Tomamos a liberdade de
reproduzir adiante o capítulo V de O Livro dos Espíritos, organizado e
publicado por Allan Kardec, em 18 de abril de 1857, onde Ele faz considerações
sobre um dos princípios da Doutrina Espírita: A reencarnação, que entendemos
ser de clareza solar, proporcionando a quem busca entendimento em verdades
incontestáveis para tema de tanta importância na construção de uma vida pessoal
e social melhor.
Este escrito está disponível
há mais de 160 anos, muitos se beneficiaram desses conhecimentos, no entanto,
existe parcela grandiosa da população do Globo que não tem esse conhecimento,
nem acesso a ele, além do preconceito ou fanatismo religioso não permitir aos
adeptos adentrarem outros conceitos que diferem do tradicionalismo, proibindo o
avanço espiritual.
O conhecimento e o
entendimento generalizado entre todos os povos do princípio da Pluralidade das
Existências, proporcionaria a paz no Mundo, em conta a responsabilidade que
desperta em relação a Vida, o respeito a si mesmo e ao próximo, sabendo que
todos os atos correspondem a consequências que serão boas ou ruins, e que o
responsável será credor ou devedor, devendo ressarcir o ofendido ou à Natureza,
harmonizando a sua consciência com a Lei Divina, que rege todo o Universo.
Boa Leitura.
Dorival da
Silva
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Considerações sobre a pluralidade
das existências
222. Não é novo, dizem alguns, o dogma da
reencarnação; ressuscitaram-no da doutrina de Pitágoras. Nunca dissemos ser de
invenção moderna a Doutrina Espírita. Constituindo uma lei da Natureza, o
Espiritismo há de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos
esforçamos por demonstrar que dele se descobrem sinais na antiguidade mais
remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor do sistema da metempsicose;
ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o tinham desde tempos
imemoriais. A ideia da transmigração das almas formava, pois, uma crença
vulgar, aceita pelos homens mais eminentes. De que modo a adquiriram? Por uma
revelação, ou por intuição? Ignoramo-lo. Seja, porém, como for, o que não
padece dúvida é que uma ideia não atravessa séculos e séculos, nem consegue
impor-se a inteligências de escol, se não contiver algo de sério. Assim, a
ancianidade desta doutrina, em vez de ser uma objeção, seria prova a seu favor.
Contudo, entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação,
há, como também se sabe, profunda diferença, assinalada pelo fato de os
Espíritos rejeitarem, de maneira absoluta, a transmigração da alma do homem
para os animais e reciprocamente.
Portanto, ensinando o dogma da
pluralidade das existências corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que teve
origem nas primeiras idades do mundo e que se conservou no íntimo de muitas
pessoas, até aos nossos dias. Simplesmente, eles a apresentam de um ponto de
vista mais racional, mais acorde com as leis progressivas da Natureza e mais de
conformidade com a sabedoria do Criador, despindo-a de todos os acessórios da
superstição. Circunstância digna de nota é que não só neste livro os Espíritos
a ensinaram no decurso dos últimos tempos: já antes da sua publicação,
numerosas comunicações da mesma natureza se obtiveram em vários países,
multiplicando-se depois, consideravelmente. Talvez fosse aqui o caso de
examinarmos por que os Espíritos não parecem todos de acordo sobre esta
questão. Mais tarde, porém, voltaremos a este assunto.
Examinemos de outro ponto de vista a
matéria e, abstraindo de qualquer intervenção dos Espíritos, deixemo-los de
lado, por enquanto. Suponhamos que esta teoria nada tenha que ver com eles;
suponhamos mesmo que jamais se haja cogitado de Espíritos. Coloquemo-nos,
momentaneamente, num terreno neutro, admitindo o mesmo grau de probabilidade
para ambas as hipóteses, isto é, a da pluralidade e a da unicidade das
existências corpóreas, e vejamos para que lado a razão e o nosso próprio
interesse nos farão pender.
