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A REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE
A REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE
O Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque
destrói os dois maiores obstáculos que a ela se opõem: a incredulidade e o
fanatismo. Dá uma fé sólida e esclarecida; desenvolve todos os sentimentos e
todas as ideias que correspondem às vistas da nova geração. Por isto é como que
inato e em estado de intuição no coração de seus representantes. A era nova
vê-lo-á, pois, crescer e prosperar pela força mesma das coisas. Tornar-se-á a
base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as instituições.
Mas, daqui até lá, quantas lutas terá ainda de
sustentar contra os seus dois maiores inimigos: a incredulidade e o fanatismo,
que, coisa bizarra, se dão as mãos para o abater! Eles pressentem seu futuro e
sua ruína, razão por que o temem, pois já o veem plantar, sobre as ruínas do
velho mundo egoísta, a bandeira que deve unir todos os povos. Na divina máxima: Fora
da caridade não há salvação, leem sua própria condenação, porque é
o símbolo da nova aliança fraternal proclamada pelo Cristo. Ela se lhes mostra
como as palavras fatais do festim de Baltazar. E, contudo, deviam bendizer esta
máxima, porque os garante contra todas as represálias da parte dos que
perseguem. Mas não, uma força cega os impele a rejeitar a única coisa que os
poderia salvar!
Que poderão eles contra o ascendente da opinião
que os repudia? O Espiritismo sairá triunfante da luta, não o duvideis, porque,
estando nas leis da natureza é, por isto mesmo, imperecível. Vede por que
multidão de meios a ideia se espalha e penetra em toda parte; crede bem que
esses meios não são fortuitos, mas providenciais; aquilo que, à primeira vista,
pareceria dever prejudicá-lo, é o que precisamente o que ajuda a sua
propagação.
Logo verá surgirem campeões altamente
reconhecidos entre os homens mais considerados e mais acreditados, que o
apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo, e imporão silêncio aos
seus detratores, porque não ousarão tratá-los de loucos. Esses homens o estudam
no silêncio e se mostrarão quando chegar o momento propício. Até lá, convém que
se mantenham afastados.
Logo também, vereis as artes aí beber, como numa
fonte fecunda, e traduzir seus pensamentos e os horizontes que descobre pela
pintura, a música, a poesia e a literatura. Já vos foi dito que haveria um dia
a arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande
verdade, porque os maiores gênios nele se inspirarão. Em breve vereis os seus
primeiros esboços, e mais tarde ele ocupará o lugar que deve ter.
Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens
de coração e devotamento. Não vos assusteis com os obstáculos, pois nenhum
deles poderá entravar os desígnios da Providência. É um posto de honra que vós
mesmos pedistes, e do qual vos deveis tornar dignos por vossa coragem,
perseverança e devotamento. Ditosos os que sucumbirem nesta luta contra a
força; mas a vergonha será, no mundo dos Espíritos, para os que sucumbirem pela
fraqueza ou pela pusilanimidade. Aliás, as lutas são necessárias para
fortificar a alma; o contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem.
Sem as lutas que estimulam as faculdades, o Espírito deixar-se-ia arrastar por
uma indiferença funesta ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos
desenvolvem as forças físicas e a inteligência; as lutas contra o mal
desenvolvem as forças morais.
Observações – 1º -- A maneira pela qual
se opera a transformação é muito simples e, como se vê, é toda moral e em nada
se afasta das leis da Natureza. Por que, então, os incrédulos repelem essas
ideias, já que nada têm de sobrenatural? É que, segundo eles, a lei de
vitalidade cessa com a morte do corpo, ao passo que para nós ela prossegue sem
interrupção; eles restringem sua ação e nós a estendemos. Eis por que dizemos
que os fenômenos da vida espiritual não saem das leis da Natureza. Para eles o
sobrenatural começa onde acaba a apreciação pelos sentidos.
2º -- Quer os Espíritos da nova geração sejam
novos Espíritos melhores, quer os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o
mesmo. Desde o instante que trazem melhores disposições, é sempre uma
renovação. Os Espíritos encarnados formam, assim, duas categorias, conforme
suas disposições naturais: de uma parte, os Espíritos retardatários que partem;
de outra, os Espíritos progressistas que chegam. O estado dos costumes e da
sociedade estará, pois, num povo, numa raça ou no mundo inteiro, na razão do
das duas categorias que tiver a preponderância.
Para simplificar a questão, consideremos um povo,
num grau qualquer de adiantamento, e composto de vinte milhões de almas, por
exemplo. Fazendo-se a renovação dos Espíritos à medida das extinções, isoladas
ou em massa, necessariamente houve um momento em que a geração dos Espíritos
retardatários ultrapassava em número a dos Espíritos progressistas, que apenas
contavam raros representantes sem influência, e cujos esforços para fazer
predominar o bem e as ideias progressistas estava paralisados. Ora, partindo
uns e chegando outros, após um dado tempo as duas forças se equilibram e sua
influência se contrabalança. Mais tarde, os recém-chegados são maioria e sua
influência torna-se preponderante, conquanto ainda entravada pela dos
primeiros; estes, continuando a diminuir, enquanto os outros se multiplicam,
acabarão por desaparecer. Chegará, então, o momento em que a influência da nova
geração será exclusiva.
