A
nova geração em A Gênese *
Sandra Maria Borba Pereira
A temática da transição planetária
está presente em nosso movimento espírita há algum tempo. Eventos tratam do assunto, livros são publicados,
palestras repetidas pelos quadrantes do país e fora dele.
Diante do quadro atual de violência
em grande escala e fenômenos naturais destrutivos, ecoam as palavras: os tempos são chegados do fim do mundo!
Na quinta obra da Codificação
Espírita, Kardec nos presenteia com o capítulo que encerra o livro, São chegados os tempos, nos oferecendo
lúcidas e atuais reflexões em torno desse palpitante assunto para nos
esclarecer e alertar, acalmar e motivar a nossa atitude perante a vida.
Sinais
dos tempos
Partindo das previsões alarmantes
de algumas denominações religiosas sobre os sinais
dos tempos, assinalados por Deus, Allan Kardec, na sua natural argumentação
dialética, começa por evitar posições antagônicas e radicais buscando
compreender, antes de tudo, o sentido dessa expressão. Homem de veia racional começa por
tranquilizar o leitor -- espírita ou não – afirmando¹: se a nossa época está designada para a realização de certas coisas,
é que estas têm uma razão de ser na marcha do conjunto.
O fio condutor de toda argumentação
kardequiana diz respeito à lei à qual estamos todos submetidos: homens,
sociedades, astros. É essa uma lei que atua tanto nas transformações físicas do
nosso planeta quanto na depuração moral dos Espíritos, na sua destinação à perfectibilidade. No campo mais propriamente material nos
defrontamos com as sucessivas mudanças ocorridas em nosso orbe. No campo moral
– e isso é por demais importante – algumas características revelam – ou poderão
revelar – o alcance ou não de um certo progresso, a saber¹: desenvolvimento da inteligência, do senso
moral e do abrandamento dos costumes.
Não pensemos, porém, que esses progressos se deem de forma isolada. Na
sua visão dialética, Kardec acentua que o homem é também artífice do progresso
material do globo através de sua ação intelectual e pragmática, quando
responsável e produtiva para as coletividades e para a própria Natureza. É o
chamado de atenção para a educação ambiental já apresentada nos idos de 1868
pelo Codificador.
Analisando o tema, Kardec nos
esclarece sobre o mecanismo da Lei do Progresso, situando-o em dois modus operandi¹: um lento, gradual e insensível e outro caracterizado por mudanças bruscas, a cada uma das quais
corresponde um movimento ascensional mais rápido.
Entrelaçando Deus, as Leis Naturais
e o Homem, nos esclarece o mestre lionês que o progresso da Humanidade se
opera, no geral, obedecendo à Lei Divina e, nos detalhes, subordinando-se ao
livre-arbítrio dos homens, o que explicaria a diversidade das consequências do
progresso, de comunidade para comunidade.
Dizer que os tempos são chegados seria, pois, dizer que a humanidade está madura para subir um degrau¹.
Seguindo a linha de raciocínio
kardequiano chegamos a um ponto fundamental da Lei do Progresso: a vontade
divina, em meio aos desassossegos da Natureza e vontades/ações dos homens, é
que mantém a Unidade do Universo ainda quando se nos apareçam destacadas as perturbações dos elementos naturais e
desequilíbrios individuais e sociais, frutos das ações humanas na sua
construção histórica.
A essa altura do texto situa o
Codificador que a Humanidades terrena atingiu incontável progresso como
resultado concreto do avanço da Ciência e das Artes, exigindo dos homens a
enorme tarefa de realizar um outro progresso, o moral, que consiste em² fazerem que entre si reinem a caridade, a
fraternidade, a solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral.
Destacando a necessidade de uma
educação moral voltada para os bons sentimentos, afirma ainda²: Já não é somente de desenvolver a
Inteligência o de que os homens necessitam, mas de elevar o sentimento e, para
isso, faz-se preciso destruir tudo o que superexcite neles o egoísmo e o
orgulho.
É essa a fase que devemos perseguir
para assinalar de fato um novo período progressivo da Humanidade que deverá ser
caracterizado por uma nova ordem social, caracterizada pelo progresso moral³, ou seja, por uma
mudança radical na conduta moral dos homens.