Muitos repelem a ideia da reencarnação pelo só motivo de ela
não lhes convir. Dizem que uma existência já lhes chega de sobra e que,
portanto, não desejariam recomeçar outra semelhante. De alguns sabemos que
saltam em fúria só com o pensarem que tenham de voltar à Terra. Perguntar-lhes-emos
apenas se imaginam que Deus lhes pediu o parecer, ou consultou os gostos, para
regular o Universo. Uma de duas: ou a reencarnação existe, ou não existe; se existe,
nada importa que os contrarie; terão que a sofrer, sem que para isso lhes peça
Deus permissão. Afiguram-se-nos os que assim falam um doente a dizer: Sofri
hoje bastante, não quero sofrer mais amanhã. Qualquer que seja o seu mau humor,
não terá por isso que sofrer menos no dia seguinte, nem nos que se sucederem,
até que se ache curado. Conseguintemente, se os que de tal maneira se externam tiverem
que viver de novo, corporalmente, tornarão a viver, reencarnarão. Nada lhes
adiantará rebelarem-se, quais crianças que não querem ir para o colégio, ou
condenados, para a prisão. Passarão pelo que têm de passar. São demasiado pueris
semelhantes objeções, para merecerem mais seriamente examinadas. Diremos,
todavia, aos que as formulam que se tranquilizem, que a Doutrina Espírita, no tocante
à reencarnação, não é tão terrível como a julgam; que, se a houvessem estudado
a fundo, não se mostrariam tão aterrorizados; saberiam que deles dependem as
condições da nova existência, que será feliz ou desgraçada, conforme ao que
tiverem feito neste mundo; que desde agora poderão elevar-se tão alto que a
recaída no lodaçal não lhes seja mais de temer.
Supomos dirigir-nos a pessoas que acreditam num futuro
depois da morte e não aos que criam para si a perspectiva do nada, ou pretendem
que suas almas se vão afogar num todo universal, onde perdem a individualidade,
como os pingos da chuva no oceano, o que vem a dar quase no mesmo. Ora, pois:
se credes num futuro qualquer, certo não admitis que ele seja idêntico para
todos, porquanto, de outro modo, qual a utilidade do bem? Por que haveria o homem
de constranger-se? Por que deixaria de satisfazer a todas as suas paixões, a
todos os seus desejos, embora à custa de outrem, uma vez que por isso não
ficaria sendo melhor, nem pior? Credes, ao contrário, que esse futuro será mais
ou menos ditoso ou inditoso, conforme ao que houverdes feito durante a vida e
então desejais que seja tão afortunado quanto possível, visto que há de durar
pela eternidade, não? Mas, porventura, teríeis a pretensão de ser dos homens
mais perfeitos que hajam existido na Terra e, pois, com direito a alcançardes
de um salto a suprema felicidade dos eleitos? Não. Admitis então que há homens
de valor maior do que o vosso e com direito a um lugar melhor, sem daí resultar
que vos conteis entre os réprobos. Pois bem! Colocai-vos mentalmente, por um
instante, nessa situação intermédia, que será a vossa, como acabastes de reconhecer,
e imaginar que alguém vos venha dizer: Sofreis; não sois tão felizes quanto
poderíeis ser, ao passo que diante de vós estão seres que gozam de completa
ventura. Quereis mudar na deles a vossa posição? — Certamente, respondereis; que
devemos fazer? — Quase nada: recomeçar o trabalho mal executado e executá-lo
melhor. — Hesitaríeis em aceitar, ainda que a poder de muitas existências de
provações? Façamos outra comparação mais prosaica. Figuremos que a um homem
que, sem ter chegado à miséria extrema, sofre, no entanto, privações, por
escassez de recursos, viessem dizer:
Aqui está uma riqueza imensa de que podes gozar; para isto só é necessário que
trabalhes arduamente durante um minuto. Fosse ele o mais preguiçoso da Terra, que
sem hesitar diria: Trabalhemos um minuto, dois minutos, uma hora, um dia, se
for preciso. Que importa isso, desde que me leve a acabar os meus dias na
fartura? Ora, que é a duração da vida corpórea, em confronto com a eternidade? Menos
que um minuto, menos que um segundo.
Temos visto algumas pessoas
raciocinarem deste modo: Não é possível que Deus, soberanamente bom como é,
imponha ao homem a obrigação de recomeçar uma série de misérias e tribulações.
Acharão, porventura, essas pessoas que há mais bondade em condenar Deus o homem
a sofrer perpetuamente, por motivo de alguns momentos de erro, do que em lhe
facultar meios de reparar suas faltas? “Dois industriais contrataram dois
operários, cada um dos quais podia aspirar a se tornar sócio do respectivo
patrão. Aconteceu que esses dois operários certa vez empregaram muito mal o seu
dia, merecendo ambos ser despedidos. Um dos industriais, não obstante as
súplicas do seu, o mandou embora e o pobre operário, não tendo achado mais
trabalho, acabou por morrer na miséria. O outro disse ao seu: Perdeste um dia;
deves-me por isso uma compensação. Executaste mal o teu trabalho; ficaste a me
dever uma reparação. Consinto que o recomeces. Trata de executá-lo bem, que te
conservarei ao meu serviço e poderás continuar aspirando à posição superior que
te prometi.” Será preciso perguntemos qual dos industriais foi mais humano? Dar-se-á
que Deus, que é a clemência mesma, seja mais inexorável do que um homem?
