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                                        | 
                                                     
                                                    
                                                    Princesa 
                                                    Isabel com a faixa de 
                                                    imperatriz e, à direita, no 
                                                    juramento da Constituição 
                                                    perante o Senado imperial 
 | 
                                       
                                        | 
                                                     
                                                    
                                                    
                                                    
                                                    J. Raul Teixeira: 
                                                    "Saímos
                                            de um contexto de escravidão
                                            física dos homens de epiderme
                                            negra, para 
                                             vermos toda a Terra chafurdada 
                                             na escravidão moral" 
 | 
                                       
                                        | 
                                            | 
                                       
                                        | 
                                            
                                             
Há exatamente
                                            119 anos, no dia 13 de maio de 1888,
                                            Princesa Isabel assinava a Lei
                                            Áurea: estava decretada a
                                            Abolição da Escravatura no Brasil,
                                            evento que teve contra si grandes e
                                            poderosos interesses, sobretudo dos
                                            fazendeiros de café de Minas Gerais
                                            e São Paulo e dos latifundiários
                                            do Nordeste, mas que resultou de uma
                                            nova ordem de idéias, iniciada na
                                            Europa e frutificada nas Américas. 
                                            Homens ilustres, como Nabuco, 
                                            Patrocínio e Bezerra de Menezes, 
                                            lutaram pela abolição, cuja 
                                            importância, pouco mais de um século 
                                            depois, não pode ser desprezada a 
                                            pretexto  
                                             | 
                                        
                                                | 
                                       
                                        | 
                                            
                                              de que as dificuldades econômicas 
                                              e sociais ainda persistem no país 
                                              e atingem, em maior profundidade, 
                                              os descendentes dos antigos 
                                              escravos. | 
                                       
                                        | 
                                            
                                             
Nesta entrevista,
                                            o conhecido orador espírita
                                            professor J. Raul Teixeira, de
                                            Niterói, RJ, analisa a questão do
                                            racismo e da escravidão em nosso
                                            País, reconhecendo que a Lei
                                            Áurea, apesar dos muitos e graves
                                            problemas sociais que promoveu,
                                            constituiu o primeiro passo, a fim
                                            de que "outros passos viessem
                                            depois, mais importantes". 
A seguir, a
                                            entrevista concedida por Raul
                                            Teixeira: 
                                            
"Todos os
                                            movimentos de libertação 
                                            das almas têm sempre relevantes 
                                            ascendentes espirituais" 
                                            
– Muitos
                                            Centros Espíritas repelem as
                                            comunicações mediúnicas dos
                                            chamados "pretos velhos",
                                            por medo de que isso os confunda com
                                            a prática umbandista. Você é
                                            favorável a essa discriminação? 
Raul
                                            – Os Centros Espíritas,
                                            comprometidos com a Doutrina
                                            Espírita, não costumam nutrir
                                            preconceitos em relação a
                                            quaisquer Espíritos, em suas
                                            sessões mediúnicas, que têm por
                                            escopo, exatamente, o atendimento e
                                            o entendimento fraterno a todos os
                                            desencarnados que se comuniquem. O
                                            que não deveremos esquecer é que a
                                            reunião mediúnica, orientada pelo
                                            Espiritismo, obedece a uma
                                            "nobre e suave disciplina
                                            evangélica", iniciando-se com
                                            a maturidade e equilíbrio dos
                                            médiuns e passando pela não
                                            permissão de excessos
                                            dispensáveis. Assim, não sou
                                            favorável a discriminações, mas,
                                            sim, à lucidez espírita diante de
                                            quaisquer Entidades. 
                                            
                                            
– Pesquisa
                                            divulgada pela revista Veja aponta a
                                            existência de racismo em nosso
                                            país. Existe racismo também no
                                            movimento espírita? 
Raul –
                                            Considerando-se que o problema do
                                            racismo é um problema de
                                            mentalidade obtusa e de pequenez
                                            interior, não entendo que haja
                                            racismo em nosso movimento
                                            espírita, mas admito a sua
                                            existência em indivíduos que, de
                                            fato, não representam o Movimento.  
                                            
