Reunião
pública de 16/10/59
Questão nº 383
Questão nº 383
Quando abraçares teu filho, no conforto doméstico, fita essas outras
crianças que jornadeiam sem lar.
*
Dispões de alimento abundante para que teu filho se mantenha em linha de
robustez.
Essas outras crianças, porém, caminham desnorteadas, aguardando os restos
da mesa que lhes atiras, com displicência, findo o repasto.
*
Escolhes a roupa nobre e limpa de que teu filho se vestirá, conforme a
estação.
Todavia, essas outras crianças tremem de frio, recobertas de andrajos.
*
Defendes teu filho contra a intempérie, sob teto acolhedor, sustentando-o
à feição de joia no escrínio.
Contudo, essas outras crianças cochilam estremunhadas, na via pública,
quando não se distendem no espaço asfixiante do esgoto.
*
Abres ao olhar deslumbrado de teu filho os tesouros da escola.
E essas outras crianças suspiram debalde pela luz do alfabeto, acabando,
muita vez, encerradas no cubículo das prisões, à face da ignorância que lhes
cega a existência.
*
Conduzes teu filho a exame de pediatras distintos, sempre que entremostre
leve dor de cabeça.
Entretanto, essas outras crianças, minadas por moléstias atrozes,
agonizam em leitos de pedra, sem que mão amiga as socorra.
*
Ofereces aos sentidos de teu filho a festa permanente das sugestões
felizes, através da educação incessante.
No entanto, essas outras crianças guardam olhos e ouvidos quase sempre
sintonizados no lodo abismal das trevas.
*
Afaga, assim, teu filho no trono familiar, mas desce ao pátio da provação
onde essas outras crianças se agitam em sombra ou desespero e ajuda-as, quanto
possas!
*
Quem serve no amor do Cristo sabe que a boa palavra e o gesto de carinho,
o pedaço de pão e a peça de vestuário, o frasco de remédio e a xícara de leite
operam maravilhas.
*
Proclamas, a cada passo, que esperas, confiante, o esplendor do futuro,
mas, enquanto essas outras crianças chorarem desamparadas, clamaremos em vão
pelo mundo melhor.
Página extraída da obra: Religião dos Espíritos, capítulo
72, onde o Espírito Emmanuel tece
comentários e reflexões sobre questões de O Livro dos Espíritos, através da
psicografia de Francisco Cândido Xavier, em reuniões públicas, sendo a presente
página referente à questão indicada no início, tanto quanto a data da reunião.
REFLEXÃO:
Para que o leitor possa se situar, com relação à questão 383 de O Livro dos
Espíritos, a transcrevemos abaixo:
383. Qual, para este [o Espírito], a
utilidade de passar pelo estado de infância?
“Encarnado, com o objetivo de se aperfeiçoar,
o Espírito, durante esse período, é mais acessível às impressões que recebe,
capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para o que devem contribuir os
incumbidos de educá-lo.”
Todos os apontamentos do Espírito Emmanuel
chamam a atenção para o desencontro de cuidado existente entre o filho
pequeno que está dentro de casa e aqueles que estão sem amparo regular de suas
famílias, relegados às ruas. No entanto, o que mais aviva a responsabilidade é
a sentença final do texto: “Proclamas, a
cada passo, que esperas, confiante, o esplendor do futuro, mas, enquanto essas
outras crianças chorarem desamparadas, clamaremos em vão pelo mundo melhor.” O Estudo em análise foi realizado em 1959, há quase 60
anos, e muito pouco se fez pelas crianças em desamparo. Uma parte considerável,
que conseguiu se tornar adulta, se extraviavam para a criminalidade. Outra
seguiu o possível, vivendo à margem da sociedade de maior potencialidade
econômica, com educação deficiente e cultura praticamente inexistente,
procriaram formando família sem estrutura mínima, com exceção, multiplicando
filhos também com pouca assistência, formando um círculo vicioso.
Filhos sem os cuidados devidos
dos pais educam-se pela influência do meio social onde se encontram, geralmente
um meio de influência nociva.
Nos tempos atuais, com as
exigências modernas, e as novas normas sociais, onde os cônjuges com muitas
obrigações no campo profissional, sempre ressalvando as exceções, mas em boa
parte há a transferência dos cuidados das crianças a terceiros, outros
familiares ou profissionais, embora recebam informações e cuidados, não são os
pais que cuidam, ficando, em parte, também abandonados da assistência
educacional destes.
A responsabilidade dos pais
pela educação dos filhos, diante da Lei Natural, é intransferível; exceto
quando a própria Lei Natural faz a transferência, com a morte do pai ou da mãe
ou de ambos; em conta a Lei de Causa e Efeito; aí haverá a transferência para
outros responsáveis, que diante da mesma Lei, assumirão a condição de pais.
No noticiário hodierno, verifica-se o registro de uma população carcerário de mais de 600 mil pessoas, no
Brasil, todas foram crianças e faltou-lhes, em grande parte, a educação de
berço, a formação de um caráter equilibrado.
Como ensina a resposta da
questão inicialmente citada, a criança é acessível as impressões que recebe,
estão prontas para acolher as orientações adequadas, alterando na sua
intimidade espiritual hábitos negativos adquiridos em outra vida, que agora tem
a possibilidade de os substituir por novos interesses ou diminuir a influência que
essas ideias exercem na continuidade da vida.
O futuro melhor, que ofereça a segurança, respeito aos direitos da pessoa, depende da
qualidade das pessoas que comporão a população do futuro, por isso que nascem e
morrem indivíduos todos os dias, sempre renovando as gerações, são as
oportunidades para a educação.
É preciso a renovação constante
das ideias, dos costumes, do “modus vivendi”, é o renascer, é o reeducar, superando-se
as deficiências, é “construir um novo
futuro”. Seria injustiça se não
existisse a possibilidade de experimentar uma nova realidade, num outro
contexto, com outras pessoas (pelos menos personas), embora possam ser os mesmos
Espíritos que retornaram em novos corpos. “Deus
é Justo”.
“(...), enquanto
essas outras crianças chorarem desamparadas, clamaremos em vão pelo mundo
melhor.” Foi assim no
passado, verifica-se no presente, e cabe a cada pessoa os esforços para mudar o
futuro, assumindo as suas responsabilidades diante da sociedade, começando
pelos próprios filhos, estendendo os seus préstimos àqueles que, seja por qual
motivo for, estão à margem das possibilidades evolutivas, cabendo ao mais forte
socorrer o mais fraco.
Não adianta clamar pelo mundo melhor, é preciso construí-lo.
Dorival da Silva