Alguma coisa de pungente há na ideia de
que a nossa sorte fique para sempre decidida, por efeito de alguns anos de
provações, ainda quando de nós não tenha dependido o atingirmos a perfeição, ao
passo que eminentemente consoladora é a ideia oposta, que nos permite a
esperança. Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra a pluralidade das
existências, sem preferirmos uma hipótese a outra, declaramos que, se aos
homens fosse dado escolher, ninguém quereria o julgamento sem apelação. Disse
um filósofo que, se Deus não existisse, fora mister inventá-lo, para felicidade
do gênero humano. Outro tanto se poderia dizer da pluralidade das existências.
Mas, conforme atrás ponderamos, Deus não nos pede permissão, nem consulta os nossos
gostos. Ou isto é, ou não é. Vejamos de que lado estão as probabilidades e
encaremos de outro ponto de vista o assunto, unicamente como estudo filosófico,
sempre abstraindo do ensino dos Espíritos. Se não há reencarnação, só há,
evidentemente, uma existência corporal. Se a nossa atual existência corpórea é única,
a alma de cada homem foi criada por ocasião do seu nascimento, a menos que se
admita a anterioridade da alma, caso em que caberia perguntar o que era ela
antes do nascimento e se o estado em que se achava não constituía uma
existência sob forma qualquer. Não há meio termo: ou a alma existia, ou não
existia antes do corpo. Se existia, qual a sua situação? Tinha, ou não,
consciência de si mesma? Se não tinha, é quase como se não existisse. Se tinha individualidade,
era progressiva, ou estacionária? Num e noutro caso, a que grau chegara ao
tomar o corpo? Admitindo, de acordo com a crença vulgar, que a alma nasce com o corpo, ou, o que vem a ser o mesmo, que, antes
de encarnar, só dispõe de faculdades negativas, perguntamos:
1º Por que mostra a alma aptidões tão diversas e independentes
das ideias que a educação lhe fez adquirir?
2º Donde vem a aptidão extranormal que muitas crianças em
tenra idade revelam, para esta ou aquela arte, para esta ou aquela ciência,
enquanto outras se conservam inferiores ou medíocres durante a vida toda?
3º Donde, em uns, as ideias inatas ou intuitivas, que noutros
não existem?
4º Donde, em certas crianças, o instinto precoce que revelam
para os vícios ou para as virtudes, os sentimentos inatos de dignidade ou de
baixeza, contrastando com o meio em que elas nasceram?
5º Por que, abstraindo-se da educação, uns homens são mais
adiantados do que outros?
6º Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomardes de
um menino hotentote recém-nascido e o educardes nos nossos melhores liceus,
fareis dele algum dia um Laplace ou um Newton?
Qual a filosofia ou a teosofia capaz de resolver estes problemas?
É fora de dúvida que, ou as almas são iguais ao nascerem, ou são desiguais. Se
são iguais, por que, entre elas, tão grande diversidade de aptidões? Dir-se-á
que isso depende do organismo. Mas, então, achamo-nos em presença da mais
monstruosa e imoral das doutrinas. O homem seria simples máquina, joguete da
matéria; deixaria de ter a responsabilidade de seus atos, pois que poderia atribuir
tudo às suas imperfeições físicas. Se as almas são desiguais, é que Deus as
criou assim. Nesse caso, porém, por que a inata superioridade concedida a
algumas? Corresponderá essa parcialidade à justiça de Deus e ao amor que Ele
consagra igualmente a todas as suas criaturas?
Admitamos, ao contrário, uma série de progressivas existências
anteriores para cada alma e tudo se explica. Ao nascerem, trazem os homens a
intuição do que aprenderam antes: São mais ou menos adiantados, conforme o número
de existências que contem, conforme já estejam mais ou menos afastados do ponto
de partida. Dá-se aí exatamente o que se observa numa reunião de indivíduos de
todas as idades, onde cada um terá desenvolvimento proporcionado ao número de
anos que tenha vivido. As existências sucessivas serão, para a vida da alma, o
que os anos são para a do corpo. Reuni, em certo dia, um milheiro de indivíduos
de um a oitenta anos; suponde que um véu encubra todos os dias precedentes ao
em que os reunistes e que, em consequência, acreditais que todos nasceram na mesma
ocasião. Perguntareis naturalmente como é que uns são grandes e outros
pequenos, uns velhos e jovens outros, instruídos uns, outros ainda ignorantes.