– Os escravos
                                            podiam andar bem vestidos, mas
                                            andavam sem sapatos: andar calçado
                                            era, no Império, privilégio dos
                                            alforriados. Estabelecida a
                                            Abolição, a ascensão dos
                                            ex-escravos à cidadania foi freada
                                            em toda a parte. Ambos os fatos
                                            demonstram que o racismo era o
                                            elemento central da ordem
                                            sócio-econômica que conduziu a
                                            transição da escravidão ao
                                            trabalho livre. O mundo melhorou
                                            desde então? Somos menos racistas
                                            atualmente? 
Raul – É
                                            perceptível que o mundo melhorou.
                                            Somos menos racistas, pelos
                                            próprios fenômenos
                                            sócio-educacionais, pela
                                            imposição da vida moderna, pelos
                                            progressos das leis que, sendo
                                            frutos dos caracteres, influem,
                                            igualmente, sobre eles.  
                                            
– Recente
                                            estatística informa que 38% de
                                            todos os africanos deportados da
                                            África, em três séculos e meio de
                                            escravidão nas Américas, vieram
                                            para o Brasil. Quem eram esses
                                            Espíritos? 
Raul –
                                            Informam-nos os Benfeitores da Vida
                                            Maior que esses Espíritos eram
                                            indivíduos que portavam débitos
                                            graves perante a Consciência
                                            Cósmica, carecendo, assim, de se
                                            submeterem a processos
                                            reeducacionais de profundidade.
                                            Deveriam se reajustar no árduo
                                            labor do amanho da terra e da
                                            geração do progresso, exercitando
                                            paciência e amor, resignação e
                                            fé ardente. Os abusos dos senhores
                                            escravos, embora estivessem nas
                                            faixas de possibilidades de que
                                            ocorressem, correm por conta do
                                            livre-arbítrio mal aplicado, pelo
                                            que são responsáveis.  
                                            
– Qual o
                                            significado espiritual da
                                            escravatura no Brasil? Sua
                                            abolição, a última registrada no
                                            planeta, teve ascendentes
                                            espirituais relevantes? 
Raul – Os
                                            africanos que para o Brasil vieram,
                                            desde o século XVI, arrancados da
                                            velha África, deveriam, em razão
                                            de velhos comprometimentos
                                            sócio-morais, contraídos por
                                            diversas partes do Velho Mundo,
                                            resgatar por meio de árduo trabalho
                                            a liberação das suas
                                            consciências, sob o amparo do
                                            Cristo. Entretanto, o
                                            livre-arbítrio dos dominadores, que
                                            poderiam ter sido rígidos
                                            instrutores, empreiteiros do
                                            progresso, fê-los tornarem-se
                                            cruéis exploradores, instigadores
                                            de revoltas indescritíveis. É todo
                                            um largo processo histórico,
                                            político, espiritual, merecendo
                                            mais acurados estudos e análises
                                            mais arejadas. Todos os movimentos
                                            de libertação das almas e dos
                                            processos planetários, significando
                                            conquistas evolutivas de realce,
                                            têm sempre relevantes ascendentes
                                            espirituais, em razão de toda uma
                                            programação dos Guias do Orbe,
                                            que, em nome de Jesus, trabalham
                                            pelo mais intenso desenvolvimento do
                                            mundo.  
                                            
"A verdadeira
                                            data comemorativa das lutas 
                                            dos negros, no Brasil, deveria ser o
                                            dia 20 de 
                                            novembro, dia do Zumbi dos
                                            Palmares"  
                                            
– Os negros
                                            brasileiros que se destacam nos
                                            diversos setores das artes, da
                                            literatura e da política consideram
                                            o Dia Nacional do Negro no Brasil
                                            não o dia 13 de maio, mas, sim,
                                            aquele em que morreu Zumbi, o líder
                                            do Quilombo dos Palmares, cuja
                                            organização e funcionamento são
                                            destacados por documentos holandeses
                                            e por Humberto de Campos na obra
                                            "Brasil Coração do Mundo
                                            Pátria do Evangelho". Qual é
                                            a sua avaliação dessa escolha? 
Raul –
                                            Sendo a existência do Quilombo dos
                                            Palmares, àquela época, o mais
                                            audacioso e importante esforço pela
                                            libertação, e tendo em Zumbi, que
                                            era sobrinho de Ganga Zumba e de
                                            Gana Zola, o substituto do primeiro
                                            tio à frente do Quilombo, na
                                            condição de seu último chefe,
                                            penso que a verdadeira data
                                            comemorativa das lutas dos negros,
                                            no Brasil, de fato, deveria ser o
                                            dia 20 de novembro, dia do Zumbi dos
                                            Palmares, símbolo de intrepidez
                                            nessa luta que prossegue, em outros
                                            níveis, até o presente.  
                                            