Longe de condenar o bem-estar
material (e nem o poderia dado ser o direito de viver o primeiro direito do
Espírito encarnado e nisso está incluída a necessidade do bem-estar material,
que não deve ser confundido com coisas supérfluas), Kardec esclarece que esse
não basta para se garantir um mundo melhor. Segue-se à busca de um estado de bem-estar
material a necessidade de se construir um bem-estar
sociomoral. O Codificador parecia
ver o futuro que hoje nos mostra nações com alto nível de renda per capita e de
riqueza em meio às drogas, ao suicídio, à pedofilia.
Para a Humanidade terrena chegou
uma nova fase: a fase adulta, que reclama a superação de seus erros e ilusões
pelo crescimento moral, único caminho capaz de assegurar a felicidade aos
homens. As ideias se renovam com a renovação das próprias gerações que,
lentamente, amadurecem, modificando aspirações, superando necessidades e
métodos, ampliando os horizontes do futuro. Nesse trânsito, um paradigma novo sobre a vida e seu sentido precisa ser
definido pela consolidação das ideias alicerçadas sobre uma nova visão de Deus,
na aceitação da existência e da sobrevivência dos Espíritos. Isso fará com que
se destruam por si sós os preconceitos de castas, os antagonismos de seitas.
A
Nova Geração
Nesse momento do texto Kardec chama
a atenção para o movimento de resistência daqueles que se mantêm no egoísmo e
no orgulho, desejosos de parar a marcha
do progresso.
Para superar tal resistência será necessária e inadiável
a formação de uma nova geração que será responsável pela fundação da era do
progresso moral que se distinguirá por ter Inteligência e razão geralmente
precoces, juntas ao sentimento inato do bem e a crenças espiritualistas. 4 É essa geração
que definirá um novo perfil para as coletividades e para a própria Terra,
secundando o movimento regenerador do planeta.
Que se tranquilizem os apressados:
esse movimento regenerador não será composto exclusivamente por Espíritos que
já possuam processo consolidado anteriormente.
A nova geração pode se constituir tanto de novos Espíritos melhores como de antigos Espíritos melhorados,
todos caracterizados pela disposição moral voltada para o bem e para o
progresso, para a fé, a tolerância e a liberdade.
Lembrando a expressão crística do fermento na massa, essa nova geração
terá a responsabilidade de levedar, com suas qualidades morais, a grande massa
humana de insensatos, inseguros e imaturos, que tanto necessitam de exemplos e
estímulos à superação de suas defecções morais.
É essa nova geração que deverá fomentar, na massa social, os sentimentos
de caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para com
todas as crenças, em substituição aos vícios que retardam o progresso da
Humanidade 4: ciúme, apego
às coisas materiais, sensualidade, cupidez, avareza e paixões degradantes.
“Há
muito terreno a ser arroteado.
Mãos
à obra!
Aremos!”
Ao concluir a leitura deste
capítulo, restam-nos algumas questões que julgamos de capital importância:
· Indicadas
as características que deverá ter a nova geração fica a pergunta: como proceder à sua educação?
· Como nós,
Espíritos imperfeitos e falíveis, podemos proceder a essa educação de Espíritos
moralmente superiores a nós?
· Que
práticas educativas o Movimento Espírita poderá utilizar para o alcance desses
elevados objetivos?
Em resposta à primeira questão já
sabemos, conforme O Livro dos Espíritos,
que será necessária uma educação moral baseada no exemplo e constituída por
hábitos que exteriorizem sentimentos de elevação (ordem, previdência, respeito,
solidariedade, fraternidade, autoconhecimento etc). Se a nova
geração encontrar esses encaminhamentos, encontrará também o solo propício
para o desenvolvimento de suas boas sementes.
Quanto à segunda pergunta temos a
considerar, a partir das elucidações kardequianas:
· Somos
educadores uns dos outros se entendemos por ação educativa a influência de um
ser sobre outro, quer haja ou não uma supremacia, prevalecendo o caráter
influenciador de nossas ações recíprocas.