Se, porém, dissipando-se a nuvem que lhes oculta o passado, vierdes a saber que
todos hão vivido mais ou menos tempo, tudo se vos tornará explicado. Deus, em
sua justiça, não pode ter criado almas desigualmente perfeitas. Com a
pluralidade das existências, a desigualdade que notamos nada mais apresenta em
oposição à mais rigorosa equidade: é que apenas vemos o presente e não o
passado. A este raciocínio serve de base algum sistema, alguma suposição
gratuita? Não.
Partimos de um fato patente, incontestável: a desigualdade das
aptidões e do desenvolvimento intelectual e moral e verificamos que nenhuma das
teorias correntes o explica, ao passo que uma outra teoria lhe dá explicação
simples, natural e lógica. Será racional preferir-se as que não explicam àquela
que explica?
À vista da sexta interrogação acima, dirão naturalmente que
o hotentote é de raça inferior. Perguntaremos, então, se o hotentote é ou não
um homem. Se é, por que a ele e à sua raça privou Deus dos privilégios
concedidos à raça caucásica? Se não é, por que tentar fazê-lo cristão? A
Doutrina Espírita tem mais amplitude do que tudo isto. Segundo ela, não há
muitas espécies de homens, há tão-somente homens cujos espíritos estão mais ou
menos atrasados, porém todos suscetíveis de progredir. Não é este princípio mais
conforme à justiça de Deus?
Vimos de apreciar a alma com relação ao seu passado e ao seu
presente. Se a considerarmos, tendo em vista o seu futuro, esbarraremos nas
mesmas dificuldades.
1ª Se a nossa existência atual é que, só ela, decidirá da nossa
sorte vindoura, quais, na vida futura, as posições respectivas do selvagem e do
homem civilizado? Estarão no mesmo nível, ou se acharão distanciados um do
outro, no tocante à soma de felicidade eterna que lhes caiba?
2ª O homem que trabalhou toda a sua vida por melhorar-se,
virá a ocupar a mesma categoria de outro que se conservou em grau inferior de
adiantamento, não por culpa sua, mas porque não teve tempo, nem possibilidade de
se tornar melhor?
3ª O que praticou o mal, por não ter podido instruir--se,
será culpado de um estado de coisas cuja existência em nada dependeu dele?
4ª Trabalha-se continuamente por esclarecer, moralizar, civilizar
os homens. Mas, em contraposição a um que fica esclarecido, milhões de outros
morrem todos os dias antes que a luz lhes tenha chegado. Qual a sorte destes últimos?
Serão tratados como réprobos? No caso contrário, que fizeram para ocupar
categoria idêntica à dos outros?
5ª Que sorte aguarda os que morrem na infância, quando ainda
não puderam fazer nem o bem, nem o mal? Se vão para o meio dos eleitos, por que
esse favor, sem que coisa alguma hajam feito para merecê-lo? Em virtude de que privilégio
eles se veem isentos das tribulações da vida?
Haverá alguma doutrina capaz de resolver esses problemas? Admitam-se
as existências consecutivas e tudo se explicará conformemente à justiça de
Deus. O que se não pôde fazer numa existência faz-se em outra. Assim é que ninguém
escapa à lei do progresso, que cada um será recompensado segundo o seu
merecimento real e que ninguém fica excluído da felicidade suprema, a
que todos podem aspirar, quaisquer que sejam os obstáculos com que topem no
caminho.
