Os tempos são chegados (parte 3)
Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas
consequências e não o tenha circunscrito à produção de alguns fenômenos,
compreende que ele abre à Humanidade uma nova via e lhe desdobra os horizontes
do infinito. Iniciando-os nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe seu
verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo,
tanto no estado espiritual quanto no estado corporal. O homem não marcha mais
às cegas: sabe de onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se
lhe mostra em sua realidade, isento dos preconceitos da ignorância e da
superstição; já não é uma vaga esperança; é uma verdade palpável, tão certa
para ele quanto a sucessão dos dias e das noites. Sabe que o seu ser não está
limitado a alguns instantes de uma existência, cuja duração está submetida ao
capricho do acaso; que a vida espiritual não é interrompida pela morte; que já
viveu, que reviverá ainda e que de tudo que adquire em perfeição pelo trabalho,
nada fica perdido; encontra em suas existências anteriores a razão do que é
hoje, e do que hoje a si faz, pode concluir o que será um dia.
Com o pensamento de que a atividade e a cooperação
individuais na obra geral da civilização são limitadas à vida presente, que
nada se foi e nada se será, que interessa ao homem o progresso
ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam mais bem
governados, mais ditosos, mais esclarecidos, melhores uns para os outros? Uma
vez que disso não tira nenhum proveito, para ele esse progresso não está
perdido? De que lhe serve trabalhar para os que vierem depois, se jamais os
deverá conhecer, se são seres novos que, eles também, pouco depois, entrarão no
nada? Sob o império da negação do futuro individual, tudo se reduz,
forçosamente, às mesquinhas proporções do momento e da personalidade.
Mas, ao contrário, que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade de seu ser
espiritual! que força, que coragem, não haure ele contra as vicissitudes da
vida material! Que de mais reacional, de mais grandiosos, de mais digno do
Criador que esta lei, segundo a qual a vida espiritual e a vida corporal não
passam de dois modos de existência, que se alternam para a realização do
progresso! Que de mais justo e mais consolador que a ideia dos mesmos seres
progredindo sem cessar, primeiro através das gerações de um mesmo mundo e,
depois, de mundo em mundo, até a perfeição, sem solução de continuidade! Assim,
todas as ações têm um objetivo, porquanto, trabalhando para todos, trabalha-se
para si, e reciprocamente, de tal sorte que o progresso individual e o
progresso geral jamais são estéreis; aproveitam às gerações e às
individualidades futuras, que outra coisa não são que as gerações e as
individualidades passadas, chegadas a um mais alto grau de adiantamento.
A vida espiritual é a vida normal e eterna do Espírito e a
encarnação é apenas uma forma temporária de sua existência. Salvo a vestimenta
exterior, há, pois, identidade entre os encarnados e os desencarnados; são as
mesmas individualidades sob dois aspectos diversos, ora pertencendo ao mundo
visível, ora ao mundo invisível, encontrando-se ora num, ora noutro,
concorrendo, num e noutro, para o mesmo objetivo, por meios apropriados à sua a
situação.
Desta lei decorre a da perpetuidade das relações entre os
seres; a morte não os separa, não põe termo às suas relações simpáticas e nem
aos seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um, e de cada um
para todos; daí, também, a fraternidade. Os homens só
viverão felizes na Terra quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus
corações e em seus costumes, porque, então, a eles sujeitarão suas leis e suas
instituições. Será este um dos principais resultados da transformação que se
opera.
Mas, como conciliar os deveres da solidariedade e da
fraternidade com a crença de que a morte torna os homens para sempre estranhos
uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das relações que ligam todos os seres,
o Espiritismo funda esse duplo princípio sobre as próprias leis da Natureza;
disto faz não só um dever, mas uma necessidade. Pela lei da pluralidade das
existências o homem se liga ao que está feito e ao que será feito, aos homens
do passado e aos do futuro; não mais poderá dizer que nada tem de comum com os
que morrem, pois uns e outros se encontram incessantemente, neste e no outro
mundo, para subirem juntos a escada do progresso e se prestarem mútuo apoio. A
fraternidade não está mais circunscrita a alguns indivíduos, que o acaso reúne
durante uma vida efêmera; é perpétua como a vida do Espírito, universal como a
Humanidade, que constitui uma grande família, cujos membros, em sua totalidade,
são solidários uns com os outros, seja qual for a época em que tenham
vivido.
Tais são as ideias que ressaltam do Espiritismo, e que ele
suscitará entre todos os homens, quando estiver universalmente espalhado,
compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo a fraternidade, sinônimo
da caridade pregada pelo Cristo, não é mais uma palavra vã; tem a sua razão de
ser. Do sentimento da fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres
sociais, de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça. Destes dois
sentimentos bem compreendidos sairão, forçosamente, as mais proveitosas
instituições para o bem-estar de todos.
Allan Kardec - Revista Espírita - outubro de 1866
Allan Kardec - Revista Espírita - outubro de 1866