xavier! Quanta saudade da mediunidade a serviço do amor, do consolo aos desesperados de toda a sorte...

Nas reuniões públicas, companheiros carrancudos às portas das cabines de passe chamam com voz cavernosa: - Os próximos! E aquele que está indo pela primeira vez fica a imaginar que ritual terrível deve acontecer naquela salinha escura onde todos entram cabisbaixos, como bois para o matadouro. Diretores severos, após comoventes preces, olham por baixo dos óculos com olhar de censura para a mãe de alguma criança que chora, ou pedem que se retire. Médiuns coreografados sincronizam movimentos como se fossem clones uns dos outros. Qualquer semelhança com farisaísmo, lamentavelmente, não será mera coincidência?

Na Evangelização, criança que chega atrasada volta; Se falta muito é cortada, mesmo aquela que mais precisa da orientação e do pão. A mãe, senhora simplória assistida pelo Grupo e que muitas vezes sequer tem o dinheiro da passagem, ouve um duro sermão de alguém que ignora a sua difícil realidade. Normas são normas. Quem negligenciar a frequência dos filhos não tem direito à cesta básica. O tom é incisivo. Muitos dirão que é necessário usar estratégias para evangelizar "os nossos irmãos que mais precisam". Talvez tenham razão... Parece que só os espíritas já não precisam mais do Evangelho...

Navegantes desatentos às ciladas da superfície, não percebemos o risco de naufrágio iminente. Parecemos surdos à conclamação do Espírito de Verdade: - "Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento" - E indiferentes à terna advertência de José, Espírito Protetor, a nos lembrar que "a indulgência atrai, acalma, reergue, ao passo que o rigor desencoraja, afasta e irrita."Até quando continuaremos atraídos pelo canto da sereia?

Há que se ter humildade para repensar nossas práticas doutrinárias, reconhecer equívocos, resgatar a doutrina simples e libertária de Jesus. Há que se ter coragem para mudar, para substituir a frieza dogmática que tem nos engessado pela convivência fraterna, calorosa e solidária que nos identificará, de fato, como cristãos redivivos.

Espíritas ou "espirolas"... O que temos sido? O que realmente queremos ser? Cada um se perceba e se responda.

Ainda há tempo.

*Joana Abranches é Assistente Social, escritora e Presidente da Sociedade Espírita Amor Fraterno Vitória/ES -

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Benefícios do Conflito

“As reuniões espíritas oferecem grandíssimas vantagens, por permitirem que os que nelas tomam parte se esclareçam, mediante a permuta das ideias, pelas questões e observações que se façam, das quais todos aproveitam. Mas, para que produzam todos os frutos desejáveis, requerem condições especiais, que vamos examinar; porquanto erraria quem as comparasse às reuniões ordinárias.”


O Livro dos Médiuns – cap. XXIX – item 324



Feliz e inspirada recordação do Codificador. Comparar as reuniões espíritas a qualquer ajuntamento seria perder seu caráter educativo, seus frutos desejáveis. Com muita propriedade ele se refere às condições especiais, concitando-nos a pensar sobre os cuidados na condução dos grupos.


Uma situação amiúde conturbadora das reuniões, sejam elas de que natureza for, são os conflitos entre seus componentes. O entrechoque de ideias gera as escaramuças, depositárias de alta dosagem de sentimentos nem sempre ajustados ao bem e ao crescimento grupal. Estabelecem-se elas rotineiramente como expressão tácita das diferenças, conquanto nem sempre sejam os conflitos administrados com objetivos salutares, na arregimentação da concórdia e do proveito possíveis, a que tais atritos podem oferecer.


A análise de semelhante tema será significativa a fim de conduzir-nos a uma outra face dos conflitos, geralmente desprezada, e que deve caracterizar os círculos da convivência espírita. Consideremo-los como sintomas que denunciam os misteres de ajustes entre seus membros, sendo que, quase sempre, surgem em razão da deficiência de comunicação que cria barreiras e bloqueia a criatividade.