Essas questões facilmente se multiplicariam ao infinito, porquanto
inúmeros são os problemas psicológicos e morais que só na pluralidade das
existências encontram solução. Limitamo-nos a formular as de ordem mais geral. Como
quer que seja, alegar-se-á talvez que a Igreja não admite a doutrina da
reencarnação; que ela subverteria a religião. Não temos o intuito de tratar
dessa questão neste momento. Basta-nos o havermos
demonstrado que aquela doutrina é eminentemente moral e racional. Ora, o que é moral
e racional não pode estar em oposição a uma religião que proclama ser Deus a bondade
e a razão por excelência. Que teria sido da religião, se, contra a opinião
universal e o testemunho da ciência, se houvesse obstinadamente recusado a
render-se à evidência e expulsado de seu seio todos os que não acreditassem no
movimento do Sol ou nos seis dias da criação? Que crédito houvera merecido e que
autoridade teria tido, entre povos cultos, uma religião fundada em erros
manifestos e que os impusesse como artigos de fé? Logo que a evidência se
patenteou, a Igreja, criteriosamente, se colocou do lado da evidência. Uma vez provado
que certas coisas existentes seriam impossíveis sem a reencarnação, que, a não
ser por esse meio, não se consegue explicar alguns pontos do dogma, cumpre
admiti-lo e reconhecer meramente aparente o antagonismo entre esta doutrina e a
dogmática. Mais adiante mostraremos que talvez seja muito menor do que se pensa
a distância que, da doutrina das vidas sucessivas, separa a religião e que a esta
não faria aquela doutrina maior mal do que lhe fizeram as descobertas do
movimento da Terra e dos períodos geológicos, as quais, à primeira vista,
pareceram desmentir os textos sagrados. Demais, o princípio da reencarnação ressalta
de muitas passagens das Escrituras, achando-se especialmente formulado, de modo
explícito, no Evangelho:
“Quando desciam da montanha (depois da
transfiguração), Jesus lhes fez esta recomendação: Não faleis a ninguém do que
acabastes de ver, até que o Filho do homem tenha ressuscitado, dentre os
mortos. Perguntaram-lhe então seus discípulos: Por que dizem os escribas ser
preciso que primeiro venha Elias? Respondeu-lhes Jesus: É certo que Elias há de
vir e que restabelecerá todas as coisas. Mas, eu vos declaro que Elias já veio,
e eles não o conheceram e o fizeram sofrer como entenderam. Do mesmo modo darão
a morte ao Filho do homem. Compreenderam então seus discípulos que era de João
Batista que ele lhes falava.” (São Mateus, cap. 17)
Pois que João Batista fora Elias, houve
reencarnação do Espírito ou da alma de Elias no corpo de João Batista.
Em suma, como quer que opinemos acerca da
reencarnação, quer a aceitemos, quer não, isso não constituirá motivo para que
deixemos de sofrê-la, desde que ela exista, malgrado a todas as crenças em
contrário. O essencial está em que o ensino dos Espíritos é eminentemente
cristão; apoia-se na imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, na
justiça de Deus, no livre-arbítrio do homem, na moral do Cristo. Logo, não é
antirreligioso.
Temos raciocinado, abstraindo, como dissemos, de
qualquer ensinamento espírita que, para certas pessoas, carece de autoridade.
Não é somente porque veio dos Espíritos que nós e tantos outros nos fizemos
adeptos da pluralidade das existências. É porque essa doutrina nos pareceu a
mais lógica e porque só ela resolve questões até então insolúveis.
Ainda quando fosse da autoria de um simples
mortal, tê-la-íamos igualmente adotado e não houvéramos hesitado um segundo
mais em renunciar às ideias que esposávamos.
Em sendo demonstrado o erro, muito mais que
perder do que ganhar tem o amor-próprio, com o se obstinar na sustentação de
uma ideia falsa. Assim também, tê-la-íamos repelido, mesmo que provindo dos
Espíritos, se nos parecera contrária à razão, como repelimos muitas outras,
pois sabemos, por experiência, que não se deve aceitar cegamente tudo o que
venha deles, da mesma forma que se não deve adotar às cegas tudo o que proceda
dos homens. O melhor título que, ao nosso ver, recomenda a ideia da
reencarnação é o de ser, antes de tudo, lógica. Outro, no entanto, ela
apresenta: o de a confirmarem os fatos, fatos positivos e por bem dizer,
materiais, que um estudo atento e criterioso revela a quem se dê ao trabalho de
observar com paciência e perseverança e diante dos quais não há mais lugar para
a dúvida. Quando esses fatos se houverem vulgarizado, como os da formação e do
movimento da Terra, forçoso será que todos se rendam à evidência e os que se lhes
colocaram em oposição ver-se-ão constrangidos a desdizer-se. Reconheçamos,
portanto, em resumo, que só a doutrina da pluralidade das existências explica o
que, sem ela, se mantém inexplicável; que é altamente consoladora e conforme à
mais rigorosa justiça; que constitui para o homem a âncora de salvação que
Deus, por misericórdia, lhe concedeu. As próprias palavras de Jesus não
permitem dúvida a tal respeito. Eis o que se lê no Evangelho de São João, capítulo
3:
3. Respondendo a Nicodemos, disse Jesus: Em
verdade, em verdade te digo que, se um homem não nascer de novo, não
poderá ver o reino de Deus.
4. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer
já estando velho? Pode tornar ao ventre de sua mãe para nascer segunda vez?
5. Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te
digo que, se um homem não renascer da água e do Espírito, não poderá entrar no
reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é
Espírito. Não te admires de que eu te tenha dito: é necessário que torneis a
nascer. (Ver, adiante, o parágrafo
“Ressurreição da carne”, nº 1010.)
Tradução: Dr. Guillon Ribeiro - Publicação: FEB-Federação Espírita Brasileira