Assistimos a esta transformação, ao conflito que
resulta da luta das ideias contrárias, que procuram implantar-se. Umas marcham
com a bandeira do passado, outras com a do futuro. Se se examinar o estado
atual do mundo, reconhecer-se-á que, tomada em seu conjunto, a Humanidade
terrestre ainda está longe do ponto intermediário, em que as forças se
contrabalançam; que os povos, considerados isoladamente, estão a uma grande
distância uns dos outros, nesta escada; que alguns alcançam este ponto, mas
nenhum ainda o ultrapassou. Aliás, a distância que o separa dos pontos extremos
está longe de ser igual em duração, e uma vez transposto o limite, o novo
caminho será percorrido com tanto mais rapidez, quanto uma imensidão de
circunstâncias o virão aplainar.
Assim se realiza a transformação da Humanidade.
Sem a emigração, isto é, sem a partida dos Espíritos retardatários, que não
devem voltar, ou que só voltarão depois de se terem melhorado, nem por isto a
Humanidade terrena ficará indefinidamente estacionária, porque os Espíritos
mais atrasados por sua vez progridem; mas, teriam sido precisos séculos, talvez
milhares de anos, para atingir o resultado que meio século bastará para
realizar.
Uma comparação vulgar fará se compreenda melhor
ainda o que se passa nessa circunstância. Suponhamos um regimento, em sua grande
maioria composto de homens turbulentos e indisciplinados: estes provocarão
incessantes desordens, que a severidade da lei penal muitas vezes terá
dificuldade em reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque mais
numerosos; sustentam-se, encorajam-se e se estimulam pelo exemplo. Os poucos
bons não têm influência; seus conselhos são desprezados; são ultrajados,
maltratados pelos outros e sofrem este contato. Não é a imagem da sociedade
atual?
Imaginemos que tais homens sejam retirados do
regimento, um a um, cem a cem, e substituídos por igual número de bons
soldados, mesmo pelos que tiverem sido expulsos, mas que se tenham emendado
seriamente: ao cabo de algum tempo ter-se-á sempre o mesmo regimento, mas
transformado. A boa ordem nele terá sucedido a desordem. Dar-se-á o mesmo com a
Humanidade regenerada.
As grandes partidas coletivas não apenas terão
como objetivo ativar as saídas, mas transformar mais rapidamente o espírito da
massa, desembaraçando-a das más influências, e dar maior ascendente às ideias
novas.
Eis por que muitos partem, a despeito de suas
imperfeições, a fim de se retemperarem numa fonte mais pura, porque estão
maduros para esta transformação. Se tivessem ficado no mesmo meio e sob as
mesmas influências, teriam persistido em suas opiniões e em sua maneira de ver
as coisas. Basta uma estada no mundo dos Espíritos para lhes abrir os olhos,
porque aí veem o que não podem ver na Terra. O incrédulo, o fanático, o
absolutista poderão, assim, voltar com ideias inatas de fé, de tolerância e de liberdade.
Em seu regresso, encontrarão as coisas mudadas e sofrerão o ascendente do novo
meio onde nascerem. Em vez de fazer oposição às idéias novas, serão seus
auxiliares.
Assim, a regeneração da Humanidade não necessita
absolutamente da renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em
suas disposições morais. Esta modificação se opera em todos os que a isto forem
predispostos, quando subtraídos à influência perniciosa do mundo. Nem sempre os
que voltarem serão outros Espíritos, mas, muitas vezes, os mesmos Espíritos,
pensando e sentindo diversamente.
Quando essa melhora é isolada e individual, passa
desapercebida e não tem influência ostensiva no mundo. Outro será o efeito,
quando operada simultaneamente em grandes massas, porque, então, conforme as
proporções, em uma geração as ideias de um povo ou de uma raça poderão ser
modificadas profundamente.
É o que se nota quase sempre depois dos grandes
abalos que dizimam as populações. Os flagelos destruidores só destroem o corpo,
mas não atingem o Espírito; ativam o movimento de vaivém entre o mundo corporal
e o mundo espiritual e, em consequência, o movimento progressivo dos Espíritos
encarnados e desencarnados.
É um desses movimentos gerais que se opera neste
momento, e que deve desencadear o remanejamento da Humanidade. A multiplicidade
das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque deve
apressar a eclosão dos novos germes. São as folhas de outono que caem, e às
quais sucederão novas folhas, cheias de vida, pois a Humanidade tem as suas
estações, como os indivíduos as suas idades. As folhas mortas da Humanidade
caem, levadas pela ventania, para renascer mais vivazes, sob o mesmo sopro de
vida, que não se extingue, mas se purifica.
Para o materialista, os flagelos destruidores são
calamidades sem compensação, sem resultados úteis, porquanto, segundo ele, aniquilam
os seres sem retorno. Mas para o que sabe que a morte apenas
destrói o envoltório, eles não têm as mesmas consequências e não lhe causam o
menor pavor, porque compreende o seu objetivo e sabe também que os homens não
perdem mais morrendo em conjunto do que isoladamente, uma vez que, de uma ou de
outra maneira, é preciso sempre lá chegar.
Os incrédulos rirão destas coisas e as tratarão
como quimeras. Mas, digam o que disserem, não escaparão à lei comum; cairão por
sua vez, como os outros e, então, o que acontecerá? Dizem: nada.
Mas viverão, a despeito de si mesmos, e um dia serão forçados a abrir os olhos.
ALLAN KARDEC
Revista Espírita, outubro
de 1866.