A comunicabilidade de uma equipe determina sua fluência e produtividade. Quando tratamos de comunicabilidade intragrupal, não damos ênfase à forma como são expressas as mensagens, mas, acima disso, aos sentidos de apreensão da mensagem, aos sentidos pessoais, individuais, a ela atribuídos. Raramente procura-se ouvir e ensejar participação verbal e operacional nos serviços de equipe, propiciando que se enraíze uma face oculta nos mesmos, desconhecida, subliminar, porém, altamente determinante sobre o processo de consolidação ou desestruturação do todo. O estudo dessa nuança será de grande relevância para a eficácia dos resultados e a superação dos empeços nas realizações levadas a efeito por composições de pessoas, seja para que fins se agrupem.

Condicionamentos milenares no egoísmo sedimentaram o conceito de oposição a tudo que se escape de identificarem harmonia com nossa ótica pessoal de vida. Quantos guardem entendimento diversificado são tomados como onipotentes ou adversários nas relações interpessoais. Dificilmente nutrimos a mesma admiração pelos que contrariem nossos pontos de análise ou pelos que demonstrem insatisfação com nossas ideias, com nossos sentidos empregados ao entendimento dos fatos e dos conhecimentos.


As vivências sociais na religião e na política durante longo tempo estimularam ainda mais o caráter de indisposição declarada para quem não “reza pela nossa cartilha”. Nasce então o sectarismo como forma violenta de “resolver” as contendas, excluindo os contendores.


Conciliado com essa conotação de “ser contra” associou-se o sentimento de “gostar menos”, e os conflitos passaram a ser interpretados como uma “arena” na qual têm que haver vitoriosos e derrotados. Esse enforque faz-nos perder o que mais precioso pode existir nos lances conflituosos: o aprendizado e a dilatação da criatividade na busca de soluções.


Por essa razão será imperativo que os dirigentes e as próprias equipes doutrinárias orientem-se sempre ao treino e ao desenvolvimento da inteligência emocional, em favor das condições especiais de uma vida relacional sadia e enobrecedora, procurando enfocar os embates como sinais e notas. Sinais que indicam rumos a serem seguidos e notas que avaliam nossas reações ante as provas da tribulação.


Será de bom alvitre o cultivo das habilidades que envolvem a “negociação” e a busca de soluções, da empatia, da liderança participativa. Quando agimos com disciplina emocional, recorrendo à assertividade, isto é, ao domínio sobre o cosmo emocional, os atritos são educativos e podem levar a profundas reciclagens. Isso porque, quase sempre, os embates da vida em grupo só ocorrem em razão dos processos conflitantes que carregamos conosco mesmos, optando por sentidos nem sempre harmonizados ao bom senso e consenso grupais, vindo a extravasar-se, circunstancialmente, como objetivos personalistas.


Ante semelhantes fatos, a atitude de “neutralidade” emocional e meditação serão indício de maturidade afetiva e reeducação dos sentimentos nas convivências tormentosas.


Os homens estiveram em desatinado conflito com Jesus, com suas ideias, com suas movimentações, embora Ele, pacífico e sereno, conduzia os provocantes a mergulharem em si mesmos e a descobrirem suas insatisfações, frustrações e as raízes de suas emoções perturbadoras, com as quais intentavam afetar o equilíbrio do Mestre.


Nos grupos doutrinários muitos asseveram a necessidade de unanimidade, determinando que amoráveis seriam as equipes sem problemas e que jamais tivessem de conflitar. Entretanto, oficialmente essa será a tônica de grupamentos sérios e autênticos. Paulo, o missionário de Tarso, fala-nos do “bom combate”, aquele que vale a pena ser deflagrado para a introspecção, a autoavaliação, o bom conflito.


Grupos sem conflitos não crescem tanto quanto poderiam e, porque não exista o desentendimento e os desacertos manifestados, nenhuma garantia há de que, intimamente, os componentes não estejam em “litígios”. Eis a importância da sinceridade fraterna, com pleno respeito pelas opiniões alheias, adotando lídima postura de alteridade ante os diferentes e as diferenças, buscando entender as razões subjetivas de cada componente para seu proceder, conhecendo-lhe com mais profundidade os dramas pessoais, sem o que ele será apenas mais um no aglomerado de pessoas. Essa é a tarefa que distingue um grupo que cria elos de afeto de uma reunião de criaturas que se ajuntam sem tecer a rede da fraternidade legítima.


Convenhamos que as tribulações surgem em razão das estruturas íntimas que carreamos para a vida de relações, chamando-nos algumas vezes a muita paciência e tolerância com o outro. Em verdade, a luta é toda nossa, pois ainda não conseguimos decretar a alforria desejada sobre muitas imperfeições, guardando expressivos limites na forma de interpretar as mensagens que compõem o nosso campo de ação doutrinário.