– Em 18 de
                                            abril de 1857, 31 anos antes da
                                            assinatura da Lei Áurea, "O
                                            Livro dos Espíritos" já
                                            ensinava que a escravidão é
                                            contrária à natureza e um abuso da
                                            força. Para os Espíritos, o homem
                                            que se vale da escravidão é sempre
                                            culpado. Só os ignorantes, aqueles
                                            que desconhecem o Cristianismo –
                                            dizem os Espíritos – é que podem
                                            contar com fatores atenuantes diante
                                            da prática desse abuso. Estará
                                            aí, nessa exploração abusiva,
                                            injusta e cruel, a fonte dos males
                                            morais e materiais que se têm
                                            abatido com todo o vigor sobre a
                                            nação brasileira? A culpa por
                                            tantos desmandos, pelo arbítrio,
                                            pelo tratamento desumano, que
                                            caracterizaram o sistema escravista,
                                            é uma dívida do País ou apenas de
                                            alguns brasileiros que se envolveram
                                            diretamente com o tráfico e o uso
                                            de escravos? 
Raul – Não
                                            podemos olvidar que múltiplos
                                            senhores e senhoras de escravos,
                                            além de tantos que tiraram proveito
                                            dessa prática espúria, acham-se
                                            reencarnados de novo sobre o solo do
                                            Brasil, a fim de quitarem, por meios
                                            diversos, os pesados ônus da
                                            lesa-fraternidade e da
                                            lesa-humanidade dos períodos
                                            escravagistas do nosso País. Tendo
                                            sido parte da legislação do País
                                            aceita pelos governos e pelo povo,
                                            em geral, é notório o
                                            comprometimento com o escravismo,
                                            que, sem dúvida, repercute hoje
                                            sobre a consciência da vida
                                            nacional, até que se hajam
                                            transformado, com amor e trabalho,
                                            as energias viciadas que ainda
                                            marcam o psiquismo do Brasil.  
                                            
– Como
                                            conciliar a existência da
                                            escravidão no Brasil com o fato de
                                            este país ter sido colonizado sob a
                                            égide do Cristianismo e com o
                                            título, que Humberto de Campos
                                            (Espírito) lhe atribui, de
                                            coração do mundo e pátria do
                                            Evangelho? 
Raul – O
                                            Cristianismo do Cristo muito se
                                            distingue do cristianismo dos
                                            cristãos. Assim é que tantos
                                            abusivos atos foram e são cometidos
                                            em nome do Cristianismo, sem que se
                                            especificasse tratar-se do segundo.
                                            Na alusão de Humberto de Campos
                                            encontramos a mesma gravidade da
                                            previsão de Jesus, ao afirmar que a
                                            Terra seria o mundo renovado do
                                            porvir, quando no mundo encontramos,
                                            ainda, toda sorte de loucuras,
                                            guerras e materialismo, e que, como
                                            o Brasil, espera no tempo as
                                            possibilidades de alcançar o seu
                                            destino traçado no Mais Além.  
                                            
"A Lei Áurea
                                            terá promovido muitos e graves 
                                            problemas sociais, mas representou o
                                            primeiro passo, a 
                                            fim de que outros viessem depois,
                                            mais importantes" 
–
                                            Qual tem sido o papel da raça negra
                                            na construção da nacionalidade? 
                                            
                                            
Raul
                                            – Representa, nos alicerces
                                            culturais do Brasil, abençoada
                                            contribuição para a elaboração
                                            dos fatores étnicos das gentes
                                            brasileiras, além de ter
                                            contribuído para o espalhamento das
                                            crenças espirituais, em suas
                                            ligações com a Natureza, o que bem
                                            demarca o sentimento espiritualista
                                            do povo. 
                                            
