Os tempos são chegados (parte 5)
Neste grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um
papel considerável, não o Espiritismo ridículo, inventado pela crítica
zombeteira, mas o Espiritismo filosófico, tal qual o compreende quem quer que
se dê ao trabalho de procurar a amêndoa dentro da casca. Pelas provas que ele
traz das verdades fundamentais, preenche o vazio que a incredulidade faz nas
ideias e nas crenças; pela certeza que dá de um futuro conforme a justiça de
Deus e que a mais severa razão pode admitir, ele tempera as amarguras da vida e
previne os funestos efeitos do desespero. Tornando conhecidas novas leis da
Natureza, o Espiritismo dá a chave de fenômenos incompreendidos e problemas até
agora insolúveis, e mata, ao mesmo tempo, a incredulidade e a superstição. Para
ele não há sobrenatural nem maravilhoso; tudo se realiza no mundo em virtude de
leis imutáveis. Longe de substituir um exclusivismo por outro, arvora-se como
campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as
formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para todos os homens de bem,
e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de chegarem, por seus esforços,
pela expiação e pela reparação, à perfeição, pois só ela conduz à suprema
felicidade. Ao invés de desencorajar o fraco, encoraja-o, mostrando-lhe o fim
que pode atingir.
Não diz: Fora do Espiritismo não há salvação,
mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação,
princípio de união, de tolerância, que congraçará os homens num sentimento
comum de fraternidade, em vez de os dividir em seitas inimigas. Por este outro
princípio: Fé inabalável só o é a que pode
encarar frente a frente à razão, em todas as épocas da Humanidade,
destrói o império da fé cega, que aniquila a razão, da obediência passiva, que
embrutece; emancipa a inteligência do homem e levanta o seu moral.
Consequente consigo mesmo, não se impõe; diz o que é, o que
quer, o que dá e espera que a ele venham livremente, voluntariamente; quer ser
aceito pela razão, e não pela força. Respeita todas as crenças sinceras e não
combate senão a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia, que são as
chagas da sociedade e os mais sérios obstáculos ao progresso moral; mas não
lança o anátema a ninguém, nem mesmo aos seus inimigos, porque está convencido
de que o caminho do bem está aberto aos mais imperfeitos e que, mais cedo ou
mais tarde, nele entrarão.
Se imaginarmos a maioria dos homens imbuídos desses
sentimentos, facilmente poderemos figurar as modificações que trarão às
relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para todos, tolerância
para todas as crenças, tal será sua divisa. É o fim para o qual, evidentemente,
tende a Humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que se dê
muita conta dos meios de as realizar; ela ensaia, hesita, mas é detida pelas
resistências ativas ou pela força da inércia dos preconceitos, das crenças
estacionárias e refratárias ao progresso. São essas resistências que devem ser
vencidas e isto será a obra da nova geração. Se seguirmos o curso atual das
coisas, reconheceremos que tudo parece predestinado a lhe abrir a estrada; ela
terá por si o duplo poder do número e das ideias, além da experiência do
passado.
Assim, a nova geração marchará para a realização de todas as
ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que tiver chegado.
O Espiritismo, marchando para o mesmo objetivo e realizando seus planos, eles
se encontrarão no mesmo terreno, não como concorrentes, mas como auxiliares,
prestando-se mútuo apoio. Os homens de progresso encontrarão nas ideias
espíritas uma poderosa alavanca e o Espiritismo encontrará nos homens novos
espíritos inteiramente dispostos a acolhê-lo. Nesse estado de coisas, que
poderão fazer os que quisessem opor obstáculos?
Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a
maturidade da Humanidade que faz desta renovação uma necessidade. Por seu poder
moralizador, por suas tendências progressivas, pela amplidão de suas vistas,
pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é, mais que qualquer
outra doutrina, apto a secundar o movimento regenerador, razão por que é seu
contemporâneo. Veio no momento em que podia ser útil, também para ele os tempos
são chegados; mais cedo, teria encontrado obstáculos intransponíveis;
inevitavelmente teria sucumbido, porque os homens, satisfeitos com o que
tinham, ainda não sentiam a necessidade do que ele traz. Hoje, nascido com o
movimento das ideias que fermentam, encontra o terreno preparado para
recebê-lo. Cansado da dúvida e da incerteza, acolhem como numa tábua de
salvação e uma suprema consolação.
Dizendo que a Humanidade está madura para a regeneração, isto
não quer dizer que todos os indivíduos o sejam no mesmo grau, mas muitos têm,
por intuição, o germe, das ideias novas, que as circunstâncias farão eclodir;
então eles se mostrarão mais adiantados do que se pensava, e seguirão com ardor
o impulso da maioria.
Há, entretanto, os que são refratários por natureza, mesmo
entre os mais inteligentes e que, certamente, jamais se ligarão, pelo menos
nesta existência, uns de boa-fé, por convicção, outros por interesse. Aqueles
cujos interesses materiais estão ligados ao estado presente das coisas, e que
não são bastante adiantados para dele fazer abnegação, que o bem geral toca
menos que o seu bem pessoal, não podem ver sem apreensão o menor movimento
reformador; para ele a verdade é uma questão secundária ou, melhor dito, a
verdade está toda inteira no que não lhes causa nenhuma perturbação; aos olhos,
todas as ideias progressivas são subversivas, razão por que lhes votam um ódio
implacável e lhes fazem uma guerra encarniçada. Muito inteligentes para não ver
no Espiritismo um auxiliar dessas ideias e os elementos da transformação, que
temem porque não se sentem à sua altura, esforçam-se para o abater; se o
julgassem sem valor e sem alcance, com ele não se preocupariam. Aliás já o
dissemos: “Quanto maior é uma ideia, mais adversários encontra, e pode medir-se
a sua importância pela violência dos ataques de que ela é objeto.”
O número dos retardatários sem dúvida ainda é grande, mas que
podem contra a onda que sobe, senão lançar-lhe algumas pedras? Essa onda é a
geração que surge, enquanto eles desaparecem com a geração que vai a largos
passos. Até lá defenderão o térreo palmo a palmo. Há, pois, uma luta
inevitável, mas desigual, porque é a do passado decrépito, que cai em farrapos,
contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a
vontade de Deus, porque os tempos por ele marcados são chegados.
Allan Kardec - Revista Espírita - outubro de 1866
Allan Kardec - Revista Espírita - outubro de 1866
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