Assumamos em quaisquer circunstâncias de luta a diretriz do perdão, evitando magoar-se com as ações alheias em razão do incômodo que nos causem. Melhor perdoar a ter que carpir o arrependimento.


Ante as tribulações do conflito que não pudemos evitar, recolhamo-nos em atitude elevada, longe dos reflexos costumeiros das emoções conturbadas, e preparemo-nos para extrair suas lições.


Arrimemo-nos na oração nos instantes em que nos situarmos na zona dos conflitos, não perdendo os frutos do teste de abnegação e harmonia. Diluamos a angústia proveniente de semelhantes ocasiões fazendo um autoexame leal com a consciência, procedendo a uma decisão incomum e educativa que venha somar nos destinos das tarefas às quais somos colaboradores, adotando a postura de humildade e desculpa, distante do orgulho dos pontos de vista pessoais, ensejando que a brisa da concórdia possa roçar os nossos corações no entendimento e fraternidade.


Façamos assim e saberemos extrair o grande benefício do conflito que é a sua capacidade de abalar nossas certezas.


Só os invigilantes e autossuficientes têm certeza de tudo e não querem renunciar as suas verdades pessoais em busca de novos horizontes.


Habituando-nos paulatinamente a esse mister aprenderemos a arte sublime de debater com a vida e com todos, sem o exaurir desnecessário de forças interiores nos entrechoques da convivência, convertendo cada ocasião de conflito em convite à promoção pessoal, ainda que o outro não deseje o mesmo.

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Amigos queridos da direção de grupos.


Envidemos esforços pela renovação de conceitos em nossos conjuntos cooperadores.


Discordar com acerto é uma habilidade a ser cultivada na escola do centro espírita que ser-nos-á valoroso preventivo contra o dogmatismo e a perigosa monopolização cultural.


Temos observado que o melindre, essa doença de nossas mentes, tem sido álibi para que se evite dizer o que se pensa, excedendo-se em cuidados e proteção, suprimindo a sinceridade edificante que deveria constituir-se em uma das condições especiais prioritárias citadas pelo codificador em nosso trecho de análise.


Evidentemente, cuidar para verbalizar as críticas ou discordâncias é vigilância operante, contudo, evitar a verdade, a pretexto de prudência, é omissão conivente.


Nossos grupamentos precisam aprender a lidar com os momentos de aspereza ou alteração emocional com equilíbrio e resistência para que não se tornem “flores de estufa”, que ao primeiro golpe murcham em suas metas e desistem de seus ideais, acalentando profundas e doloridas mágoas.


Grupos que se amam verdadeiramente sabem dizer o que pensam, conflitar sem perder o amor uns pelos outros, conquanto isso custe ter que conviver com um “lado” que gostariam de já ter superado no campo das emoções.


Estejamos atentos com a santidade de superfície que tem dominado alguns conjuntos espíritas, que se desestruturam em fases de aferição. Decididamente, e sem receios, saibamos sondar a face oculta dos grupamentos doutrinários e oferecer condições aos demais para essa iniciativa, a fim de que ela não se transforme em sombra agradável para exploração obsessiva.


Os benefícios do conflito superado são muito extensos e fortalecedores, mas só serão possíveis se cuidarmos dessas condições especiais em fazer reinar entre os integrantes os valores do afeto, do estudo, da conversa franca, do tempo para conviver, da amizade respeitosa sem os excessos da intimidade, do trabalho operoso e do estudo libertador, primando pelo cultivo de laços genuinamente cristãos.


Sejam os dirigentes de equipes os primeiros a saberem externar com lucidez e ponderação os seus reclames, seus alertas, suas insatisfações, orientando aos demais como falar das emoções sem ter que extravasá-las em ações que geram mal-estar. Eis a habilidade da parcimônia, da conciliação, da contestação terna, que leva o grupamento a penetrar o sombrio mundo das insatisfações pessoais, escudados pela afabilidade e doçura reinantes, criando assim o bom conflito, doloroso, incômodo, porém, benéfico e promotor.


Ermance Dufaux


(Extraído do livro Laços de Afeto, 1ª ed., editora INEDE, pág. 160/164,
 psicografia do médium: Wanderley Soares de Oliveira)