                                            
– Como é a
                                            atuação do negro no movimento
                                            espírita brasileiro? 
Raul – Como
                                            a de qualquer outro indivíduo, uma
                                            vez que no Movimento Espírita não
                                            há lugar para isolamentos ou
                                            participações especiais de
                                            quaisquer raças. Somos todos
                                            espíritas e, por isso, devemos
                                            trabalhar pela própria redenção,
                                            negros, brancos, vermelhos ou
                                            amarelos.  
                                            
– Discute-se
                                            ainda hoje este problema: a Lei
                                            Áurea, ao lançar no mercado um
                                            contingente enorme de criaturas
                                            desacostumadas a viver em liberdade
                                            e sem qualificação profissional,
                                            não teria a importância que as
                                            comemorações de seu centenário
                                            pretendem dar-lhe. Qual a sua
                                            opinião a respeito? 
Raul –
                                            Pensando historicamente, a Lei
                                            Áurea terá promovido muitos e
                                            graves problemas sociais, em razão
                                            dos elementos apontados na sua
                                            pergunta, e outros vários. Porém,
                                            mesmo com os dramas que aturdiram a
                                            tantos ex-escravos, agora libertos,
                                            tais como o drama da
                                            desqualificação profissional da
                                            maioria, das represálias de
                                            ex-senhores que não os aceitavam
                                            mais em seus latifúndios, ainda que
                                            fosse até se arrumarem melhor,
                                            etc., entendemos que o primeiro
                                            passo estava dado, a fim de que
                                            outros passos viessem depois, mais
                                            importantes. Deveremos, assim,
                                            valer-nos dessa conquista legal,
                                            para a legitimação, ampliação e
                                            conscientização das liberdades do
                                            ser humano, a fim de que se torne
                                            útil, no cumprimento dos seus
                                            deveres de criatura realmente livre.
                                             
                                            
– Que é que
                                            falta para que os descendentes da
                                            raça negra possam ter os mesmos
                                            direitos e a mesma participação
                                            que os brancos desfrutam em nossa
                                            sociedade atual? 
Raul –
                                            Creio que, enquanto estivermos dando
                                            um excessivo valor às diferenças
                                            raciais, a tendência será a
                                            perpetuação dos desregramentos
                                            emocionais vigentes, à semelhança
                                            das violências entre estouvados que
                                            torcem por times diferentes,
                                            admitindo que o seu seja sempre o
                                            melhor. Os descendentes da raça
                                            negra, devidamente conscientizados
                                            pelo lar, pela escola, de que no
                                            Brasil a legislação não sustenta
                                            qualquer tipo de racismo, e
                                            aprendendo que não deverá
                                            valorizar qualquer racismo
                                            individualista ou grupal, mas que
                                            deverá pautar sua vida na
                                            dignidade, no trabalho nobre, na
                                            participação consciente e ativa
                                            nos variados episódios e segmentos
                                            da sociedade, estará laborando para
                                            que seja respeitado como ser humano,
                                            independente da sua raça. 
O entendimento e
                                            respeito às Leis de Deus, que regem
                                            a vida das criaturas da Terra, em
                                            muito clarificará entendimentos
                                            para que não nos atropelemos,
                                            gerando ou mantendo qualquer nível
                                            de preconceito. A educação
                                            cristã, o entendimento espírita,
                                            acerca da reencarnação, a firmeza
                                            de propósitos no bem, enquanto na
                                            convivência social, certamente é o
                                            de que carecemos para desmantelar as
                                            edificações extra-oficiais do
                                            racismo, do preconceito e seus
                                            sequazes. 
Hoje,
                                            infelizmente, saímos de um contexto
                                            de escravidão física dos homens de
                                            epiderme negra, para vermos toda a
                                            Terra, brancos, negros e outras
                                            raças, chafurdada no mais tremendo
                                            processo de escravidão que podemos
                                            conhecer: a escravidão da alma aos
                                            vícios e desequilíbrios, o que
                                            constitui a escravidão moral.
                                            Unamo-nos, todos, de todas as
                                            raças, para conjurar esse flagelo
                                            terrível, sob a luz das lições do
                                            nosso Mestre Jesus, com a bússola
                                            que nos enseja a Doutrina Espírita. 
  
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Coluna extraída da Revista Eletrônica "O Consolador", que poderá ser acessada através do endereço:  http://www.oconsolador.com.br/5/entrevista.html 
                                            
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