· Ainda que
pequenos, espiritualmente falando, podemos, ao menos, não entravar a ação dos
membros da nova geração. Podemos, por outro lado, colaborar, de forma ativa,
pelo nosso esforço de renovação, pela ação evangelizadora que possamos
desenvolver junto a esses Espíritos no lar, nas Casas Espíritas ou na
sociedade. Embora pequenos, somos chamados à grande tarefa de evangelizar,
educando, dando o testamento do trabalho redentor, oferendo ou recordando os subsídios
evangélico-doutrinários aos irmãos que já galgaram outros degraus acima na
escada evolutiva que nos aguarda a todos.
· Não nos
inibamos perante a nossa própria condição espiritual. Alegremo-nos. Sim, como o
professor consciencioso se alegra diante do aluno prodígio que seguirá adiante,
muito mais adiante que o mestre.
A última questão nos reporta a
inúmeras mensagens ditadas pelos Espíritos enfatizando a tarefa educativa da
Doutrina Espírita, com destaque para a página O Centro Espírita 5, da autoria espiritual de Djalma Montenegro de
Farias, pela mediunidade de Divaldo Franco. Nela, o trabalhador do movimento
espírita pernambucano caracteriza a casa espírita: oásis, hospital, oficina, templo, escola. Em
última instância: educação do corpo, da mente, da alma, das mãos, dos
sentimentos.
O exemplo de dedicação e humildade
de dirigentes e trabalhadores, a formação doutrinária sólida, o ambiente
fraternal e instrutivo dos grupos de estudo e evangelização, a atmosfera de
serviço redentor cooperativo, as possibilidades de integração em equipes de
trabalho, os testemunhos de amor à causa do Bem são estratégias facilitadoras
para a formação de uma nova geração nas fileiras espiritistas.
Evangelização
Espírita Infantojuvenil
No quadro acima se destaca o
trabalho da Evangelização Espírita Infantojuvenil destinado a todos, com vistas
à formação do homem de bem, buscando, através de seus múltiplos núcleos,
sensibilizar e esclarecer, amparar e iluminar, evangelizar e redimir, sem se
preocupar exclusivamente com os da nova geração, confiante de que a semeadura
pertence aos obreiros e o conhecimento sobre o tipo de solo e possibilidades de
frutos pertence ao Senhor.
Preocupada com a mensagem espírita
compreendida, sentida e vivenciada, a Evangelização Infantojuvenil e sua legião
de trabalhadores anônimos, sem o aplauso do mundo, mas com a aprovação da
própria consciência comprometida com a vivência evangélica, vem colaborando, há
décadas, com a educação dos sentimentos junto à multidão de crianças e jovens
que se aglutinam nos seus núcleos de trabalho.
Há muito o que fazer, conclui Kardec. Há muito terreno a ser arroteado.
Mãos à obra! Aremos! Semeemos mas, sobretudo, procuremos dar o nosso testemunho
pessoal de autoeducação moral, educando os nossos próprios sentimentos no Bem.
Utopia!** dirão alguns enfastiados pessimistas no plantão
obscuro dos derrotados. Mas, o que será de nós sem a esperança, a utopia, o
sonho?
Utopia hoje, sonho realizado... um
dia...
Progresso sim, sempre, pela vontade
de Deus... apesar dos homens, através da educação.
Referências:
1. KARDEC, Allan. A Gênese. Os milagres e as predições segundo o
Espiritismo. Rio de Janeiro FEB,
2002. cap. XVIII, item 2.
2. Op. cit. cap. XVIII, item 5.
3. Op. cit. cap. XVIII, item 6
4. Op. cit. cap. XVIII, item28
5. FRANCO, Divaldo Pereira. Sementeira
da Fraternidade Por Espíritos Diversos. Salvador: LEAL, 2008,
cap. 55.
(*) Capítulo constante do mais recente lançamento da FEP: Educação em
Foco.
(**) Do grego ou+topos, lugar que não existe
Texto extraído do Jornal Mundo
Espírita, da Federação Espírita do Paraná, agosto de 2019, número 1621,
Curitiba (PR)